Uma correta compreensão da plena divindade de Cristo nos leva a adora-lo. Vivemos dias em que Cristo é visto como exemplo, como psicólogo, como revolucionário, mas nunca como Deus. Por isso vemos cultos carregados de antropocentrismo e pouca adoração a Cristo. Mensagens carregadas de autoajuda e quase nada sobre o Deus-homem que foi crucificado e ressurgiu ao terceiro dia. Beale, em seu livro “Você se torna aquilo que adora” afirma:
A ideia principal deste livro sobre idolatria é que as pessoas se assemelham ao que reverenciam, quer para ruína, quer para a restauração. Deus criou todos os seres humanos para refletir uma imagem. As pessoas sempre refletirão alguma coisa, seja o caráter de Deus, seja algo do mundo.[1]
Uma vez que compreendemos quem é Jesus, não apenas o imitamos mas também o adoramos. Quando ele se torna o centro de nossa vida, então passamos a refletir sobre seu caráter e sermos semelhantes a ele.
Compreender a divindade de Cristo deve nos levar a:
Culto Cristocêntrico
No Antigo ou no Novo Testamento o culto está centrado em Deus e na pessoa de seu filho Jesus Cristo. Ninguém poderia se apresentar no Templo sem oferecer um sacrifício, e cada cerimônia no sacerdócio levítico apontava para Cristo. Hoje, podemos oferecer culto a Deus somente por meio de Cristo, caso contrário, seríamos consumidos por causa de nossos pecados. Sobre isso Calvino afirma:
A razão pela qual Deus ordenara que se oferecessem vítimas como expressão de ações de graças foi, como é bem notório, para ensinar ao povo que seus louvores eram contaminados pelo pecado, e que necessitavam de ser santificados exteriormente. Por mais que proponhamos a nós mesmos louvar o nome de Deus, outra coisa não fazemos senão profana-lo com nossos lábios impuros, não houvera Cristo se oferecido em sacrifício com o propósito de santificar a nós e às nossas atividades sagradas (Hb 10.7). É através dele, como aprendemos do apóstolo, que nossos louvores são aceitos.[2]
O foco de cada culto ao Senhor deve ser a Trindade Santa, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Porém, para o pecador se apresentar diante de Deus Pai, com auxílio do Espírito Santo, é necessário que seja mediado pelo Deus Filho, caso contrário o pecador será fulminado diante da santidade de Deus. Desta maneira, Cristo é tanto o mediador para que possamos nos achegar a Deus, quanto é o Deus a ser adorado no culto. Fomos criados por ele, fomos redimidos por ele e seremos glorificados por causa dele. Tudo é dele, por ele e para ele (Rm 11.36).
Muitos, por não entenderem quem é Jesus, tem distorcido o culto criando uma espécie de culto da vontade. Esse culto tem como objetivo os ouvintes e não Cristo. Há uma preocupação de agradar as pessoas, seja trazendo uma mensagem confortadora, seja com um ambiente mais acolhedor, e tiram do culto qualquer coisa que possa desagradar as pessoas. Esse é um culto que está presente na maioria das igrejas evangélicas hoje. Um culto que não tem Cristo como centro, mas sim, os ouvintes. O objetivo final desses cultos não é a glória de Cristo, mas estarem cada vez mais cheias e mais ricas. Tais igrejas afirmam estar pregando o evangelho e sendo relevantes, porém tais cultos não são para Deus e sim para homens. Calvino afirma que “fora de Cristo nada existe senão ídolos”.[3] Um culto que não tem sua centralidade em Cristo é um culto idólatra que atrai sobre si a ira de Deus.
