A seguir disponibilizamos nossa recente entrevista ao periódico Conhecendo Crenças, de São Paulo (SP), sobre aspectos da igreja evangélica, suas crenças e presença no Brasil. A entrevista é parte da matéria de capa que irá às bancas na primeira quinzena de dezembro. Boa leitura!
Conhecendo Crenças. Quando a igreja evangélica chegou ao Brasil?
Johnny Bernardo. Com relação ao Brasil, houve duas experiências evangélicas no período colonial: a primeira, de 1555 a 1560, com a chamada “França Antártica”. Neste período, calvinistas desenvolveram trabalhos evangelísticos entre indígenas de Guanabara, sendo o primeiro culto realizado em terras brasileiras em 10 de março de 1557, no idioma francês; a segunda experiência ocorre entre os anos de 1630 e 1654, quando a Igreja Reformada Holandesa estabelece 22 congregações em Pernambuco, por meio de 50 pastores. Com a expulsão dos holandeses, o Catolicismo Romano volta a predominar na Região. É a partir de 1810, ano em que é assinado o Tratado de Comércio e Navegação entre Portugal e Inglaterra, que o Protestantismo histórico recebe autorização para atuar no Brasil. No ano seguinte é instalada, no Rio de Janeiro, a primeira igreja protestante, de confissão anglicana. Atendia os súditos ingleses que antes se reuniam em residências e navios britânicos ancorados. A Constituição de 1824 daria, de fato, liberdade de culto aos protestantes, embora com algumas restrições, como a que proibia a construção de igrejas com aparência externa de local de culto e a não evangelização e conversão de fieis católicos.
Qual o termo correto para se usar: evangélicos ou protestantes?
O termo “protestante” surge com a Dieta de Speyer (1529) quando líderes luteranos manifestam oposição ao Édito de Worns – édito este que proibia o ensino do Luteranismo em territórios do Sacro Império Romano-Germânico. Quanto ao termo “evangélico”, passa a ser utilizado para designar o grupo de crentes que têm como base doutrinária, de confissão de fé, os Evangelhos, os ensinos de Cristo e dos apóstolos. Ambos os termos têm origem externa, e não se desenvolvem a partir de declarações ou imposições de lideranças pastorais. São formas de identificação, nomenclaturas utilizadas para identificar um grupo religioso específico. Dessa forma, ambos são corretamente utilizados como forma de identificação. Não há preferência por termos.
Qual a diferença entre as igrejas evangélicas?
No universo evangélico as diferenças se dão entre protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. As diferenças ocorrem no campo litúrgico, na organização ministerial, na forma como cada denominação alcança novos membros ou fieis. Há pequenas diferenças doutrinárias, por exemplo, entre presbiterianos e pentecostais de Primeira Geração, como a crença presbiteriana na doutrina da Predestinação. Segundo a doutrina da Predestinação, Deus já escolheu quem será salvo; não depende da escolha humana, mas de um ato único de Deus, expresso por sua graça salvadora. Por outro lado, os pentecostais acreditam que, apesar de a salvação ser um dom de Deus, originária nEle, o homem também tem sua parte na salvação.
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Por que existe mais de uma igreja evangélica?
A mesma pergunta deveria ser feita com relação ao Catolicismo Romano: por que há mais de uma denominação católica? Sabe-se que, apesar de a Igreja Católica afirmar ser “una”, ela possui diversas ramificações em todo o mundo – no Brasil há setenta denominações católicas independentes. Como no Catolicismo, o movimento evangélico está dividido em inúmeras denominações, ministérios, por inúmeros motivos, como doutrinários, de costumes, de divergência administrativa ou mesmo por “visões” de pastores. Há ainda que se acrescentar aspectos regionais, de formação acadêmica, social, de localização cultural. As diferenças sociais, de classe, de tradição, também são reproduzidas na fundação de novas denominações.
Qual o país que tem o maior número de evangélicos?
Estatisticamente, os EUA é a maior nação evangélica do mundo. No entanto, há de se considerar o fato de que o nominalismo evangélico e o crescente aumento de igrejas e movimentos evangélicos alternativos são elementos que indicam uma possível crise de identidade no movimento evangélico norte-americano. No Brasil há algo semelhante em desenvolvimento, mas a tendência é de que as igrejas evangélicas brasileiras deverão superar os EUA em número de membros. Há outras curiosidades, como a grande presença evangélica na Nigéria – país da África do Norte que sofre forte influência de grupos islâmicos – e a China, país comunista.
