“Extremista”, “Reacionário”, “Xiita”, “Ultra-direitista”: estes são alguns dos impropérios lançados contra quem diverge da ideologia em voga no Brasil de hoje.
Se o dissidente for um cristão, os impróprios ficam piores.
Rachel Sheherazade foi chamada de “imbecil reacionária” e “cristã fanática” quando questionou certos valores “progressistas”.
Toda a hostilidade contra quem pensa diferente vem disfarçada de “defesa do bom senso” ou “posição moderada”. A esquerda é o centro, logo, todo não-esquerdista é um extremista.
Claro que toda essa pasmaceira é uma forma de ocultar o verdadeiro debate que está sendo travado – ainda que de forma precária e vulgar – na mídia e na política.
Em recente participação na TV, o sociólogo Bolívar Lamounier sugeriu que fossem abandonadas as categorias “direita” e “esquerda” para conceituar os lados em conflito.
É melhor, para clarificar o debate, falar em liberais e anti-liberais. A sugestão de Lamounier tem o potencial de revelar ao público o que realmente está em jogo: a liberdade.
Desprezo pela democracia
A mais relevante e definidora diferença entre liberal e anti-liberal reside na relação de ambos com a democracia. Para o liberal, a democracia é um bem por si só. Porque a liberdade é o que há de mais precioso e, por isso, representa um valor inegociável.
Os evangélicos que vivem louvando a ditadura da moda porque o assassino de plantão dá botijão de gás e ração de comida aos pobres não são democratas, tampouco liberais.
O anti-liberal despreza a democracia como um bem em si mesmo. Para ele, a democracia só é legitima se servir a fins messiânicos como, por exemplo, acabar com a fome no mundo.
Por isso temos líderes evangélicos que chegaram ao cúmulo de afirmar que regimes onde liberdades básicas inexistem são melhores que a democracia!
O evangélico anti-liberal só aceita a democracia se ela for um caminho para o futuro utópico no qual não existem pobres e todos têm carros maneiros dos anos 50.
O filósofo Karl Popper (1902-1994), um dos grandes pensadores do século 20, lembrava que democracia permite a alternância no poder por meios pacíficos e funciona como fórum de debate permanente, permitindo constante renovação política.
Mas o anti-liberal não quer liberdade, debate ou alternância no poder. Porque ele é um fanático que acha possuir uma receita de bolo para fazer o mundo perfeito.
Democracia X regime messiânico
O leitor ficou surpreso com as manifestações de apoio de certo pastor batista – que dizem ter um coração dourado – ao seu ditador de estimação?
Tudo se explica! O “sábio” pastor quer a construção do Paraíso terrestre – como todo bom esquerdista – e despreza a liberdade como valor em si.
O anti-liberal é alguém que acredita que o Estado é um canal messiânico para o governante acabar com todos os nossos problemas. Basta que ele tenha boas intenções!
O anti-liberal defende que os limites do governo, se é que existem, devem ser reduzidos ou anulados. Pra quê? Para garantir a construção do Paraíso na Terra.
Matando pelo Paraíso
O liberal entende que todo governo deve ser submetido ao império da lei. Não importa que o governante tenha boas intenções: ele deve ficar debaixo da lei e da constituição.
O anti-liberal acredita que isso tudo é besteira. O governante pode descartar a lei e jogar a constituição no lixo se isso for necessário para cumprir sua missão messiânica.
O liberal pergunta ao anti-liberal: “Como é possível que você apoie um ditador, castrador das liberdades e assassino de dissidentes?”.
O anti-liberal responde: “Pode até ser um ditador, que censura a imprensa e mata manifestantes. Mas, veja bem, este é o preço do Paraíso!”.
A liberdade pode e deve ser sacrificada – de acordo com o anti-liberal – se isso for necessário para construir um “Paraíso terrestre” sem fome ou analfabetismo.
Eis, caro leitor, os dois lados em conflito.