Foi lançado, no dia 8 de abril, no Sindicato dos Metroviários de São Paulo, um livro que, não tenha dúvida, desencadeará uma série de análises, artigos e comentários nas redes sociais. Em Jesus, o maior socialista que já existiu, o teólogo, historiador e doutorando em História pela UNICAMP, Jefferson Ramalho delineia alguns aspectos que, segundo ele, aproximam Jesus do que hoje conhecemos por “socialista”. Nesta entrevista conversaremos um pouco sobre o quarto livro de Ramalho e sua compreensão sobre alguns temas polêmicos no meio evangélico. Esta entrevista não versará sobre uma análise teológica dos Evangelhos, mas alguns exemplos humanitários de Cristo. Convém deixar claro que os pontos aqui abordados não refletem a opinião deste Gospel+.
Cristãos Progressistas. Jefferson, tudo bem?
Jefferson Ramalho. Por favor, não quero parecer indelicado na resposta, mas eu aprendi com um grande amigo – o qual, inclusive, me honrou com o prefácio deste meu novo livro – que não devemos responder que está tudo bem -“tudo é muita coisa”, diz ele. Eu posso dizer que estou bem, mas não plenamente bem. Existem muitas pessoas que não conheço que neste exato momento estão vivenciando sofrimentos terríveis. Mesmo que, na maioria dos casos, eu nada possa fazer – se é que eu não posso mesmo – o simples fato de saber que há pessoas sofrendo, agora, me impede de dizer que está “tudo” bem. Eu posso estar, mas quantos não estão? Muitos, muitos mesmo. Então, eu prefiro dizer, com um certo constrangimento, que estou apenas bem.
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Cristãos Progressistas. É um grande prazer poder conversar contigo e conhecer um pouco mais sobre o seu mais novo livro, Jesus, o maior socialista que já existiu.
Jefferson Ramalho. Eu me sinto honrado em falar com você sobre este meu novo trabalho. Espero contribuir de alguma maneira. Nem que seja provocando dúvidas e reflexões. Aproveito para agradecer tanto pelo convite para esta entrevista quanto pela oportunidade de divulgar meu trabalho.
Cristãos Progressistas. Não há dúvida de que Jesus é a figura mais emblemática da História e que tem sido descrito de diversas maneiras, como um grande líder, visionário, e exemplo de administrador e psicólogo, e agora como o “maior socialista que já existiu”. De onde surgiu a inspiração para chegar a essa conclusão?
Jefferson Ramalho. Simples. A inspiração surgiu da releitura que passei a fazer dos evangelhos de alguns anos para cá, desde que deixei de frequentar, por opção, os templos religiosos. Houve tempos nos quais eu via em Jesus um grande curandeiro, milagreiro, mágico, enfim. Passei a perceber que faria muito mais sentido se começasse a prestar atenção tão somente na experiência humana de Jesus de Nazaré. Não quero entrar na discussão em torno da divinização de Jesus que, como sabemos, resultou de um processo de construção discursiva, dogmática, teológica e até política. Tenho percebido que o mundo, para ser melhor (não perfeito, pois é algo impossível) não precisa de uma compreensão de um Jesus sobrenatural, divino, ressuscitado dos mortos. O mundo precisa, antes de tudo, conhecer o jovem de Nazaré, que era humano como todos nós, inconformado com a injustiça e a desigualdade, que denunciava os poderosos e que não se envergonhava de manter amizades com pessoas rejeitadas pela sociedade. O comportamento de Jesus seria, não tenho dúvida, execrado pelas igrejas de hoje.
Cristãos Progressistas. Você tem consciência de que está entrando em um campo minado, ou seja, que há uma forte resistência a temas associados ao Socialismo? Acredita ser possível apresentar aos cristãos uma nova compreensão da face humana de Cristo?
