É atribuída ao velho Karl Marx a frase que sintetiza o perigo das pessoas que se acham puras e, por isso, no direito de decidir nosso futuro: “O caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções”.
Eu me lembro da frase toda vez que ouço ou leio alguma declaração, abaixo-assinado, manifesto, grito de guerra, Et Cetera, do pastor Ariovaldo Ramos. Ele é um campeão na modalidade “apoiando as piores ideias com as melhores intenções”.
O seu último presente ao Brasil foi a adesão ao manifesto de lideranças “evangélicas” que está sendo distribuindo entre os congressistas, incitando-os a apoiarem o decreto da presidente Dilma que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS).
Oficialmente, a PNPS visa “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas”, mas, na prática, submete os poderes constituídos a conselhos populares formados por entidades que dizem representar a sociedade civil (meia dúzia de militantes).
Mesmo os aliados tradicionais de Dilma como o peemedebista Henrique Alves, atual presidente do Congresso, se posicionaram fortemente contra o PNPS, com objeções racionais e legítimas. Todos se assustaram com a hipótese de sovietização da democracia brasileira.
Henrique Alves afirmou que, ao impor a órgãos e entidades da administração pública direta e indireta o dever de considerar a opinião dos conselhos populares na formulação de políticas públicas, o decreto presidencial invade prerrogativas do Congresso Nacional.
Aliados dos petistas, cientistas políticos, jornalistas, sociólogos e gente pensante de todo tipo se levantaram contra os sovietes da presidente Dilma. Menos o bondoso Ariovaldo Ramos, para quem os tais sovietes são um aperfeiçoamento da nossa jovem democracia.
Um dos mecanismos do Política Nacional de Participação Social é a mesa de diálogo, que viabilizaria debate e negociação com a participação de “setores da sociedade civil e do governo diretamente para mediar e solucionar conflitos sociais”.
Ou seja, não precisamos mais da Justiça do Trabalho para mediar os conflitos entre segmentos sociais com interesses antagônicos, como índios e proprietários de terra, porque tudo poderá ser mediado pelos companheiros bondosos dos “sovietes do bem” de Ariovaldo.
O mais interessante é pensar que meia dúzia de militantes em um fórum de conselhos quer se arrogar o direito de representar toda a sociedade civil na discussão das ações da administração pública. Eles acham que podem. E somos antidemocratas se não deixarmos!
Para usar a terminologia marxista, os conselheiros formariam uma espécie de vanguarda da sociedade civil. Não tem como ser diferente, afinal, é impossível que toda a sociedade seja representada nos conselhos. Somos muitos e com interesses divergentes.
Não temos tempo para deixar nosso cotidiano de trabalho e estudos para ir a conselhos dominados por militantes bem articulados, na maioria das vezes pagos por partidos, para tentar nos fazer ouvir toda a vez que algo importante seja discutido no Brasil.
Para isso já elegemos parlamentares. Isso não parece ser suficiente para Ariovaldo Ramos. Ele é professor da Faculdade Latino Americana de Missão Integral (FLAM), em Arujá (SP), pequena cidade onde resido com minha família e administramos um modesto jornal local.
Pois na minha pequena cidade existem centenas de grupos com vários interesses antagônicos. Leia-se: nem em Arujá esses conselhos soviéticos de Ariovaldo resolveriam alguma coisa!
Um trecho do manifesto assinado por Ariovaldo Ramos afirma:
“A capacidade do homem para praticar a justiça torna a democracia possível; mas a inclinação do homem para a injustiça torna a democracia necessária.”
Ou seja, na visão de Ariovaldo e outros “evangélicos” pró-sovietes, a democracia precisa cumprir alguma missão nobre e utópica como combater a injustiça para ser legitimada.
Não sei se em sua cruzada quixotesca pelo Paraíso na Terra o pastor Ariovaldo Ramos teve tempo de ler algum autor sério de ciência política ou sociologia. Isso seria salutar.
O filósofo Karl Popper definia a democracia por via negativa: ela serve para evitar certos males, e não para promover fins utópicos. Ela nega a utopia para preservar a convivência pacífica entre homens com diferentes valores, objetivos e ideologias.
Popper entendia que a democracia é simplesmente uma forma de impedir que algum desses homens se torne poderoso demais. Consoante com o melhor da tradição judaico-cristã, o ateu Popper entendia que o homens são limitados em virtudes e sabedoria.
O que Karl Popper defendia já era ensinado pelas Sagradas Escrituras: “Assim diz o Senhor: Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!” (Jeremias 17:5-6).
Mas o bem-intencionado Ariovaldo Ramos entende que somos sábios e virtuosos o suficiente para brincar com a democracia de acordo com nossos desejos utópicos.
Caso não tenha tempo de ler alguma coisa séria em ciência política (como “A Sociedade Aberta E Seus Inimigos”), recomendo a Ariovaldo que leia um pouco mais a Bíblia.