O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, divulgou o relatório de uma pesquisa feita com 3.810 pessoas sobre as causas da violência contra a mulher.
O resultado foi estarrecedor: 65% dos entrevistados, incluindo pessoas do sexo feminino, disseram que mulher com roupa curta merece ser atacada sexualmente. Comentei essa notícia com minha esposa, e sua reação foi de perplexidade: “Nem prostituta deve ser atacada”. Obviamente, concordo. Entretanto, o conceito detectado na pesquisa é tido como justificado na sociedade brasileira, e apoiado inclusive por muitas mulheres. Experimente uma conversa informal, na padaria, sobre alguma mulher com roupas curtas que esteja passando ou que more na vizinhança, e repare nas respostas…
Outros dados também revelaram que o mesmo brasileiro que apóia as agressões contra as mulheres “da rua” é contra a agressão doméstica: 91% dos entrevistados concorda que maridos que agridem esposas devem ser presos, apesar de 63% acharem que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre membros da família”. O conceito de que “roupa suja se lava em casa” é apoiado por 89% da população.
A maioria dos entrevistados, 58,5%, concorda que “se mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”. Já 54,9% afirmaram que existem dois tipos de mulheres: as que servem para casar, e as que devem ser levadas para a cama.
Todas essas informações causaram espanto à mídia e a boa parte dos internautas. Aí eu me pergunto: por que o espanto? Essa não é a realidade da nossa sociedade? Esse não é o cotidiano com o qual convivemos sempre?
Mas o que me causou maior incômodo foi ligar os seguintes pontos: a maioria dos brasileiros acha que mulher “mal vestida” deve ser estuprada e a maior parte dos brasileiros são cristãos, católicos ou evangélicos. Fora o fato de que a violência contra a mulher é uma coisa que transcende religião, não tem alguma coisa errada nisso?
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez alarde ao divulgar o relatório sobre religião do Censo 2010, que apontava um crescimento superior a 60% dos fiéis evangélicos em relação ao Censo anterior, de 2000. À época do anúncio, diversos pastores, bispos, apóstolos, sub-deuses comemoraram e cantaram aos quatro ventos que, em pouco tempo, o Brasil seria um país de maioria evangélica…
Olhando para nossa sociedade, até agora não vejo vantagem nesse “crescimento evangélico”, porque cheguei à conclusão que esse crescimento é numérico, não orgânico. Mais pessoas têm aderido à temerária e famigerada teologia da prosperidade. Só. Boa parte dos evangélicos no papel mal conhecem o Cristo.
Minha pergunta é: se nós evangélicos seguimos a Cristo e seus ensinamentos, onde está o impacto do nosso crescimento na nossa sociedade? Nos últimos anos, temos visto a violência como um todo aumentar; a corrupção atingir um nível inédito de engenhosidade e alcance; a indiferença com os necessitados saltar aos olhos nas ruas das cidades; etc. Não estamos sendo sal e nem luz…
Os políticos eleitos pelo voto dos evangélicos se engalfinham com opositores, como se disputassem quem consegue ofender mais a inteligência alheia, exalando desrespeito e soberba. Certo dia, atordoado com uma reflexão semelhante, o pastor Ricardo Gondim escreveu em suas tribunas: “Deus nos livre de um Brasil evangélico”. Foi achincalhado. Mas, respondam-me queridos leitores: estamos nos tornando um povo grande e poderoso, mas estamos refletindo o Cristo e seus ensinamentos onde chegamos?
Falando especificamente da violência contra a mulher no Brasil, muitos dirão que ela está enraizada na cultura popular. Sim, concordo. Mas pergunto novamente: não deveríamos nós, cristãos, ensinar e praticar o amor ao próximo (que resume todos os outros mandamentos)? Se não pudermos ser “sal da Terra e luz do mundo”, influenciando nossa sociedade para o bem, não deveríamos rever a forma como olhamos para o que acontece ao nosso redor?
Os números da pesquisa permitem imaginar que alguns dos que disseram concordar com ataques a mulheres, ou mesmo que existam mulheres para casar e mulheres para levar para a cama, sejam evangélicos. Não seria isso uma contradição, uma vez que a doutrina da maioria absoluta das igrejas é a abstinência sexual para quem não é casado?
Às vezes, sonho acordado com um tempo em que nosso povo terá compromisso histórico com o Reino de Deus, semeando amor e paz através da mensagem do Evangelho e do testemunho de vida. Lutando pela igualdade de gênero, social e étnica; contra a violência; a favor dos mais necessitados; contra a corrupção; a favor da educação de qualidade; contra as agressões ao meio-ambiente; etc.
Sim, acredito que a pesquisa do IPEA reflete o quanto não estamos nos apresentando corretamente à sociedade; Que nossas igrejas não oferecem tudo que podem para ajudar a comunidade ser melhor; Que estamos preocupados em tomar o poder, mas não saberemos o que fazer com ele quando o tivermos…
Há muito o que se fazer pelo nosso amado Brasil, pois embora estejamos ansiosos pela oportunidade de estar com Ele, por enquanto estamos aqui, numa sociedade que cada vez mais se distancia do amor de Deus.
Política?
A pesquisa do IPEA foi feita entre os meses de maio e junho de 2013 (há bastante tempo), em 212 municípios brasileiros. Como frisei no começo, o IPEA é um órgão governamental. Não duvido da idoneidade da pesquisa, mas acho suspeito que o relatório tenha sido divulgado somente agora, quando os escândalos da Petrobrás vieram à tona… Vigia, irmão!