Como identificar um extremista religioso? Embora não exista um manual, um movimento unificado, o extremismo religioso pode ser identificado em diversos grupos (e lideres) espalhados pelos cinco continentes. Na lista de movimentos destrutivos encontramos denominações como o Templo dos Povos, o Ramo Davidiano, o Portal do Paraíso (Heaven’s Gate), a Ordem do Templo Solar, Os Meninos de Deus (atualmente A Família Internacional) etc. Mas o que há em comum entre estes grupos “religiosos”? Primeiro: eles se desenvolvem a partir dos EUA e da Europa onde o extremismo racial e partidário (ideológico) há séculos promove destruição e morte. Segundo: surge a partir de lideres com profunda capacidade de persuasão, influência, magnetismo, liderança.
Ao mesmo tempo, como explicar o fato de que os chamados “movimentos destrutivos” se desenvolvem a partir de países cristãos? Diferente da Europa, os EUA são uma base e sustentáculo do cristianismo em suas diversas manifestações. Por outro lado, apesar de a Europa aos poucos tornar-se um continente secular, ateu, ainda possui grandes centros de difusão religiosa, como os países ibéricos, o leste europeu, e mesmo o Reino Unido. Dadas às condições religiosas das duas regiões do hemisfério norte, seria prematuro afirmar que o cristianismo é o responsável pelo surgimento de movimentos e grupos extremistas que ultrapassam os limites da Religião e atuam a partir da Política. A análise correta é a de que os grupos que passam à História como “destrutivos” são o resultado de uma fé não resolvida, demasiadamente espiritualizada, que entende as pessoas (e o mundo) como “portadores do mal”, como “inimigos” de sua interpretação ultrapassada da lei.
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Dessa forma, não é o cristianismo – como também poderíamos dizer do islamismo e de outras religiões mundiais – o “mal” ou o “impulsionador do mal”; são, por outro lado, os extremismos que brotam a partir de ex-membros ou seguidores fanáticos que interpretam a Bíblia e outros livros “sagrados” a sua maneira, mesclada a elementos ideológicos, de nacionalismo e conservadorismo exacerbados, que acabam por constituir dogmas e patrulhas sectárias declaramente destrutivas. Quando a religião passa a entender o Outro como inimigo, como adversário, como oponente, mais cedo ou mais tarde acaba por desenvolver uma postura exclusivista, extremada, opositora. Foi justamente tal postura centralizadora que Cristo combateu ao denunciar os fariseus. Descendentes dos hassidim (“os piedosos”) do século II a.C. os fariseus formavam um partido religioso puritano, conservador, que possuíam forte influência política e social. De sua prática da lei, tornou-se um movimento legalista, que menospreza os demais judeus, à semelhança do que faziam os essênios.
Da referência histórica entendemos o funcionamento de um movimento destrutivo, que é o de oposição ao progresso, ao entendimento do próximo, das necessidades da sociedade. Um extremista religioso não é, necessariamente, um homicida, um terrorista no sentido literal do termo; há vários níveis de destrutivismo, que inclui o legalismo religioso, o conservadorismo exacerbado, o eucentrismo, a oposição a toda e qualquer política social, de amparo ao pobre e ao espoliado pelo sistema econômico. No Brasil e também nos EUA ativistas religiosos desenvolvem uma verdadeira guerra ao que eles consideram como “políticas de esquerda”, “comunistas”, “progressistas”. Não são, novamente, as várias ramificações do cristianismo que se vêem envolvidas nas trincheiras, mas grupos formados por extremistas que possuem uma verdadeira ojeriza ao “evangelho horizontal”. São extremistas da mesma da linha dos fariseus, da época de Cristo. Enquanto o Messias pregava o amparo ao oprimido, ao pecador, à adúltera, os extremistas fariseus deflagravam uma guerra de ideais e de confrontos baseados na lei de Moisés. São eles que, ao não suportarem a resposta de Cristo (no caso da mulher adúltera, João 8.1-11), saíram um a um, a começar pelos mais velhos.
O extremismo religioso é destrutivo pelo o fato de que não consegue dialogar com o Outro, com o Próximo. Na defesa de suas posturas conservadoras (o que em si não é um problema), chama de “utopia” a luta por igualdade social, justiça, trabalho, saúde, emancipação da mulher, sustentabilidade. A “utopia”, na verdade, está em acreditar que o evangelho é simplesmente (e unicamente) “vertical” e não “horizontal”. São os monges medievais, os ascetas puritanos, que verticalizam sua fé ao se isolarem dentro de mosteiros enquanto a humanidade sofre de dor e de fome. São dois os maiores mandamentos, segundo Cristo, que dimensionam a fé cristã. Jesus, de forma progressista – em relação aos legalistas fariseus – estende ao próximo nossa dedicação e atenção. Amar ao próximo como a nós mesmos não significa apenas compartilhar a nossa fé, mas também o pão, a roupa, a disposição de ajudá-lo pelo caminho. O legalista fariseu, por outro lado, fecha-se dentro de mosteiros enquanto a humanidade afunda em dor, ódio e exploração.
Finalmente, podemos concluir que o extremismo religioso é um movimento isolado, distante do verdadeiro cristianismo, que não é destrutivo, mas compreensivo. Também se deve destacar que o extremismo religioso é um movimento alienado, de peças desconexas que não falam pela maioria, que orbitam em torno do conservadorismo exacerbado. Não possui a capacidade de compreender, de analisar, de dialogar, de caminhar ao lado do próximo. O caminho correto – e não só na religião, mas também na política e na sociedade de uma forma geral – é o “caminho do meio”, do “colocar na balança os aspectos positivos de experiências históricas”. Na política o capitalismo e o socialismo se mostram estagnados, descontextualizados, apesar de possuírem aspectos positivos inegáveis. Ninguém é capaz de afirmar que os benefícios oriundos do desenvolvimento tecnológico, do capital, da vida em rede, da democracia, como também não é capaz de afirmar que a igualdade de direitos, que o acesso às politicas públicas – como saúde e educação –, e à sustentabilidade são erros.
A grande revolução – e já houve tantas na História – será a do capitalismo inclusivo, do tornar mais humano o acesso aos bens produzidos pela sociedade. Neste campo a religião pode e deve contribuir de forma decisiva, com incentivo às políticas públicas, de valorização das camadas mais sofridas da sociedade, no incentivo ao estudo e a preservação da fauna e da flora, no crescimento sustentável da humanidade. Neste nível de compreensão não há mais políticas à esquerda ou à direita, mas ao centro, ao “caminho do meio”, da “compreensão” do “valorizar” dos benefícios alcançados. A religião já dá sinais de compreensão da iniciativa inclusiva, ao protelar pela sustentabilidade, pela proteção da “criação de Deus”, a exemplo do que o Protestantismo Histórico vem desenvolvendo no Brasil e outros países latinos. O extremismo religioso continuará a existir, mas terá sua existência descontextualizada do progresso da humanidade, da democracia.
As alternativas estão postas, inseridas no debate público. A democracia e a humanidade sobreviverão ao terror, ao patrulhamento desconexo, ao extremismo religioso destrutivo.