Apesar de inegáveis avanços científicos, tecnológicos, culturais, a sociedade contemporânea ainda possuí resquícios primitivos e bárbaros. Vivemos a era dos extremos (posterior a do historiador Hobsbawm), dos posicionamentos políticos, ideológicos, científicos, que tem resultados ambíguos, diferenciados, contraditórios. Em análise sobre a “Laicidade do Estado” (cuja frase principal teve menção aqui no Gnotícias) demonstramos que o mundo “caminha para teocracias, estados confessionais e um crescente fanatismo religioso”. O prognóstico, que tem como base observações em países islâmicos, onde Religião e Estado se confundem, se mesclam no debate público, se estende a todas as regiões do mundo, e particularmente à porção norte do hemisfério.
Não obstante alguns aspectos negativos da prática religiosa – particularmente quando analisamos grupos localizados, extremistas, que orbitam em torno de premissas políticas, ideológicas, que se sobrepõem ao secular, aos direitos constitucionais – a religião é um fator cultural, parte das sociedades primitivas, que inegavelmente tem contribuído com a construção de uma sociedade melhor, humanizadora, participativa. Seria impossível ao homem viver alheio a uma divindade, a uma crença, a uma tradição religiosa dada a sua necessidade de respostas, de apoio espiritual, de pertencimento. É uma questão indiscutível do ponto de vista sociológico, antropológico, histórico. Somos seres religiosos, que compartilhamos experiências e crenças pautadas em nossa doutrina.
Curta a nossa página no Facebook
Por outro lado, há uma inegável crise de identidade em alguns países de maioria cristã, dada a influência (diria militante) de grupos que recorrem a termos chulos, a rotulações de personagens históricos, a lideranças acadêmicas, a postulações intelectuais. É comum o uso de princípios de Maquiavel – particularmente da conclusão de que os “fins justificam os meios” – na guerra contra os opositores, contra os inimigos. Justificam-se ditaduras como “necessárias ao nivelamento social”, a torturadores como exemplos de “ética política, ideológica”, a justiceiros que clamam por “linchamento dos malandros, dos marginaizinhos”, aos defensores do “rebaixamento do papel feminino no meio social”, ao ex-espião repaginado, contextual, que possui interesses conflitantes.
Que exemplo grupos extremistas dão à sociedade, aos 95% de cristãos cuja fé é pautada pela compreensão, pelo compartilhar? Um posicionamento correto deveria ser o da balança, a do aproveitamento do que temos de positivo na sociedade. Em entrevista ao jornal Nosso Tempo, do Rio de Janeiro, sobre a polêmica em torno do suicídio, foi perguntado sobre as razões que levam grupos religiosos a suicídios coletivos. Nossa resposta foi (confira integra a seguir) no sentido de que o suicídio coletivo é parte da chamada “programação” que movimentos destrutivos promovem sobre adeptos. Neste sentido, o “direcionamento” é um dos principais motivos da histeria sectária, destrutiva, que corrompe as estruturas da humanidade, do núcleo familiar, da sociedade.
Um dos grandes problemas de alguns países islâmicos – a exemplo da Arábia Saudita e do Irã – é a tentativa de “imposição” do credo religioso a totalidade da população, do mesclar Estado e Religião, em um sistema teocrático que remete aos tempos antigos. É daí que surgem os extremismos, quando não se consegue distinguir o Estado da Religião, o Sagrado do Secular, o Meu do Outro. Dado os exemplos – e a crucificação de cristãos na Síria é um exemplo recente de extremismo – oriundos do universo islâmico, há de se pensar o Ocidente, da maneira como a sociedade ocidental deve se posicionar em questões não somente religiosas, mas também políticas. Na Europa, mas também nos EUA, o crescimento de grupos extremistas, xenofóbicos, tem como base ideologias de superioridade “racial” e “religiosa”. Um grande perigo em ascensão.
Pensando no Brasil, em nosso contexto cultural, social, político, religioso, há exemplos recentes de extremismo, de imposição ideológica e religiosa, que nos faz refletir sobre os erros dos estados islâmicos teocráticos. Que imagem está sendo construída? De que maneira estamos dialogando com a sociedade? Como encaramos problemáticas sociais como o aborto e o homossexualismo? De forma impositiva ou a partir de diálogos de alto nível? Particularmente somos contra o aborto, o homossexualismo e as políticas estatais de promoção de grupos específicos da sociedade, mas de que maneira refletimos sobre os temas levantados? Que linguagem está sendo usada no embate social? Temos uma nítida distinção entre Estado e Religião? É hora de parar e analisar!
