O texto abaixo é o material que eu, Marisa Lobo, tentei apresentar resumidamente durante a minha participação na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, esta semana, onde fui convidada para discutir sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, ou como é popularmente chamado, “casamento gay”.
Infelizmente, devido ao pouco tempo e principalmente à intolerância de algumas pessoas presentes, não pude falar com clareza, seguindo a linha de raciocínio que gostaria. Assim, coloco abaixo uma parte do material, a fim de que a população e, também, a comunidade LGBTQIA+ possa ler com calma e honestidade intelectual.
O meu desejo é que você seja capaz de compreender qual é o verdadeiro cerne da questão quando nós, cristãos e conservadores, nos colocamos contra a equiparação do casamento constitucional, entre homem e mulher, às uniões civis homossexuais.
Segue:
1 – Introdução
Primeiramente, preciso destacar que ao discutir sobre “casamento gay”, não me refiro ao que já existe como jurisprudência no Brasil, que é o reconhecimento da união estável e civil da relação entre pessoas do mesmo sexo, conforme determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e do Conselho Nacional de Justiça em 2013, respectivamente.
Precisamos deixar isso muito claro, porque tem sido divulgado nas mídias que o Projeto de Lei 5167/09, o qual debatemos nesta Comissão, tem por objetivo revogar essas determinações, quando, na realidade, o que se pretende é estabelecer limites cristalinos no tocante às diferenças entre os reconhecimentos constitucional/religioso do casamento entre o homem e a mulher, formando assim a entidade familiar, das uniões homossexuais na esfera civil.
No Artigo 226 da Constituição Federal, é dito que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, enquanto em seu inciso terceiro enfatiza que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Esta é a definição que adotamos quando nos referirmos ao casamento constitucional.
Dito isso, esclareço também que o nosso foco não é retirar os direitos daqueles que, dentre a população LGBTQIA+, estabelecem relacionamentos estáveis e procuram, perante a lei, garantias públicas para a sua proteção. O objetivo é, isto sim, fazer com que essas mesmas garantias não sejam usadas como ferramentas de imposição político-ideológica contra o segmento religioso, precisamente o conservador, e assegurar a concepção de casamento originalmente estabelecida na Constituição Federal.
Afirmo isso com base em fatos já ocorridos que irei narrar, bem como e, principalmente, no direito à liberdade de crença e culto reconhecidos pela legislação brasileira e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
2. Garantias à liberdade Religiosa
Uma vez que a nossa preocupação, aqui, é discutir limites quanto à legalidade da união homossexual, faz-se necessário apresentar um resumo do embasamento jurídico que nos garante à liberdade religiosa, opinião e expressão.
2.1 – No VI item do Art. 5° da Constituição Federal Brasileira, é determinado como um direito fundamental que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Sobre esse parágrafo, faço questão de ressaltar que no VIII também é dito que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Por que é importante atentarmos para esse complemento?
Porque o que temos observado no atual contexto social, é que líderes religiosos, em geral, estão sendo no mínimo intimidados por dizer o que pensam não só enquanto pastores, padres e outros, em suas igrejas, mas também como cidadãos. Isto é, fora dos templos e suas liturgias.
O respeito à “convicção filosófica ou política”, no entanto, é equiparado à liberdade de crença, o que significa que não precisamos fazer uso apenas do direito à liberdade religiosa para nos expressar e tomar decisões, mas também ao de consciência, já que as concepções filosóficas são entendidas, nos termos dessa lei, como tudo o que compõe a visão de mundo do ser humano, podendo ser a pessoa religiosa ou não.
Ainda em conformidade com a Constituição nacional, também é importante frisar o sentido do conceito de Estado laico estabelecido no inc. I do art. 19, onde é dito que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento…”.
Sobre isso, devemos entender que, assim como a Igreja não se confunde com o Estado, o Estado não se confunde com a Igreja, sendo este dispositivo constitucional uma garantia de proteção recíproca contra possíveis ingerências religiosas sobre a máquina pública, mas também da máquina pública sobre os entes religiosos.