Pregação Cristocêntrica
A pregação reformada deve necessariamente apontar para Cristo. Johann Michael Reu (1869-1843), um homilético luterano afirma:
“É necessário que o sermão seja cristocêntrico, não tendo ninguém mais como centro e conteúdo a não ser Cristo Jesus”.[4]
O célebre pregador Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) em seu livro “Lições aos meus alunos”, comentando sobre qual deve ser o conteúdo da pregação afirma:
De tudo que eu gostaria de dizer-lhes, o resumo é este: Meus irmãos, preguem a CRISTO, sempre e para sempre. Ele é todo o evangelho. Sua pessoa, Seus ofícios e sua obra devem constituir o nosso grande e todo-abrangente tema.[5]
Em 1 Coríntios 1.22, 23 Paulo afirma:
Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios.
Kistemaker afirma que os judeus repetidamente pediram a Jesus um sinal (Mt 16.1, Mc 8.12, Jo 2.18, 6.30). Ao passo que os gregos eram aqueles que buscavam razões para sua existência no mundo (At 17.18) e sabedoria.[6] Entretanto, a pregação de Paulo consistia em loucura para gentios e escândalo para os judeus: a Cristo crucificado. O centro da mensagem do evangelho é Cristo. Tudo se trata dele. Ele é o criador, o redentor, o autor e consumador de nossa fé. Comentando esse texto, Chapell em sua obra “Pregação Cristocêntrica” afirma:
Paulo pregou acerca de relações conjugais, educação infantil, qualificações de oficiais da igreja, mordomia, como lidar com a cólera, conduta no trabalho, respeito às autoridades governamentais, além de outros temas de natureza prática, e ao mesmo tempo escreveu: “Mas nós pregamos a Cristo crucificado”.[7]
Chapell ainda afirma que, embora Paulo considerasse muitos assuntos da vida de cada dia, ele cria que estava pegando sobre a pessoa e a obra de Cristo.[8] Este deve ser o conteúdo da pregação cristã: Cristo. Seja qual for o tema menor, este deve apontar para Cristo.
Não existe alguém melhor do que o próprio Jesus para nos ensinar como pregar, pois ele mesmo deu exemplo disso, quando no caminho de Emaús, expôs o evangelho aos seus discípulos:
Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lc 24.26,27).
Na sinagoga, Jesus leu o texto de Isaías 61.1,2 que fazia referência ao Ano do Jubileu (Lv 25.8-55) e afirmou: “Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir”(Lc 4.21).
Em seu livro “Pregando a Cristo a partir do Antigo Testamento”, Greidanus afirma que a Grande Comissão foi uma ordem de Jesus para que os discípulos fizessem discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que Jesus os havia ordenado (Mt 28.19,20).[9] Embora o batismo seja trinitariano, a ordem de fazer discípulos (de Jesus) e de ensinar as palavras de Jesus, além da promessa da presença real de Cristo com cada um deles mostra que esse texto está focalizado em Jesus.
Pedro cumpriu esse mandamento em seu discurso no Templo após a descida do Espírito em Atos 2 quando utiliza todo o Antigo Testamento para mostrar a Cristo: “mas Deus, assim, cumpriu o que dantes anunciara por boca de todos os profetas: que o seu Cristo havia de padecer” (At 3.18).
Quando Paulo foi chamado por Cristo, o Senhor Jesus disse a Ananias: “este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel”(At 9.15). Diante do rei Agripa, Paulo cumpre isso:
Mas alcançando socorro de Deus, permaneço até ao dia de hoje, dando testemunho, tanto a pequenos como a grandes, nada dizendo, senão o que os profetas e Moisés disseram haver de acontecer, isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo o primeiro da ressurreição dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aos gentios (At 26.22,23).