Jefferson Ramalho. Sim. Primeiro, porque dizer que Jesus foi socialista é um grande problema do ponto de vista histórico-filosófico. Por quê? Porque ele viveu há cerca de dois mil anos. O Socialismo é uma corrente ideológica que ainda não completou duzentos anos. Portanto, é anacrônico dizer que ele foi socialista, tanto quanto seria chamá-lo de capitalista, psicólogo, líder executivo, mas é inegável que muitos – senão todos – os princípios de solidariedade, igualdade, justiça, relações humanas de respeito pelo outro, independentemente de sua condição, raça, cor, sexo, gênero, religião, orientação sexual são comuns tanto na vida e comportamento de Jesus de Nazaré, como no Socialismo. Sabemos, sim, que o Socialismo é plural. Mas, os grupos que ao longo da história se disseram seguidores de Jesus também foram e são plurais. No entanto, há uma essência que os une. E, não tenho dúvida, de que se existem diferenças entre a mensagem do jovem galileu e a mensagem socialista, estas estão longe de superar aquilo que as aproxima. Há muito mais pontos em comum do que diferenças. É para isso que quero chamar a atenção de leitores e leitoras que me derem a honra e o privilégio de suas atenções para o meu livro.
Cristãos Progressistas. Que elementos dos Evangelhos podemos tomar como fundamentos para a compreensão de que Jesus foi o maior socialista que já existiu?
Jefferson Ramalho. Exatamente aqueles que mencionei: os princípios da solidariedade, da igualdade, da justiça social e econômica, das relações humanas de respeito pelo outro independentemente de qualquer coisa. As pessoas têm que ser respeitadas em suas condições e escolhas. Mas, quero chamar a atenção para um ponto muito importante. Jesus era um sujeito que estava disposto a enfrentar cara a cara a injustiça, a arrogância, o poder opressor de líderes políticos e religiosos, a exploração do ser humano e a falsa ideia de meritocracia a ser aplicada numa sociedade na qual as oportunidades são desiguais desde quando o seres humanos nascem. Defender a meritocracia em uma sociedade desigual é desumano, é injusto, é sem o mínimo sentido, é sem critério racional e ético. Jesus, por outro lado, foi defensor da justiça, dos menos favorecidos, dos excluídos, dos explorados, das vítimas de preconceito. A leitura mais simplória dos evangelhos já permite que percebamos isso. Infelizmente, líderes religiosos de hoje, sem o mínimo conhecimento exegético, sem o mínimo conhecimento das línguas originais da Bíblia, distorcem a narrativa de tal maneira, fazendo-as falar aquilo que elas não estão falando. E, com isso, enganam pessoas, enriquecem às custas da fé alheia, fazem alianças políticas que não promovem o avanço da sociedade em todos os sentidos, mas que na prática servem apenas para encher seus bolsos e legitimar visões de mundo que são conservadoras, retrógradas, excludentes e preconceituosas. É uma pena que seja assim. Dizem que promovem o amor (claro que vão dizer isso), mas promovem o ódio, a exclusão e até a violência.
Cristãos Progressistas. No capítulo 7 do livro você trabalha com a temática de que “não se deve matar um criminoso”. É uma resposta a cultura do punitivismo que caracteriza países como o Brasil? Que dizer dos que têm como base sua fé no Evangelho, e, ao mesmo tempo, são defensores de práticas como linchamento e pena de morte? Não está em franca contradição com o segundo maior mandamento – amarás o próximo como a ti mesmo?
Jefferson Ramalho. Em total contradição. Quem defende a violência não pode se dizer seguidor de Jesus de Nazaré. Pode até dizer que segue a Bíblia, pois de fato há muitos momentos, especialmente no Primeiro Testamento, que trazem a ideia de um Deus vingativo, punitivo, violento. Mas, devemos sempre lembrar que a Bíblia, antes de qualquer coisa, é resultante de várias construções discursivas de um povo que queria legitimar suas crenças, sua identidade étnica e suas guerras. E, para isso, nada como dizer: “Deus está do nosso lado e não do lado dos outros”. Mas, se vamos para o Segundo Testamento, o Jesus de Nazaré que ali é apresentado, em meio a uma série de narrativas míticas e repleta por metáforas, tem uma mensagem muito clara a passar. Quem agride um agressor, se torna tão agressor quanto ele; quem mata um assassino, se torna tão assassino quanto ele. É simples e básico isso nos evangelhos. Quando uma mulher foi flagrada em adultério, quiseram matá-la, pois a lei em certo sentido os permitia fazer isso. Jesus, porém, dado ao enfrentamento como era, desafiou-os: “aquele que entre vocês jamais cometeu algum erro, pode apedrejá-la.” E o que mais vemos na narrativa desse episódio? O machismo.
