O livro dos Salmos cobre um período de cerca de mais de quinhentos anos e tem como autores desde Moisés (90), Davi (maior parte dos livros I e II) e Salomão (72, 127), bem como os Filhos de Corá (42, 44-49, 84, 85, 87, 88), Asafe (50, 73-83), Etã (89), entre outros salmos sem autoria explícita. Provavelmente Esdras, no período pós-exílico, foi o organizador final do Saltério, que teve uma primeira organização apenas com os livros I e II, como podemos perceber no Salmo 72.20, um salmo de Salomão: “Findam as orações de Davi, filho de Jessé”. Há Salmos de Davi até o último livro. Isto certamente aponta para uma coleção prévia que já havia dos salmos de Davi, indicando um arranjo já anterior, que se fazia. Mas não foi o arranjo final. Desta maneira, Esdras organizou o Saltério em cinco livros, não de forma cronológica, mas lógica, seguindo a história da redenção em Israel. Esdras serviu como escriba do rei. Como sacerdote. Restauração do templo e culto. Em Esdras 7.6,10 vemos que ele conhecia a Lei de Moises muito bem. Se dedicou ao estudo, observação e ao ensino dos decretos das leis de Israel. Ele primeiro buscava cumprir a lei do Senhor e então ensinava ao povo os estatutos e juízos do Senhor. De modo que Esdras tinha totais condições de arranjar os Salmos em uma unidade.
Os livros I e II começam com Davi lutando por um reino de justiça e paz, passando por uma destruição e exílio deste reino, para finalmente conseguir um reino messiânico com a restauração final daquele reino. Os últimos livros envolvem Salmos do exílio e retorno do exílio e contém Salmos de Davi.
Temos então:
Livro 1 – 1-41 (41 salmos)
Livro 2 – 42-72 (31 salmos) – findam as orações de Davi – 1000-940 a.C.
Livro 3- 73-89 (17 salmos)
Livro 4 – 90-106 (17 salmos)
Livro 5 – 107-150 (44 salmos)
No Livro I (salmos 1 a 41), segundo Palmer Robertson, a ênfase predominante do livro é uma constante confrontação entre o Rei Messiânico (Davi) e seus inimigos enquanto ele visa estabelecer o reinado messiânico.[1]Davi lutou contra inimigos para estabelecer um reino de justiça e paz. Os salmos ensinam Israel a proclamar isso em suas orações. Quem são esses inimigos? A luta de Davi para estabelecer um reino de justiça e paz contra pessoas que estão querendo impedir isso. Por que Davi? Não teria como escrever da perspectiva real sem ter o rei e o reino estabelecidos. Dos quarenta e um salmos do primeiro livro, trinta referem-se a lutas contra inimigos. Os onze restantes têm inimigos de forma implícita. Em cinco deles destaca-se a morte como último inimigo. Por que temos tantos inimigos? Vemos isso desde Gênesis 3.15 quando o Senhor diz que poria inimizade entre a descendência da mulher e da serpente. Ainda hoje enfrentamos inimigos.
Ainda no livro 1, temos cinco salmos acrósticos divididos estrategicamente ao longo do livro (9,10, 25, 34, 37), deixando pequenas unidades facilitando para a memorização.[2]
O segundo livro do Saltério (salmos 42 a 72) testemunha uma progressão da luta pessoal de Davi para estabelecer o reino messiânico para a luta do povo de Elohim e seus inimigos nacionais. Robertson afirma que apesar da disputa ainda continuar, o esforço do segundo livro é em comunicar a mensagem de esperança para os inimigos.[3]Os inimigos continuam lá, mas há uma atitude diferente.
Desta maneira, a ênfase não é mais na confrontação com os inimigos, mas sim uma comunicação. Há um grande contraste entre o livro 1 e 2. Dois principais: 1) uso do nome de Deus (no livro 1 – YHWH – 85% – 278 vezes). A Ênfase do nome de Deus no Livro 1 é o Senhor da Aliança (YHWH). No livro 2, YHWH aparece apenas 32 vezes, enquanto Elohim aparece 197 vezes, em 86%. YHWH é o nome pactual de Deus em relação à Israel, enquanto Elohim é o nome de Deus de forma geral. Assim temos o segundo livro se comunicando com as nações. Podemos perceber essa distinção entre o Salmo 14 e 53, que podem ser comparados pois são praticamente idênticos, com distinções em relação ao nome de Deus.
