“… veio João, não comendo nem bebendo, e dizem: Tem demônio. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores”. Jesus de Nazaré
Quando nossa religião se baseia em códigos comportamentais as possibilidades de se cometer grandes injustiças são imensas.
Entendo a religião como sendo aquilo que se opõe à espiritualidade, pois a mesma nada tem de espiritual, estando alicerçada em sinais exteriores e acessórios que embelezam a vida superficial das pessoas, tornando-a aceitável ao padrão de santidade predeterminado por certo grupo.
A espiritualidade, por sua vez e como o próprio nome é capaz de revelar, está ligada à vida interior, à essência de alguém e não pode ser notada a partir de uma primeira vista.
Religiosos têm grandes dificuldades em perceber as coisas espirituais, pois estão equivocados quanto ao seu verdadeiro conceito. Confundindo o essencial com o superficial, tornam-se incapazes de compreender os sinais subjetivos que compõem uma genuína vida espiritual.
Para eles, espiritualidade se nota nas vestimentas, na utilização de terminologias ‘sagradas’, no abraçar de tradições, usos e costumes, portanto, alguém que seja minimamente exótico a alguns procedimentos padronizados por suas convenções, está fatalmente desqualificado.
É interessante observar que essa prática, normalmente ligada ao tradicionalISMO religioso, é comum desde tempos remotos e estava presente na história da origem do cristianismo.
No texto que coloquei lá no topo desta reflexão e pode ser encontrado na Bíblia, em Mateus 11:18-19, está escrito que João Batista, o profeta mártir, apareceu na vida dos religiosos de forma radical, estranha e peculiar. Ora, ele era filho de sacerdote, portanto, uma pessoa de linhagem sagrada e poderia ter vivido no contexto religioso sacerdotal, mas optou em não viver aquilo. João era uma pessoa controvertida, exótica mesmo, usava roupas diferentes e não comia, nem bebia o que as pessoas comuns costumavam comer e beber. Sim, ele era uma figuraça, mas era um homem de Deus. Estava cheio do espírito profético e apregoava o arrependimento como única via de esperança para aqueles religiosos mascarados por seus tradicionalISMOS.
Sim, de fato, o tradicionalISMO é um bom disfarce para gente que não vive uma espiritualidade genuína e João era uma pessoa muito diferente, sua postura era difícil de ser engolida pela religião vigente e, por esta razão, não foi bem aceito e em certo tempo, foi assassinado pelo poder.
Sendo uma espécie de nazireu, ou seja, alguém não bebia nada alcoólico, um abstêmio, vivia em lugares diferentes, deixando pistas de ter sido uma pessoa até certo ponto anti-social e isto fez dele uma figura controvertida demais, fora do padrão sacrossanto apregoado pela convenção humana de seu tempo.
Do lado oposto, veio Jesus, uma figura bem desinibida, acessível, popular. Jesus podia se achegar a qualquer roda social e conversar com naturalidade. Jesus, o homem, era diferente de João, o Batista. Ele se assentava na mesa para comer e prosear com religiosos dos mais tradicionais, com cidadãos odiados pela sociedade, ele falava de igual pra igual com mulheres, com crianças, com soldados, com romanos, com santos e com profanos, com judeus e gentios.
Em suas próprias palavras, Jesus comia e bebia (o que você entende por comer e beber? Glutão e beberrão?).
Ora, assim como João, Jesus estava fora do padrão da convenção. Ele era livre, flutuava pela existência humana tal como um verdadeiro Deus sobrevoa sua criação, mas mesmo assim, desagradou a religião e o tradicionalismo dos que afirmavam ser sacerdotes dEle próprio.
Dias desses, causou profunda controvérsia no meu perfil do Facebook o fato de eu ter afirmado que gostava de beber cerveja. Foi uma verdadeira guerra de versículos e ideais, destilar de venenos e sarcasmos (muito deste último de minha parte, confesso). Alguns entraram em conversas profundas comigo via chat e, de forma reservada, me exortaram a não tratar dessas coisas de forma assim tão “pública”, em virtude da fraqueza dos fracos e do escândalos dos pequeninos. Houve um que, por sua particular história de vida, visto ter como parente um alcoólatra, afirmou que o diabo estaria me usando para propagar essa desgraça também dentre os cristãos.
Meu Deus, quanta confusão! Apenas disse que gostava de ‘tomar uma’ e já virei alcoólico, mau exemplo, apologeta de gambrinus, coisas assim!
Tiro lições de todas essas coisas e uma delas é que tanto João, quanto Jesus foram incapazes de agradar à religião, mesmo que um fosse um exemplo de monge e outro um exemplo de normalidade humana. Sim, Jesus era o Santo, o Filho de Deus, mas visualmente, externamente era uma pessoa como outra qualquer. A diferença de Jesus estava naquilo que fluía de dentro dEle, que era capaz de gerar vida, ressurreição, cura, visão, novas perspectivas, esperança… tal como o próprio João Batista.
Pessoal, desistam de julgar quem quer que seja pelo exterior, pois isso não funciona. Sejam felizes, amem, desfrutem da vida que Deus lhes proporcionou. Nenhum cristão precisa de comida ou bebida para viver, portanto, comida, nem bebida definem um cristão, mas sim a essência de Cristo habitando em cada um de nós.
Não aceito que bombardeiem minha cristandade com falácias. Podem até pensar e dizer que não, mas eu também sou cristão.