_____________________
Confira nossa recente entrevista ao Nosso Tempo.
A problemática do suicídio
Nosso Tempo. Em 20 anos, o número de mortes por suicídio no Brasil cresceu 1.900% na faixa etária de 15 a 24 anos. Podemos dizer que houve mudanças na forma como encaramos a morte hoje? Os altos índices de suicídio revelam uma realidade de banalização da vida?
Johnny Bernardo. Estamos diante de uma tragédia, de uma problemática social, de abrangência mundial, e não apenas nacional. A globalização, a universalização das mídias, tem parte de culpa no sentido em que coopera com a destruição de conceitos, de culturas e de tradições de um povo ou de uma comunidade local. Ao mesmo tempo, traduz para as nações subdesenvolvidas particularidades degenerativas de alguns países desenvolvidos, com graves problemas sociais, como os Estados Unidos. Portanto, é preciso compreender o fenômeno social chamado “suicídio” a partir de particularidades universais, mundiais, pois influenciam na forma como os adolescentes pensam, entendem a sociedade, se relacionam em grupos. É um fenômeno mundial!
Há uma fragilidade psicológica na adolescência que é agravada na medida em que fatores externos influenciam no modo de agir, de tomar decisões diante de “vergonhas”, de “exposições” em redes sociais. Em resumo, pode se dizer que a grande exposição em mídias sociais impulsiona as taxas de suicídio no Brasil. Há uma banalização, diria, dos direitos, do particular, do privado, via bullying e cyberbullying, como foi o caso da adolescente Amanda Todd. Também podemos apontar a ausência de distinção entre o real e o virtual como um agravante em alguns casos de suicídio. Neste sentido, o distanciamento da família, da conversa no parque, no relacionar-se com grupos sociais (como em igrejas), cria uma distorção que acaba por incorrer em tragédias, como as veiculadas pela mídia.
Não falar sobre o assunto ainda é a melhor saída, conforme preconiza a OMS, que pede restrições à imprensa ao divulgar dados e métodos empregados para suicídio?
Acredito no poder das campanhas, das conscientizações públicas. Quanto aos meios de comunicação há, de fato, um sensacionalismo, um explorar exacerbado de ocorrências como casos de suicídio ou mesmo terrorismo, que tem um efeito negativo na sociedade. Programas policiais, por exemplo, extrapolam ao focar demasiadamente em tragédias públicas. Podemos concluir que há uma necessidade de regulamentação do que é exposto nas mídias, na forma como estas se dirigem aos cidadãos, para que não se universalize fatos isolados. A mídia deve ter um papel social, que é o de instruir, de orientar, e não de explorar fragilidades sociais com objetivos financeiros.
Há algumas seitas que induzem seguidores à prática do suicídio coletivo. O que elas preconizam como um ato que vai de encontro ao que prega a maior parte das religiões?
O suicídio coletivo – a exemplo do que ocorreu na comunidade agrícola de Jonestown, na Guiana, quando 913 seguidores do Templo dos Povos tomaram cianureto – é parte da chamada “programação” que seitas destrutivas promovem sobre adeptos. São características comuns: recrutamento, isolamento social e psicológico, doutrinação, mortificação, destruição da personalidade, dependência ou subordinação ao líder ou “messias” e, em casos extremos, suicídio. Na verdade, o suicídio é usado mais como um último recurso quando uma seita destrutiva se vê ameaçada pelo Poder Público. Para não colocar os recursos adquiridos junto aos adeptos em risco, se desenvolve uma saída espiritual, que é o suicídio como uma forma de “escape do inimigo que os persegue”, ou como um meio de se “aproximar de Deus”, do “Paraíso, onde o fiel não mais sofrerá perseguições”. Também faz parte da programação encenações de suicídios e justificativas para um eventual “imolamento coletivo”. São características de seitas ou movimentos destrutivos, que não encontra respaldo em outras religiões ou grupos dissidentes mais tradicionais. Para o cristianismo, o suicídio é um pecado tal qual o homicídio, condenado pelas Escrituras Sagradas.