Na prática, significa que o Estado jamais deverá utilizar a força da lei, quer explícita ou implicitamente por meio de interpretações alheias à legislação vigente, para querer impor as organizações religiosas o modo como devem interpretar, ensinar e realizar as suas crenças e liturgias, a exemplo do casamento cristão pautado pela Bíblia Sagrada.
2.2 – Quanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Artigo 18 é dito que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
Sobre essa garantia, ressalto que ela enfatiza não só a subjetividade do pensamento e consciência, mas também do “ensino”, da “prática”, do “culto” e dos “ritos”, entre os quais se encontra a cerimônia de casamento. Ou seja, em outros termos, não se trata de um direito que protege apenas a esfera individual, mas também a transmissibilidade da crença (pregação) e suas práticas (cerimônias).
2.3 – Tendo como inspiração as proposições universais, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), também define em seu Art. 1° que é compromisso dos Estados-membros “respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza…”.
Esse dispositivo é reforçado pelo Art. 12 da mesma Convenção subscrita pelo Brasil, onde é dito que “toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião”, ressaltando-se “a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado”.
Apesar das garantias que acabei de detalhar, no entanto, o reconhecimento da união homossexual por parte dos estados tem sido utilizado como instrumento de afronta à liberdade religiosa, não por parte daqueles que integram a comunidade LGBTQIA+, meramente, porque se identificaram com ela, mas por àqueles que atuam como ativistas radicais, cuja postura não respeita o contraditório, nem mesmo no âmbito das doutrinas religiosas, como a judaico-cristã.
Cito como exemplo os casos a seguir:
2.4 – Aqui mesmo no Brasil, em julho de 2022, duas jovens chamadas Bianca dos Santos Ventura, de 23 anos, e Isabella Santiago Pereira, 21, alegaram que teriam sido vítimas de “homofobia” por parte do pastor Omar Zaracho, que é celebrante de casamento, após terem um pedido de realização de cerimônia recusado pelo religioso.
O caso repercutiu nas mídias sociais e foi noticiado por diversos veículos de comunicação. Por causa dessa acusação, segundo o jornal Gazeta do Povo, o caso “mobilizou associações e grupos LGBT contra o pastor”.
Sobre este exemplo, não houve qualquer decisão judicial contra o pastor Zaracho, mas a mera acusação, legalmente infundada, lhe causou danos emocionais e perturbação da sua vida, afetando o sua rotina. Coloco abaixo um relato feito por ele na época:
“Começaram a entrar no perfil da minha empresa e xingar, insultar, incriminar, chamar de homofóbico. No início, quando eram cinco, seis, dez mensagens, eu fui apagando, porque eu não perco meu tempo respondendo a haters. Simplesmente apago. Então, fui apagando, só que virou uma bola de neve. Não foram nem cinco nem dez, foram mais de 80, a ponto de que eu precisei colocar no privado o Instagram da minha empresa”.
2.5 – Como não há, de fato, leis específicas obrigando a realização de uniões homoafetivas no religioso, mesmo contra a vontade e doutrina dos fiéis, o que temos observado no momento é o crescimento da intimidação por meio de acusações como “discurso de ódio” e “homofobia”, feitas normalmente pelos simpatizantes do ativismo LGBTQIA+ de forma coordenada.
Neste sentido, os ataques têm ocorrido mais na esfera da liberdade religiosa individual, como aconteceu com o confeiteiro americano Jack Phillips, que se recusou a fazer um bolo para um “casamento gay” e acabou sendo processado várias vezes.
De forma semelhante, o casal cristão Cynthia e Robert Gifford chegou a ser multado pela Justiça americana, em 2014, por não aceitar alugar uma fazenda para uma celebração de união homossexual. Também nos Estados Unidos, a fotógrafa Emilee Carpenter recebeu multas de até US$ 100.000, em 2021, por ter se recusado a prestar serviços em uma cerimônia de união homossexual.