Mulheres flagradas em adultério eram apedrejadas. E homens adúlteros? Não deveriam, então, receber o mesmo castigo? Mas, não era assim naquela sociedade machista dos tempos de Jesus, que não difere muito da sociedade atual. Para Jesus, nem mulheres nem homens flagrados em adultério mereciam a pena de morte. Um garoto menor infrator e um filho de família burguesa, ambos usuários de drogas – e que roubam em função disso – não merecem ser açoitados. Ambos são dependentes químicos e merecem o mesmo tratamento para terem as suas vidas recuperadas. Isso sem falar das condições precárias dos presídios. Presídio não existe para punir o criminoso ou para proteger a sociedade dos infratores da Lei que estão presos. Presídio existe para recuperá-los e torná-los pessoas que possam voltar a viver na sociedade. Mas, considerando as condições do sistema prisional brasileiro, são poucos os que saem da prisão recuperados. Vivemos um verdadeiro caos! Por isso tantos defendem a pena de morte. Só que um Estado que aplica a pena de morte admite que não tem competência para recuperar e reeducar seres humanos. Precisamos entender que pessoas são recuperáveis. Basta haver instrumentos eficazes para isso.
Cristãos Progressistas. Os textos de Atos 2.44-47 e 4.32-37 são evidências de que os apóstolos tinham uma visão diferenciada, que acreditavam em princípios como igualdade e justiça social?
Jefferson Ramalho. Diferentemente do que ocorria na igreja de Corinto, na qual os ricos se empaturravam e não dividiam nada com os mais pobres, a igreja descrita nesses dois pequenos trechos do livro de Atos dos Apóstolos era solidária, desprendida de todo e qualquer bem material, não havia teologia da prosperidade, mas havia compartilhamento. É revoltante saber que existem pastores milionários e, ao mesmo tempo, em suas igrejas há pessoas que não têm o que comer em casa. E o que é pior: o sujeito (o pastor) é tão sem escrúpulos que é capaz de dizer que a pessoa está naquela situação porque não tem tido fé suficiente para melhorar de vida.
Cristãos Progressistas. Você considera os países nórdicos, como Suécia, Noruega e Finlândia como modelos de governos comprometidos com o bem-estar dos cidadãos? São hoje os melhores modelos de eficiência em políticas sociais, de igualdade de gêneros, e democracia participativa?
Jefferson Ramalho. Ainda não tive a oportunidade de conhecer esses países e nem sei se algum dia terei. O que sabemos é que eles estão muito à frente de nós em muitos quesitos. Não apenas em termos econômicos. A Economia desenvolvida é apenas uma consequência. Eles estão à frente de nós porque têm uma cultura política mais responsável, levam mais a sério aquilo que chamamos de ser humano. Você vai ao médico num país desse e é tratado como alguém que precisa ser assistido com responsabilidade; você tem uma Educação de ponta para todas as crianças e jovens, sem distinção; você aprende desde cedo a conviver com o outro, independentemente do quanto ele possa ser diferente de você. A nossa sociedade somente será melhor no dia em que aprender a viver com aquilo que melhor a caracteriza: a diversidade. E, nesses países em particular – o que, aliás, não ocorre em todo país economicamente desenvolvido – o convívio com o outro, seja ele de outra raça, cor, religião, identidade de gênero, etc, é muito respeitoso. Ser um país desenvolvido economicamente não significa que ele esteja livre de marcas e manchas culturais que expõem seus preconceitos e suas discriminações ainda tão notáveis.
Cristãos Progressistas. Para finalizar, apresente suas últimas considerações sobre o lançamento do livro Jesus, o maior socialista que já existiu.
Jefferson Ramalho. Eu pediria para que as pessoas façam a leitura completa do livro antes de o avaliarem ou o rotularem. E, apesar de já ter recebido muitas críticas de conservadores religiosos e, claro, de pessoas que têm convicções políticas neoliberais e capitalistas sem que sequer tenham lido o livro, quero deixar meu convite a todos e todas para o lançamento que será neste dia 8 de abril, a partir das 18h30, no Sindicato dos Metroviários de São Paulo (Rua Serra do Japi, 31, Tatuapé, São Paulo/SP). Teremos uma mesa com alguns convidados, boa música e, acima de tudo, muito diálogo e reflexão.