Atentados nas escolas dos Estados Unidos, como o massacre do Texas ocorrido no dia 24 passado na Escola Primária Robb em Uvalde, se tornaram tão frequentes nas últimas décadas que as autoridades locais passaram a implementar treinamentos de evacuação dos alunos e professores em situações desse tipo.
Medidas de urgência para defesa e reação são necessárias, mas o que tem sido feito para prevenir que episódios como esses se repitam? No artigo de hoje, o meu objetivo é alertar sobre o contexto psicossocial por trás dessas tragédias, a fim de ilustrar como algumas atitudes básicas podem fazer grande diferença.
Crimes em família
A título de exemplo, trataremos do massacre do Texas, o mais recente ocorrido nos EUA. Salvador Ramos, o jovem de 18 anos que assassinou 19 crianças e duas professoras, foi o único responsável pela tragédia que tirou a vida dessas pessoas inocentes.
Precisamos deixar claro que não importa o contexto de vida, por mais conturbado que seja, ninguém possui razões justificáveis para cometer crimes, ainda mais o tipo de crime que atenta contra a vida de inocentes.
Isso não significa, porém, que o contexto de vida em que uma determinada pessoa está submetida, não faça parte da sua formação de personalidade, decisões e, portanto, seu comportamento como um todo. Entender isso é fundamental para que possamos compreender a motivação de massacres como esse, do Texas.
No caso de Ramos, a mídia americana informou que quase todos os seus parentes possuem antecedentes criminais. A avó (também baleada por ele), Celia Sally Martinez Gonzales, foi acusada de contravenção em 1993.
A mãe, Adriana Martinez, passou cheque sem fundo em 2003, pegando condicional em 2005, e posteriormente foi acusada de agredir um membro da família anos depois. O pai, que leva o mesmo nome do filho, Salvador Ramos, resistiu à prisão em 2000 e, já em 2011, foi acusado de agressão com arma de fogo, chegando a ser condenado.
Ambiente doentio
Foi nesse ambiente familiar que o responsável pelo massacre do Texas nasceu e foi criado. Como se não bastasse os crimes em família, a mãe também foi apontada como usuária de drogas. O pai, por sua vez, não convivia com a família, tendo outro relacionamento, sem contado com o filho há anos.
Por causa das constantes brigas com a mãe, a ponto de precisar da intervenção policial em uma delas, Ramos passou a morar com os avós, onde dormia em um colchão no chão da casa. Quando criança, ele sofria deboches dos colegas da escola por gaguejar e ter a ‘língua presa’, segundo relatos de uma prima ao The Washington Post.
O pai, depois do massacre do Texas, alegou que a mãe, de fato, não cuidava do filho como deveria (poderia?), como se ela fosse a única responsável. Abandonado afetivamente pelos pais e vivendo em condições precárias, Ramos continuou sofrendo deboches durante a sua adolescência.
“Ele era fortemente atormentado, por muitas pessoas”, disse Stephen Garcia, um amigo do atirador. Há relatos de que Ramos costumava usar roupas estranhas e a pintar os olhos, o que também provocava maiores reações dos colegas contra a sua aparência.
Descrito como um sujeito introspectivo e de poucas palavras, ele evitava conversar.
O namorado da mãe assim falou sobre Ramos: “Foi estranho, nunca me dei bem com ele, nem convivi com ele. Quando você tentava falar com ele, ele ficava sentado lá e depois ia embora”.
O ‘monstro’
Com base no descrito acima, e isso não é tudo, temos uma noção do contexto de vida do ‘monstro’, como passou a ser chamado por muitos, Salvador Ramos.
Volto a repetir: nada disso justifica o massacre do Texas. Nenhum sofrimento, por mais terrível que seja, deve ser usado como desculpa para atentar contra a vida de pessoas inocentes.
Ramos foi o único responsável pelos crimes que cometeu, e se estivesse vivo deveria pagar por todos eles da forma mais rigorosa possível. Contudo, como pais e mães, profissionais de saúde mental e cristãos em geral, precisamos reconhecer o quanto a família pode ser determinante na criação dos ‘monstros’ da vida real.
Será que Ramos teria se tornado esse monstro, se tivesse tido o devido amor dos pais dentro de casa? O cuidado necessário, atenção e exemplo de vida, especialmente pela própria relação familiar entre os seus parentes?
Uma inclinação à determinada doença mental, muitas vezes só desencadeia o quadro psicopatológico, em si, quando potencializada por fatores externos.
É difícil saber, agora, se o atirador do Texas cometeria tamanha barbaridade apenas por causa de uma condição psicopatológica inata. O histórico familiar e o contexto de vida do criminoso sugerem que não; que a motivação, neste caso, foi o resultado de uma formação psicossocial que partiu de um ambiente adoecedor.
Assim, concluo dizendo que precisamos mais do que nunca dar a devida atenção à família. Não há nada mais importante do que o cuidado dentro de casa.
Que pais e mães saibam disso não em teoria, mas na prática, como agentes ativos no dia-a-dia dos filhos, construindo para eles um ambiente onde se sintam amados, protegidos e orientados, a fim de que não sejam, ao menos em parte, cúmplices na formação dos ‘monstros’ da vida real.