Então você concorda que a igreja evangélica é a que mais cresce no Brasil?
Sim, é um fato nítido para a maioria dos pesquisadores da religião, e podemos ir um pouco mais além: o Brasil não é mais o maior país católico do mundo, pelo menos não em número de praticantes. A declaração do cardeal Dom Geraldo Majella, ao G1, de que “aqueles que aparentemente mudaram, nunca pertenceram (à Igreja Católica)” e que “não se perde o que não tem”, reflete uma realidade cada vez mais perceptível dentro e fora da Igreja. Por ocasião do 50º Assembleia Geral da Conferência Nacional de Bispos do Brasil, realizada entre os dias 18 a 26 de abril de 2012, o padre jesuíta Thierry de Guertechin, apresentou, com base em dados coletados pela Fundação Getúlio Vargas e das Pesquisas de Orçamentos Familiares do IBGE, um quadro preocupante para os católicos. Segundo o jesuíta, apenas 5%, ou cerca de sete milhões de brasileiros vão à missa e recebem os sacramentos, de um universo de 123,3 milhões de fieis.
Por que a religião evangélica é a que mais cresce no Brasil?
Há inúmeros motivos que poderíamos apontar como razões do crescimento da igreja evangélica brasileira, mas a principal é a de que a aproximação com os pobres, nas periferias, principalmente pelas igrejas pentecostais, facilita aos evangélicos se relacionarem com a camada mais sofrida da sociedade. Ao mesmo tempo, a presença cada vez maior de igrejas históricas, pentecostais e neopentecostais na grande mídia também facilita às comunidades locais, regionais, alcançarem de forma mais dinâmica os ouvintes. A estagnação católica, a ausência de uma liturgia participativa, são uma das razões da evasão em massa de fieis para igrejas evangélicas ou outras confissões religiosas, como as de origem norte-americana e orientais.
Existe alguma pregação para a igreja evangélica atrair os jovens?
Sim, mas de forma diferenciada entre protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. Há uma orientação pentecostal de alcance de jovens, e outra de igrejas neopentecostais, como a Bola de Neve, Sara Nossa Terra e Renascer em Cristo. Enquanto nas igrejas pentecostais há mensagens e cultos esporádicos dedicados aos jovens, nas neopentecostais a própria liturgia e mensagem têm como público alvo a juventude.
Como é o processo de formação dos pastores?
O processo de formação de pastores varia de denominação para denominação. No entanto, no geral, são observados alguns critérios, como o tempo de conversão, histórico de atividades ligadas ao ministério, formação teológica compatível com a regra de fé adotada. Escolhido, o candidato é indicado ao corpo ministerial para análise e possível aprovação. Aclamado por unanimidade, e não havendo impedimento de qualquer natureza, o candidato a pastor é então consagrado e reconhecido publicamente. Há outros processos a serem observados, como o reconhecimento da convenção à qual a sua denominação é filiada. Ou seja, em denominações ligadas por convenção – como ocorre com as Assembleias de Deus e O Brasil para Cristo -, o candidato ao ministério pastoral também tem de ser reconhecido pela convenção, o que lhe vale reconhecimento nacional.
Qual a crença defendida pelos evangélicos?
Se há algo que aproxima protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais é a confissão de fé baseada nos credos apostólicos, embora com algumas relutâncias com referência a expressões como “da virgem Maria” (Credo dos Apóstolos, artigo 3) e “na santa igreja” (artigo 10 da mesma confissão). No mais, os cristãos protestantes manifestam sua fé na existência de “um só Deus, Pai onipotente, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus, gerado pelo Pai, unigênito, isto é, sendo da mesma substância do Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, gerado, não feito, de uma só substância com o Pai, pelo o qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra; o qual, por nós homens e por nossa salvação, desceu, encarnou-se e se fez homem. Sofreu, ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, e novamente virá para julgar os vivos e os mortos (…) no Espírito Santo” (Credo de Niceia). Obviamente que há algumas diferenças no que se refere à Soteriologia (Doutrina da Salvação), como exposto anteriormente – sobre a doutrina da Predestinação e Livre-arbítrio.