Há muito, na minha prática advocatícia tenho visto o Poder Judiciário Brasileiro usurpar as funções legislativas. A Resolução 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral é uma prova disto, onde, o Judiciário cria a figura jurídica na qual a “cadeira”, o assento parlamentar é do Partido e não do eleito. Essa é a mesma usurpação que ocorre na interpretação dada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal sobre o conceito constitucional de família, muito bem impugnado pela ANAJURE através de Carta Aberta e Parecer Técnico-Jurídico. Não entrando no mérito, trata-se, em ambos os casos de legislar positivamente, distante da técnica alemã de interpretação constitucional “Verfassungskonforme Aulesgung” prevista na Lei Federal n.º 9868/99, senão vejamos:
A Constituição da República Federativa do Brasil, conquistada após longos e duros anos de repressão militar, sob a proteção de Deus, inaugurou em nossa amada República uma nova ordem jurídica, calcada no tripé: Legalidade, Segurança Jurídica e Dignidade da Pessoa Humana, estabelecendo o tão sonhado Estado Democrático de Direito, no sistema tripartido de poderes criado por Montesquieu.
Não remontando a estrutura piramidal de Leis teorizada por Hans Kelsen quanto a hierarquia das normas, mas lembrando da mesma en passant, vale dizer que a Constituição Nacional é o ápice do ordenamento jurídico que se encontra. Nas palavras de José Afonso da Silva “significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade”.
Como vértice do sistema jurídico brasileiro, toda a legislação esparsa deve se conformar com ela, alcançando assim validade e aplicabilidade, possibilitando efeitos ‘jurisdicizantes’. A contrário senso, as normas jurídicas que se contrapunham aos ditames supra legais carecem de fundamento de validade, sendo, por conseguinte, inválidas e inaplicáveis. Nessa senda, “a supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição” em vigor, como bem ensina o Professor José Afonso da Silva em seu curso de Direito Constitucional.
E, para garantir e assegurar a Supremacia da Constituição, controlando a constitucionalidade de leis e atos normativos, é imprescindível a criação de um órgão com tal incumbência, dotado de atribuições máximas sobre o assunto. A Constituição de 1988 criou o Supremo Tribunal Federal em seu artigo 101, atribuindo-lhe, no artigo seguinte, a Guarda da Constituição.
O STF como órgão de cúpula do Poder Judiciário pátrio, tem sua competência delimitada nos artigos 102 e dispositivos e 103 e dispositivos da Carta Magna vigente. Como Guardião da Constituição, tais possibilidades de atuação previstas no texto constitucional são dirigidas para assegurar a Supremacia Constitucional.
Desta feita, como demonstrado acima, a Constituição Brasileira promulgada em 1988 é dotada de Supremacia em relação às demais normas jurídicas existentes em nosso ordenamento, o que implica dizer que toda legislação deve se conformar com a Constituição, e se essa conformação não ocorrer tal legislação perderá seu fundamento de validade, sendo expurgada do sistema jurídico pátrio.
Todavia, o termo “Guardião da Constituição” ou ainda o “topo da pirâmide de Kelsen” fez com que o STF em muitas oportunidades confundisse a Supremacia da Constituição com a Supremacia da Corte!! A técnica de interpretação que tem como escopo preservar a primazia do legislador democrático, preservando consequentemente o texto normativo. Ao se deparar com uma possível contradição entre o texto magno e o texto infra o intérprete tem como ponto de partida o texto constitucional material, devendo aplicá-lo como princípio de sentido, determinando o conteúdo da lei ordinária que condiz com a realidade constitucional, ou seja, que se coaduna ao sentido magno incidente, não autoriza o julgador constitucional LEGISLAR POSITIVAMENTE, CRIAR ALGO NOVO!
O princípio da primazia do legislador democrático é alcançado as custas de uma nova interpretação do conteúdo da lei pelo intérprete constitucional e nesse sentido a exegese extraída também não pode se divorciar totalmente dos critérios e soluções trazidos pelo preceito legal, ou seja, a exegese alcançada com a técnica de interpretação conforme não deve afrontar diretamente a literalidade do preceito ou a vontade explícita do legislador, pois ao cometer tal afronta, o intérprete também estaria se imiscuindo no Poder Legislativo, que é prática proibida constitucionalmente no ordenamento jurídico brasileiro. Pois como referido acima, declarar inconstitucional uma lei que manifestamente não é, trata-se de correção ao legislador, mas alterar totalmente o texto legal através de interpretação, muitas vezes criando até mesmo novos preceitos, implica em criar uma nova lei pela via inversa, ambos procedimentos afrontam a separação dos poderes e a repartição estrita de competência entre eles.
E, ao meu ver, o STF, e MUITO MAIS o CNJ CRIOU NOVA LEI ao alterar o conceito de família e ao impor este entendimento (Res. 175/2013-CNJ) PELA VIA INVERSA ao arrepio da Constituição Republicana, da Lei 9868/99, da Declaração dos Direitos Humanos na qual o Brasil é signatário! Um retrocesso, alguém precisa informar aos nobres ministros que a Constituição é SUPREMA, mas o STF não e que sua função é julgar e não legislar!
Thiago Rafael Vieira
Advogado – OAB/RS 58.257; Especialista em Direito do Estado/UFRGS; Coordenador da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (ANAJURE) no Rio Grande do Sul; Sócio Diretor do Vieira & Regina Sociedade de Advogados.