Há então uma mudança de atitude em relação ao inimigo e aos estrangeiros. No livro 1 há uma visão de eles e nós, sendo vistos como adversários. Nas orações de Davi no livro 1, temos: Salmo 3.7: feres nos queixos os inimigos, Salmo 5.10: rejeita-os, Salmo 9.20: infunde-lhes medo, Salmo 10.16: somem-se as nações, Salmo 35.1: contende com os inimigos. Quase não há um pedido de bênçãos para as nações. Entretanto, no livro 2, a atitude em relação às nações muda. Chamam as nações para serem abençoadas também. É como se dissessem: “Venham adorar conosco. Deus é o rei das nações”. No livro 2 então temos: Salmo 47.1: batam palmas todos os povos, celebrai a Deus. Salmo 49.1: ouçam povos. Salmo 57.9,10: cantarte-ei entre as nações, a glória de Deus está sobre toda a terra. Salmo 65.5: Elohim é tremendo, esperança de todos confins da terra.
Ainda temos Davi falando dos inimigos, mas chamando-os para louvarem ao Senhor. No Salmo 68.28-30: no final os príncipes vem do Egito e da Etiópia e estendem as mãos cheias para Deus. Salmo 67: há uma das substituições mais claras de YHWH para Elohim. Na Benção sacerdotal, em Números 6.22-27, temos YHWH abençoando o seu povo e colocando o seu nome sobre os filhos de Israel. No Salmo 67, temos a bênção sacerdotal, agora não mais com YHWH, mas com Elohim. Seja Elohim gracioso para conosco e nos abençoe e faça resplandecer o seu rosto. O salmista substitui o nome YHWH e colocar Elohim com o objetivo de que se conheça na terra o seu caminho e sua salvação entre as nações. Para que as nações sejam também abençoadas. Temos então a consumação com o salmo 72, depois que Davi luta pelo estabelecimento do reino messiânico, termina com o reino de Salomão. A universalidade do messias. O Salmo 72.8 diz: domine de mar em mar até os confins da terra. Permanecerá enquanto existir o sol e a lua. É o clímax dos livros 1 e 2.
A temática do livro III (salmos 73 a 89), ainda segundo Robertson, é a devastação.[4]Nesses dezessete salmos temos vários Salmos quando Israel foi conquistado pelos Assírios e quando Judá foi destruída pelos Babilônios. A nação inteira juntamente com os adoradores enfrentaram a devastação feita pelas nações estrangeiras. Esse livro retrata entre 200-250 anos depois de Davi. Não encontramos nenhum Salmo de devastação nos livros I e II ou mesmo nos livros IV e V. Temos o Salmo 74.1-8, que diz que deitaram fogo no teu santuário. Levantam ali seus próprios símbolos. Entram com machados destruindo tudo no santuário e queimam tudo. Profanaram os lugares santos. Um relato da devastação da Babilônia sobre o Templo. Já o Salmo 79 fala também da destruição da cidade. Profanaram o templo. Reduziram Jerusalém a ruínas. Mataram as pessoas que foram comidas por aves (quando animais comiam quem não foi sepultado era um símbolo de maldição). O Salmo 80, mostra a devastação de Samaria. Retrata o reino do norte em 722 a.C. No título acrescentado na septuaginta diz: com respeito aos assírios. Já Salmo 89 começa em um tom mais esperançoso. Fala da fidelidade do Senhor. Sua aliança com Davi, mas encerra no vs. 39: “Aborreceste a aliança com teu servo e profanaste a coroa lançando-a para a terra”. Assim termina o livro 3, devastação de Israel. Não há rei, não há templo. Não há mais sacerdotes nem sacrifícios. Nem há terra. Devastação.