Também no Brasil, este ano, a 4ª Vara Cível de Taguatinga, aqui em Brasília, determinou a remoção das redes sociais de um vídeo contendo trechos de uma pregação feita pelo pastor americano David Eldridge, onde o mesmo apresentava a sua visão bíblica sobre a conduta homossexual durante um evento da União das Mocidades das Assembleias de Deus de Brasília (UMADEB).
Não estou tratando do mérito teológico ou moral desses casos, mas sim das garantias quanto à liberdade religiosa e de consciência estabelecidas como fundamentais aos direitos humanos.
A pergunta que faço, é: se hoje estão querendo nos obrigar a abrir mão da própria consciência, sob a alegação de “discurso de ódio” e “homofobia”, para que façamos coisas contra a própria vontade, o que nos garante que amanhã uma Igreja e seu pastor não serão alvos das mesmas acusações, podendo sofrer represálias por causa disso?
Ou seja, temos aqui um risco muito grande, e ele reside justamente na equiparação da união civil homossexual, que já existe e não estamos questionando isso, ao casamento entre homem e mulher estabelecido pela Constituição. Isso, porque, uma vez que a união homossexual é equiparada ao casamento constitucional, o ativismo LGBTQIA+ pode usar isso como alegação para querer acusar uma igreja, por exemplo, do crime de “discriminação”, por se recusar a realizar uma cerimônia homoafetiva, já que “todos são iguais perante a lei”.
Os exemplos que citei acima são prenúncios do que pastores, padres e outros líderes religiosos poderão enfrentar em um futuro breve, caso a militância radical LGBTQIA+ resolva aproveitar uma equiparação da união homossexual ao casamento constitucional, entre homem e mulher, para querer mover ações judiciais no sentido de querer interpretar cerimônias religiosas matrimoniais como parte dos “direitos” adquiridos.
3. Quanto ao mérito do PL
Com base no que expus até aqui, portanto, espero que a maioria já tenha compreendido qual é o nosso real propósito com esse projeto, a saber:
A) Criar uma camada a mais de proteção à liberdade religiosa dentro e fora dos templos, garantindo aos seguidores de determinada crença o pleno direito de recusa à celebração, colaboração ou prestação de serviços à união homossexual, sem que isso lhe acarrete quaisquer acusações e punições;
B) Diferenciar o conceito constitucional de entidade familiar e casamento, do modelo de união homossexual reconhecido civilmente, sendo o primeiro restrito ao formato de família nuclear composta por homem e mulher, enquanto o segundo apenas à relação estável e legalmente protegida pelo Estado, entre duas pessoas do mesmo sexo.
Não posso deixar de esclarecer, também, que essa posição não ignora o fato de que pessoas podem se sentir parte – e formadores – de uma família através de laços afetivos. Acredito que é justamente por isso que o reconhecimento da união homossexual na esfera civil já existe no Brasil desde 2011.
Contudo, também não posso deixar de explicar que para a maior parcela da sociedade, oriunda de uma formação de valores judaico-cristãos, e na qual me incluo, a família é constituída não apenas por laços afetivos, mas também por sua capacidade de se perpetuar como espécie, mediante a geração de filhos. Esse é o motivo pelo qual entendemos que os constituintes, quando definiram a instituição do casamento, o restringiram apenas à relação entre homem e mulher.
Assim sendo, acompanho o entendimento do relator, deputado Pastor Eurico, no sentido de que os direitos já conquistados pela comunidade LGBTQIA+, precisamente o reconhecimento legal da união estável e civil homossexual, sejam preservados, mas acrescidos agora da aprovação do PL 5167/09, a fim de que seja estabelecida maior segurança jurídica para a comunidade religiosa do Brasil, e a distinção do casamento constitucional seja preservada em seu conceito original.