Sobre pregação cristocêntrica, Irineu de Lião afirma:
Se alguém ler as Escrituras neste sentido, encontrará uma palavra a respeito do Cristo e uma prefiguração da nova vocação. Ele é o tesouro escondido no campo, isto é, neste mundo- com efeito, o campo é o mundo -, e Cristo está escondido nas Escrituras no sentido de que é indicado por figuras e parábolas que não podiam humanamente ser entendidas antes que se cumprissem as profecias, isto é, antes da vinda do Senhor.[10]
Sobre a pregação de Lutero, Meuser afirma: “A justificação permeava a teologia de Lutero, mas o Cristo vivo, que respirava, amava, servia e sofria, permeava sua pregação”.[11]
João Calvino, ao comentar as palavras de Jesus em João 5.39: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim”, afirma:
Devemos ler as Escrituras com o intuito expresso de encontrar Cristo nelas. Quem se afastar desse objetivo, embora possa se afadigar durante toda a vida em aprender, nunca alcançará o conhecimento da verdade; porque que sabedoria podemos ter sem a sabedoria de Deus? (…) Somos ordenados a buscar Cristo nas Escrituras.[12]
Vida Cristocêntrica
Uma vez que compreendo quem é Jesus Cristo, não há outro estilo de vida a seguir a não ser uma vida centrada nele. Não amaremos nossas próprias vidas, antes, estaremos totalmente voltados para a glória dele em amor. Em Hebreus 11.35-38 temos um relato de homens e mulheres do Antigo e Novo Testamentos que viveram pela fé e tiveram seus olhos em Cristo, em um relato a uma igreja que passaria por uma perseguição e muitos poderiam ser mortos por causa de sua fé em Jesus:
Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra.
Comentando esse texto, Kistemaker remonta ao livro apócrifo de 2Macabeus que narra a história dos Macabeus durante a primeira metade do 2o século antes de Cristo.[13] Nele é relatado sobre Eleazar, um escriba de cerca de 90 anos de idade foi esticado em uma roda e sofreu golpes até a morte. Antes de morrer ele afirmou:
E quando ele estava prestes a morrer sob os golpes, exclamou entre suspiros: O Senhor que possui a ciência santíssima o vê: podendo eu livrar-me da morte, sofro em meu corpo os tormentos cruéis dos açoites, mas os suporto com alma alegre porque é a ele que temo (2 Mac 6.30 – Bíblia Ave Maria).
Nesse mesmo período, sete irmãos e sua mãe foram torturados pelo rei Antíoco Epifanes, sendo mortos um após o outro de forma cruel e horrível. Um após o outro eles testemunhavam:
“Prestes a dar o último suspiro, disse ele: Maldito, tu nos arrebatas a vida presente, mas o Rei do universo nos ressuscitará para a vida eterna, se morrermos por fidelidade às suas leis” (2Mac 7.9 – Bíblia Ave Maria).
Ashbel Green Simonton (1833-1867), o missionário americano que trouxe o presbiterianismo para o Brasil, no dia 31 de dezembro de 1859, na virada do ano em que chegou ao Brasil afirmou:
Gostaria de poder perceber a graça de Cristo em todas as coisas, nas pequenas como nas grandes, assim como fazer tudo em conexão consciente com a sua glória. (…) Não percebo o amor de Cristo por mim como deveria e como creio que o faz a maioria dos cristãos, nem sinto o peso das obrigações que sei ter para com ele. Sinto e amo muito menos do que penso e obedeço. (…) Por isso vou implorar a Deus. Vou buscar a renovação de minha vocação e a consciência de amar Aquele cuja palavra prego.[14]
Simonton estava inquieto por não conseguir ter Cristo como centro de sua vida e ter todo o amor que deveria pelo mestre. Não porque não tivesse, pois o mesmo abandonou sua família e amigos nos Estados Unidos para pregar a desconhecidos no Brasil por amor de Cristo, mas porque sentia que devia amá-lo muito mais. E porque ele teve Cristo como centro de sua vida, mesmo morrendo aos trinta e cinco anos de idade, hoje, depois de mais de cento e cinquenta anos de sua chegada ao Brasil, há mais de cinco mil igrejas fundadas e quase um milhão de cristãos que são frutos do trabalho deste homem que viveu e morreu por Cristo.[15]