Assim inicia-se o Livro IV (Salmo 90 a 106). Robertson afirma que a ênfase aqui é de maturação do povo de Deus.[5]O refrão: YHWH malakdá o tom do livro. O centro desse livro é YHWH malach – o Senhor é rei. Sl 93, 96, 97, 99. Não há rei em Israel, mas YHWH reina. O Salmo 90 inicia esse livro, um Salmo de Moises. Ele diz: “Senhor tu tens sido nosso refúgio de geração em geração”. Esse salmo é uma resposta ao período de devastação. Não tinham templo, nem sacerdotes, sacrifícios, nem rei, nem a terra. Eles estão na Babilônia. Porém descobriram que Deus é o seu refúgio de geração em geração. Antes que os montes nascessem, de eternidade em eternidade tu és Deus. Daniel descobriu, na Babilônia, que Israel foi derrotado mas Deus não foi derrotado. O Deus dele era maior que o deus da babilônia. Ele é Senhor tanto na Babilônia quanto em Israel. Na experiência do exílio, o povo amadurece. Eles estão libertos da escravidão de pensar somente no Templo. Não são os templos. Deus é a habitação de Israel. O exílio amadurece a fé do povo. Eles estão entendendo que Deus está acima de tudo. Deus é Deus na Babilônia também. No final da profecia de Habacuque, que se abateu muito com a chegada da destruição, e que estava com o punho fechado, no final, ele resolve o conflito: “ainda que tire tudo de nós, vacas, vinhos, comida, e não tenhamos nada, ainda assim nos alegraremos no Senhor, nosso salvador”.
Em 1 Cr 16.31 temos: YHWH Malach – o Senhor reina. O Salmo 96.1-13 é tirado de 1 Cr 16.23-33. Este salmo está estrategicamente no meio do livro IV. Há outra frase crítica que aparece: “acima de todos deuses” em 1 Cr 16.25. Eles recitam isso na Babilônia. Deus está acima de todos deuses. E isso é repetido no Salmo 95.3, e no salmo 97.9.
Por fim, temos o Livro V (Salmo 107 a 150), a celebração da vitória. Robertson afirma que a ênfase está na consumação do Reino de Deus.[6]Agora temos um contexto mais amplo de Israel voltando do Exílio. Entre os anos 530-520 a.C. Nesse livro temos os Salmos de ascensão, que não existem nos livros I a IV. Eles ascendem no livro V. Uma subida para Jerusalém. Geograficamente, para ir a Jerusalém é necessário subir. Ou subindo do exílio voltando para a terra. Temos catorze Salmos de ascensão. O livro IV termina com um pedido a Deus. Salmo 106.49: congrega-nos diante das nações. Um clamor do povo do exílio pedindo que Deus os leve de volta para Jerusalém. No Livro V temos a resposta para esse clamor. Salmo 107: Rendei graças ao Senhor, digam os redimidos do Senhor, o Senhor congregou-lhe entre as terras. A oração foi respondida, Deus congregou o seu povo novamente. A frase chave do livro V é Hallelu Ya (Louvai ao Senhor).
Há cinco clímax no livro 5. Primeiro Clímax: temos um agrupamento de salmos messiânicos e de Torah. Salmo 118 (messiânico) e 119 (Torah) – lei e evangelho. No livro 1: Salmo 18 e 19 (messias e lei) – bem no meio do livro 1 de 41 capítulos. Porque no livro 5 há grande ênfase na lei? Temos o Salmo 119. Eles já voltaram para sua terra. Eles não têm o templo e nem os sacrifícios. Eles substituem o templo pela lei. Substituem o sacrifício pelo estudo da lei. É uma transição natural. Não há mais a adoração no templo. Então eles se comprometem e se envolvem no estudo da Torah.
Segundo Clímax: Salmos Messiânicos – Salmo 110, 118. Dos 150 salmos há três que são mais citados que qualquer outro nas Escrituras. Temos o Salmo 2, que é uma introdução para todos os salmos – livro I. E outros dois salmos: 110, 118 que estão presentes no livro V. No Salmo 110, Davi escreve: “Disse YHWH para Adonai”. Ele diz que Adonai que está acima dele, com quem YHWH está falando. Quem é Adonai? É o Messias. O Messias não é filho de Davi, o Messias é o Senhor de Davi. Está acima de Davi. De quem o Messias é filho? Não de Davi. Salmo 110.4 afirma: “O Senhor jurou tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque”. O Senhor de Davi, que está assentado à direita de Deus, é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. Israel não podia ter um rei que fosse também sacerdote. Uzias era rei, e quando quis sacrificar, tornou-se leproso (na testa, sem poder esconder). Os ofícios deviam ser separados. Entretanto, no Salmo 110, Davi afirma que o Messias é tanto rei como sacerdote. Temos um clímax messiânico. O Salmo 118 é o salmo mais citado de todos, que diz que a pedra que foi rejeitada se tornou a pedra principal, a pedra angular. Novamente outro clímax messiânico.
