O povo brasileiro, aos moldes do que tem ocorrido em todo mundo, resolveu pautar diretamente seus pleitos mais variados. Não são novidades na história das sociedades movimentos de larga abrangência. No passado, alguns movimentos marcaram época e foram importantes para se estabelecer quebras de paradigmas. Podemos destacar a Revolução Francesa, movimentos como o Primeiro de Maio de 1886, a Revolução Americana, e, em período mais recente no Brasil, o movimento das Diretas Já. Uma grande diferença entre os movimentos tradicionais e os que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo é a diversidade de pleitos e de grupos, havendo, inclusive, pleitos divergentes entre si. Outra diferença, que abordarei com mais ênfase neste artigo, é a preferência por instituições do Estado em proteger os direitos de uns em detrimento de outros.
A Constituição Federativa do Brasil (artigo 1º, parágrafo único), prescreve que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A forma mais tradicional de exercício do poder pertencente ao povo é a indireta. Quando a sociedade resolve pautar de forma direta e incisiva os seus pleitos está dando um recado muito claro aos seus representantes: está desconfortável com a forma que vem sendo representada. Há uma crise de representatividade. É como um carro em que o motorista perde o seu controle em uma curva. A primeira ação a ser tomada para que a coisa não se agrave é tentar retomar o controle da direção do carro. No caso da representação política, o primeiro passo é retomar a credibilidade dos representantes, o que pode ser feito mudando o sistema para dar ao povo o sentimento de que está sendo bem representado. Isso deve ser feito por meio de uma reforma política. Com o grito de que políticos não o representam, será difícil essa retomada. Em uma democracia, o povo precisa aceitar seus representantes. Essa aceitação ocorrerá a partir do momento que os cidadãos entenderem que suas vontades estão sendo prestigiadas, não as dos representantes que sejam contrárias às populares.
Nas manifestações, realizadas por pessoas, em sua maioria, pacíficas, a polícia se vê pressionada a restabelecer a ordem e o faz da forma que entende ser mais factível. Se por um lado as instituições de segurança cometem excessos, na maioria das vezes quando encontram criminosos que jogam coquetéis molotovs, pedras ou agem de forma violenta contra os policiais, por outro, em maior escala, esforçam-se por cumprir seu papel e os policiais defendem a sociedade ordeira com suas próprias vidas. Instituições, como, por exemplo, a OAB, muitas vezes se colocam, teoricamente, na defesa dos manifestantes. Contudo, esta opta por não se pronunciar de forma clara sobre os criminosos que atacam a polícia e atrapalham as manifestações. Oferece “ajuda” aos atingidos pela violência policial, mas não oferece, por exemplo, assistentes de acusação nos casos de “manifestantes” que cometam crimes de ação pública que põem em risco a integridade física e vida de manifestantes pacíficos e policiais. Não oferece ajuda também às famílias de policiais que perdem a vida e têm seus direitos violados pelo poder público, ou mesmo defende de forma efetiva policiais feridos em combate que sofrem, em muitos casos, duras consequências pelo desprezo dos seus direitos.
De qualquer forma, a violência policial é um tema que a todos preocupa e deve ser combatida de forma sincera e racional. Como, conceitualmente, o monopólio da violência pertence ao poder estatal, evidente que este, para não violar direitos humanos, deve ter limites muito claros. Para evitar que os limites “morais”, “éticos” ou “políticos” impostos às instituições que cuidam da segurança pública impeçam ou limitem suas atuações de defesa dos cidadãos de bem, o tema deve ser avaliado de forma madura e equilibrada. Na busca da evolução desse tema, alguns projetos de leis tramitam no Congresso Nacional. Dois projetos se destacam por terem sido apresentados antes das manifestações recentes. O primeiro deles é o PL 6125/2009, do senador Marcelo Crivella, que disciplina o uso de cassetetes e armas perfurocortantes pelos agentes de segurança pública, nas atividades de policiamento ostensivo, em todo território nacional, obrigando os policiais a registrarem os casos específicos em que precisaram usar o material e provocaram lesão corporal. Este projeto de lei já foi aprovado no Senado Federal e agora é analisado em caráter conclusivo nas comissões da Câmara. A previsão é que deve ser votado ainda neste semestre na Comissão de Segurança Pública. Mais recentemente, foi apresentado o PL 4471/2012, de autoria dos deputados Paulo Teixeira, Fabio Trad, Delegado Protógenes e Miro Teixeira que cria regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes das ações de policiais. Esses casos, conhecidos como “autos de resistência seguida de morte”, passam a ter rito de investigação semelhante ao utilizado em crimes praticados por cidadãos comuns. Já passou pelas comissões da Câmara e aguarda votação no plenário, prevista para agosto.
O tema da violência policial é realmente grave e precisa ser resolvido. Todavia, o Estado que não pode ser violento mais do que a situação exige, também não pode ser “solidário” com a violência de quem quer que seja. O Estado não pode ser convenientemente frouxo, inerte ou cego. O caput do Art. 208 do Código Penal tipifica como crime “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”, sem contar os dispositivos que tratam do ultraje público ao pudor previstos nos artigos 233 e 234 do mesmo diploma legal. Estes dispositivos previstos na legislação penal não são valorizados por algumas instituições públicas que deveriam fazê-lo valer. Parece haver um acordo entre manifestantes criminosos e agentes públicos prevaricadores que garante um salvo-conduto, igualmente criminoso, para perturbar culto, vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso, ou mesmo a prática de atos imorais em via pública, para afrontar fiéis que optam por defender valores relacionados à vida e à família tradicional.
Estes dispositivos legais e os valores morais caros às famílias brasileiras parecem não ser importantes para alguns ativistas que usam de suas funções de Estado para “liberar geral” comportamentos, desde que sejam do lado da promiscuidade sexual ou de atitudes desta natureza. É um Código Penal que não é erga omnes (contra todos). Surgiu a prerrogativa de descumpri-lo desde que seja do lado da imoralidade ou da perversão sexual. Baseado nisto, há um grupo de manifestantes que possuem um indevido salvo conduto dado pelas instituições públicas que deveriam atuar em defesa de todos. Estes salvos-condutos “legitimados” pela prevaricação de agentes públicos que se mantêm, de forma indevida, convenientemente inertes, geralmente são dados para minorias violentas e que atacam moralmente ou até fisicamente cidadãos que prestam seus cultos que, por sua natureza, são pacíficos.
Os cidadãos religiosos, se cometem deslizes, são disputados pelas mídias e pelas instituições do Estado que querem mostrar o quão viscerais são contra os desvios de conduta. Agentes públicos que possuem prerrogativas amplas, robustas e vitalícias para defender a sociedade como um todo, por vezes, usam tais proteções constitucionais para terem à sua disposição um cardápio que lhes permite escolher sua “vítima” preferencial. Tais mídias e instituições, desviadas também de suas funções, omitem-se oportunamente sem cerimônia, sem vergonha, sem perder a pompa nem as prerrogativas, e sem riscos de serem responsabilizadas pelo sórdido silêncio de um Estado que busca ser laico, mas não se incomoda de ser visto como vadio. Ser vadio ou vadia, parece ser uma excludente de ilicitude ou de punibilidade, enquanto ser religioso um tipo penal de um Estado cujas prioridades de Justiça prestigiam, além dos interesses “vadios”, os de ricos e de repercussão midiática.