Publicado em 03 de junho de 2016, pelo Comitê sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, o documento “Observações conclusivas sobre o quinto relatório periódico do Reino Unido e da Irlanda do Norte”, tem suscitado uma série de análises e críticas por parte de lideranças cristãs ao redor do mundo. No Brasil, a ANAJURE (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) e o Movimento Consciência Cristã se manifestaram contra o relatório. A crítica decorre não da totalidade do documento, mas dos artigos 34 e 35, em que a comissão especial da ONU faz um alerta sobre a obrigatoriedade de que alunos do ensino secundário do Reino Unido participem de cultos dentro do ambiente escolar. A seguir veremos a íntegra dos artigos 34 e 35 do relatório do comitê.
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34. O Comitê está preocupado que os alunos são obrigados por lei a participar de uma cerimônia religiosa diária, que é “total ou principalmente de um caráter amplamente cristão” nas escolas com financiamento público na Inglaterra e no País de Gales, e que as crianças não têm o direito de retirar-se de tal adoração sem autorização dos pais antes de entrar no último ciclo do ensino secundário. Na Irlanda do Norte e Escócia, as crianças não têm direito de se retirar da adoração coletiva sem a permissão dos pais.
35. O Comitê recomenda que o Estado revogue as disposições legais para a frequência obrigatória nos cultos coletivos nas escolas com financiamento público e garanta que as crianças possam exercer autonomamente o direito de retirar-se do culto religioso na escola.
Diferente do que algumas organizações evangélicas pensam o relatório não tem como objetivo “proibir que crianças frequentem cultos”. Na notícia “ONU diz que levar crianças a cultos viola Direitos Humanos”, a VINACC faz uma leitura superficial e descontextualizada dos artigos 34 e 35 do relatório. A ANAJURE, por sua vez, reconhece que o referido documento restringe-se a participação de crianças em reuniões cristãs em escolas publicas do Reino Unido, embora acabe por rechaçar o documento. Ao mesmo tempo, a ANAJURE chama a atenção para outras disposições da ONU em que reconhece o direito de pais em matricular seus filhos em escolas que disponham de educação e cerimônias religiosas. O problema, no entanto, é que o comitê da ONU não tem como base a rede particular de ensino – em que há liberdade pedagógica -, mas sim com base em fatos que ocorrem em escolas públicas.
Não obstante o fato de que o cristianismo – o que inclui o catolicismo e as várias vertentes protestantes – ter maior predominância no Reino Unido, a promulgação de leis que obrigam alunos do ensino secundário a participar de cerimônias religiosas viola sim os Direitos Humanos no sentido em que tira do aluno sua capacidade opinativa, de livre expressão religiosa e intelectual. Embora a Inglaterra tenha uma religião principal – a Igreja da Inglaterra – e a Escócia siga o presbiterianismo, outros países, como a Irlanda do Norte e o País de Gales são aconfessionais, ou seja, laicos. Além do mais, o fato de que os referidos países investem dinheiro público no sistema educacional, impossibilita que escolas realizem cerimônias com viés unicamente protestante, principalmente quando temos a informação de que a diversidade religiosa também é uma característica presente nestes países. Na Irlanda do Norte 11% da população é muçulmana – no Reino Unido há mais de três milhões de seguidores do islamismo, ou seja, 4% da população. Na Europa, são 40 milhões.
Além do islamismo, outras religiões como o sikismo, o budismo e o judaísmo também têm representação no Reino Unido, e isso sem falar do crescente número de pessoas que se declaram sem religião. Não é dever de o Estado impor à população a religião que deve seguir, e é um flagrante desrespeito a promulgação de leis que obriguem que adolescentes frequentem cultos dentro do ambiente escolar. Vale dizer que o relatório abrange alunos do ensino secundário, e não primário. Na Irlanda do Norte, o ensino secundário abrange alunos entre 12 e 16 anos, e na Escócia entre 11 e 17 anos; são pré e adolescentes com grande capacidade cognitiva, embora em estágio de formação. Portanto, o Comitê da ONU não recomenda que os países envolvidos proibam que crianças e adolescentes frequentem suas denominações religiosas, mas que o Estado “revogue as disposições legais para a frequência obrigatória nos cultos coletivos nas escolas”.
O mesmo vale para países de maioria católica, e que em seu âmbito tem certo percentual de evangélicos. Não é, por exemplo, pelo o fato de que a Espanha seja predominantemente católica, que escolas públicas tenham o direito de realizar missas e obrigar que evangélicos participem das celebrações. Igualmente poderíamos dizer de evangélicos que residem no Japão e sejam obrigados, por lei, a participar de cultos xintoístas ou budistas. Certamente haveria inúmeras manifestações internacionais contrárias, e a própria ONU se manifestaria contrariamente a obrigatoriedade. O ideal é que o sistema público de ensino não realize qualquer tipo de cerimônia religiosa dentro do ambiente escolar, em respeito à diversidade religiosa e o direito de escolha dos alunos. Temos problemas maiores no mundo e que merecem redobrada atenção, como a proibição de que meninas frequentem escolas em países sob influência de grupos extremistas islâmicos, como o que acontece na Nigéria.