O Terceiro Clímax: Salmos Acrósticos: Salmo 111, 112 – 22 letras do alfabeto hebraico. Os Salmos 110, 111 e 112 têm a mesma quantidade de versículos. São salmos curtos. A sua frase chave é: “a sua misericórdia dura para sempre”. O salmo 111 fala sobre “sua justiça dura para sempre”. No Salmo 112.3: “sua justiça permanece para sempre”. Temos também o Salmo 119, que é um acróstico de oito versos iniciando com cada letra do alfabeto hebraico totalizando um total de 176 versículos falando sobre o amor pela Lei do Senhor. Temos os Salmos de Davi no Livro V: 138-145. O Salmo 145, último salmo de Davi no Saltério é um acróstico. Encorajando as pessoas a memorizarem a palavra do Senhor. Este é um dos salmos mais queridos de Davi para Israel.
No Quarto Clímax temos uma espécie de pirâmide poética. É um agrupamento de salmos que tem um tema semelhante, unificador. E o salmo central é o principal. E com números iguais de salmos de cada lado. Temos o primeiro Hallel, chamado de Hallel egípcio, Salmos 111-117. A referência a “egípcio” seria em razão da primeira páscoa. Esses salmos eram cantados do começo ao fim da Páscoa. O Salmo Central é 114, que fala sobre as maravilhas do Êxodo. Temos os Salmos 120-136, chamados de Grande Hallel, sendo que dos Salmos 120 a 134 temos os cânticos de romagem, ou salmos de ascensão, que eram cantados na peregrinação à Jerusalém. O Salmo Central é 127 (Salomônico) que reflete a experiência de Salomão na casa do Senhor. Aqui temos sete salmos de cada lado. Todos salmos de ascensão. Dois salmos de Davi de cada lado. Cinco salmos de cada lado sem autoria indicada. Do primeiro lado temos YHWH, 24 vezes. Do segundo lado temos YHWH, 24 vezes. Totalmente simétrico. Eles estão subindo para o templo e anseiam a bênção Araônica: YHWH te abençoe. Então sacerdote fala 48 vezes o nome de YHWH.
Por fim, temos o Quinto Clímax: os Salmos de Hallelu Ya. São Salmos que começam e terminam com Aleluia: Salmos 111-117, Salmo 135 e Salmos 146-150. Hallelu Ya só ocorre no livro dos Salmos. E só acontece no final do livro 4 pela primeira vez. Os últimos três salmos do quarto livro são as primeiras vezes que acontecem as palavras Hallelu Ya. Começa e termina com Hallelu Ya. Por fim os Salmos 146-150 – todos começam e terminam com Hallelu Ya (tradução as vezes: Louvem o Senhor). Frase muito apropriada para o quinto livro: Louvai a YHWH.
Aleluia no NT aparece apenas no final do livro de Apocalipse (Cap. 19). Depois que todos os inimigos foram derrotados. Numerosa multidão diz: Hallelu Ya. Todos diziam Hallelu Ya. (vs 3-6). Aqui, no Livro V, depois que o povo foi liberto dos seus inimigos, e novamente congregado, eles são chamados a louvar o Senhor.
[1]ROBERTSON, O. Palmer. The Flow of Psalms: Discovering Their Structure and Teology. Phillipsburg: P & R Publishing, 2015, p. 53.
[2]ROBERTSON, O. Palmer. The Flow of Psalms:Discovering Their Structure and Teology. Phillipsburg: P & R Publishing, 2015, p. 81.
[3]ROBERTSON, O. Palmer. The Flow of Psalms:Discovering Their Structure and Teology. Phillipsburg: P & R Publishing, 2015, p. 107.
[4]ROBERTSON, O. Palmer. The Flow of Psalms:Discovering Their Structure and Teology. Phillipsburg: P & R Publishing, 2015, p. 122.
[5]ROBERTSON, O. Palmer. The Flow of Psalms:Discovering Their Structure and Teology. Phillipsburg: P & R Publishing, 2015, p. 147s.
[6]ROBERTSON, O. Palmer. The Flow of Psalms:Discovering Their Structure and Teology. Phillipsburg: P & R Publishing, 2015, p. 184.