Não adianta fugir, pois o assunto sempre surge. Mas um dos caminhos mais curtos para se resolver nas conversas entre amigos questões sobre o papel do estado na economia, e de como os cristãos devem se posicionar a respeito, é recorrer à fundamentação teórica de cada modelo econômico. Tudo o que um “evangélico progressista” tem na mão para se alicerçar são a falácia marxista da “mais-valia”, as quantificações descabidas de John Maynard Keynes, e, é claro, muita tagarelice gnóstico-revolucionária vinda diretamente das urucubacas iluministas, sobretudo as francesas.
Para disfarçar essa miséria intelectual toda, muitos deles evocam a tal “teologia da Missão Integral”, que no fim das contas é a tentativa de cristianizar aquilo que sempre foi anticristão, uma vez que um de seus ícones máximos no Brasil, Ariovaldo Ramos, admitiu que esta é a versão protestante da “Teologia da Libertação” que os comunistas inventaram para se infiltrar na Igreja Católica. Já o livre comércio sempre existiu, não há nenhuma objeção bíblica ao livre mercado, e as refutações da teoria econômica liberal, sobretudo da Escola Austríaca, mostram a fragilidade teórica (a prática está mais que evidente ao longo da história) dos modelos socialistas. E o que não tem lógica, o que está desprovido de coerência interna, não pode vir de um Deus que se identifica com o próprio Logos, o fundamento da realidade e da capacidade humana (limitada, sim) em apreendê-la, cuja palavra é inerrante, e que é perfeito, justo, e pronto para manifestar sua provisão àquele que for fiel.
Tentar fundamentar teologicamente os modelos econômicos coletivistas só resulta em palhaçada hermenêutica e claro, em piada. Já fiz o teste e vi os comunistinhas góspeis passando vergonha.
E que ninguém pense que o assunto é novo. Ante a igreja primitiva, já apareciam os ancestrais intelectuais de Marx, Stálin, Mussolini, Hitler e Mao propondo a centralização da economia na mão do estado. A tal “distribuição de renda”. Ciente do perigo desta tese, o “pai da igreja” João Crisóstomo (*) os enfrentou:
“Deveríamos buscar os reis e príncipes para consertarem as desigualdades entre os ricos e os pobres? Deveríamos exigir que soldados viessem e tomassem o ouro do rico para distribuir entre os seus próximos destituídos? Deveríamos implorar ao imperador para que crie um imposto para os ricos, tão grande que os reduza ao nível dos pobres, e então compartilhe o que foi coletado por este imposto entre todos? A igualdade imposta pela força não produziria nada, e faria muito mal. Aqueles que possuem ao mesmo tempo corações cruéis e mentes astutas logo encontrariam formas de enriquecerem novamente.
Pior ainda, o rico cujo ouro foi tomado sentiria-se amargurado e ressentido, enquanto o pobre que recebe o ouro das mãos dos soldados não sentiria gratidão, porque não teria sido a generosidade que originou o presente. Longe de trazer qualquer benefício moral para a sociedade, iria, isso sim, trazer um grande mal moral. A justiça material não pode ser obtida à base de força. Não haveria mudança de coração. O único modo de alcançar a verdadeira justiça é mudar o coração das pessoas primeiro – e então elas irão alegremente compartilhar sua riqueza.”
Na verdade, as tentativas mais ousadas de erigir governo civis pesadamente interventores na economia , evocando burlescamente as qualidades de seus agentes, que supostamente promoveriam a igualdade material (sempre às custas do povo trabalhador e empreendedor) são algo relativamente recente na história, tendo tomado força apenas a partir da Idade Moderna. E vale a pena conhecer todo o sólido legado intelectual de cristãos sérios não só condenando tais modelos totalitários de governo, como mostrando a sua imoralidade intrínseca, sua inviabilidade prática, bem como o total desalinhamento com a natureza humana, como fez João Crisóstomo lá atrás, no século IV.
Passou da hora de se aprender estas lições.
(Volto ao assunto em breve.)
Nota:
* – Esta citação é atribuída a João Crisóstomo no livro On Living Simply: The Golden Voice of John Chrysostom, compilação de excertos de homilias e outros textos do pai da Igreja feita por Robert Van de Weyer (1997, Liguori Publications). Dias atrás, no entanto, vi que há dúvidas quanto a real autoria da declaração, e a referência apresentada na obra está errada. Ainda assim, independente de seu autor, a citação, esbanjando lógica e realismo, continua válida e relevante por si. O presente artigo torna-se oportuno também por tornar pública esta dúvida, uma vez que a citação aparece ocasionalmente em blogs, listas de discussão e nas redes sociais. Que os experts na obra de João Crisóstomo se pronunciem.