Por fim, quando temos uma vida completamente voltada para Cristo, estaremos dispostos inclusive a morrer pela fé nele. A primeira confissão de fé reformada do Brasil foi escrita por Jean du Bourdel e assinada de próprio punho também por Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon. Du Bourdel era o mais velho deles e por isso o redator. Estes eram jovens calvinistas franceses que desembarcaram na Guanabara em 7 de março de 1557 e foram perseguidos por Villegaignon por causa de sua fé reformada e foram submetidos a um questionário sobre matéria de fé onde seriam julgados se eram hereges ou não. Eles tiveram doze horas para responderem por escrito. Por conta desta confissão, três deles, a saber: Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon não negaram sua fé e foram mortos em 1558, sendo atirados de um despenhadeiro, rendendo suas almas a Cristo.[16] Eles escreveram dezessete capítulos confessando a sua fé. Antes de morrer, Pierre Bordon quis saber a causa de sua morte e foi-lhe respondido que a causa era a sua assinatura em uma Confissão herética e escandalosa.[17] Essa confissão calvinista ficou conhecida como “A Confissão da Guanabara”, sendo a primeira confissão escrita no Brasil. Eles morreram por negarem a fé católica, porém, a base da confissão, em seus dois primeiros capítulos temos a fé na pessoa de Cristo que é o sustentáculo para a fé reformada e base para os outros quinze capítulos. Seguem transcritos a seguir:
- Cremos em um só Deus, imortal, invisível, criador do céu e da terra, e de todas as coisas, tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e o Santo Espírito, que não constituem senão uma mesma substância em essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de todo o bem; o Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude do tempo, se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nasceu da virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que recebêssemos a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do Pai e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos profetas, sugerindo as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o único Consolador em aflição, dando constância e perseverança em todo bem. Cremos que é mister somente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a majestade de Deus em fé ou particularmente.
- Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da outra, confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana nele inseparáveis. (Grifos nossos).[18]
Bibliografia:
[1] BEALE, G. K.; Você se torna aquilo que adora; São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 281.
[2] CALVINO, João; O Livro dos Salmos, vol. 2, (Sl 66.15); São José dos Campos: Editora Fiel, 2011, p. 612.
[3] CALVINO, João; Gálatas – Efésios – Filipenses – Colossenses, (Ef 2.12); São José dos Campos: Editora Fiel, 2015, p. 249.
[4] REU, Johann Michael; Homiletics: A Manual of the Theory and Practice of Preaching; Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2009, p. 57.
[5] SPURGEON, Charles H.; Lições aos meus alunos – Vol. 2; São Paulo: PES, 1990, p. 101.
[6] KISTEMAKER, Simon; Comentário do Novo Testamento – 1 Coríntios; São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 81s.
[7] CHAPELL, Bryan; Pregação Cristocêntrica; São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 79.
[8] Ibid., p. 79s.
[9] GREIDANUS, Sidney; Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento; São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 25.
[10] IRINEU; Contra as Heresias – Patrística – Vol. 4; São Paulo: Paulus Editora, 1995, p. 448s.
[11] MEUSER, Fred W.; Luther the Preacher; Minneapolis: Augsburg, 1983, p. 18s.
[12] CALVIN, John; Calvins Commentaries – John; Olive Tree App: Jo 5.39. (In Loco)
[13] KISTEMAKER, Simon; Comentário do Novo Testamento, Exposição de Hebreus; São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 488.
[14] SIMONTON, Ashbel Green; O Diário de Simonton, 1852 – 1866; São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 137.
[15]Wikipédia: Igreja Presbiteriana do Brasil; Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Presbiteriana_do_Brasil>, acesso em 15 de jul. 2017.
[16] CRESPIN, Jean; A Tragédia da Guanabara; São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 54-68.
[17] Ibid,, p. 21.
[18] Ibid., p. 55.