Lá estava eu, conversando com alguns colegas, e aí ouço esta:
“Quem deveria pagar o tratamento da minha irmã, com câncer no pulmão, é a empresa que fabrica o cigarro que ela fumou a vida inteira. Ainda bem que vieram essas leis anti-fumo.”
E a moça falava convicta, cheia de razão. E então retruco:
“Imagino que o pessoal do marketing dessa empresa mobilizava uns capangas todos os dias para perseguirem sua irmã, e então forçavam-na a comprar cigarros, acendê-los imediatamente e fumar. Ficavam vigiando-a até que ela fumasse pelo menos duas carteiras por dia. Se foi isso o que aconteceu, você está com toda a razão. É caso de polícia.”
Sei que fui implacável e irônico, mas preciso me divertir um pouco. Ela deu um sorriso e me desafiou:
“Não, não foi assim, mas… e a propaganda?”
Escandalizado, tentei pensar no que a levou a raciocinar dessa forma tão botânica. Repliquei:
“Você também viu propagandas de cigarro durante a vida inteira e não fuma. A culpa é do fabricante? Fuma quem quer!”
Outro sujeito entra na conversa:
“É, é complicado isso. De quem é a responsabilidade? É complicado.”
Complicado? Complicado é ter de dialogar com homens que não assumem suas responsabilidades perante e por si mesmos. Papagaiando o über-propalado “direito de ser feliz”, tudo esperam do governo: leis para sua categoria, previdência, saúde, e vejam só, até educação. Alguém é obrigado a educar alguém aí? Só os próprios filhos, e até certa idade. Ainda assim se afirma que a educação é um direito. E o dever de educar o filisteuzinho, é de quem? Sem a reciprocidade, não há Direito. Sem o dever de uma parte, não há o direito da outra. E então lá vai o estado assumir a responsabilidade de educar o povão. Dá no que dá: a segunda maior nação cristã do mundo em último lugar nos testes internacionais de educação. E a lógica nos leva à conclusão inescapável: os brasileiros são os cristãos mais burros do planeta.
Aí me aparecem (na internet, é claro) os últimos defensores das liberdades civis perguntando por que o Brasil está mais próximo da Coréia do Norte nos índices de liberdade econômica (uma delas) do que de qualquer outro país melhorzinho. E poderia ser diferente?
A impressão que tenho é que brasileiro médio não se acha mais responsável por nada. A moça admite que qualquer peça publicitária pode fazê-la de idiota, e é levada a sério por outra. Notem: há sempre um bode expiatório ao alcance da mão, caso algo de errado aconteça. Assim se transforma um ser humano num bicho submisso ao padrão de conduta imposto pelas hostes revolucionárias que estão dominando a política e a cultura.
Essa ânsia em recorrer a soluções baseadas na coerção estatal (gosto do termo ‘estatolatria’) faz com que o brasileiro, seja, no fim das contas, tratado como um retardado mental que precisa ser orientado pelo estado-babá, o Leviatã-paizão. Mais uns anos e a batata frita será proibida. Aguardem. O xaropão do Dráuzio está aí para isso.
O raciocínio manco, a falácia emitida com se fosse o mais rigoroso dos silogismos, não passa, em casos como o da conversa supracitada, de um sintoma de uma mentalidade torta. Na consciência, uma verdade precisa de outras. O problema central é que quando o auto-exame falha, o resto descamba. Para se constatar tal fato, é até desnecessário citar as Sagradas Escrituras, a sabedoria milenar, e os inúmeros casos de delírio interpretativo, além dos diagnósticos sobre transtornos cognitivos e psíquicos, dentre os quais podemos enumerar o que Olavo de Carvalho define como mentalidade revolucionária.
A moça tem uma filha adolescente, e não há como não pensar em toda essa geração que está sendo doutrinada neste coletivismo bocó e coitadista. E então a pobre criatura chegará à idade adulta. Incapaz de lidar com a realidade e com todas as demandas da vida. Por não fazer o mínimo esforço para se preparar para os conflitos, obrigações e cuidados que a vida requer, resmunga:“Ah, o governo, esse governo”, blá, blá blá… Por fim chega a hora de saírem quebrando tudo por aí, como fizeram aqueles apaixonados por roupinhas da GAP, Nike e Adidas em Londres, ano passado, e depois na USP. Sempre em nome de “um mundo melhor e mais justo”, é claro.
Imagine esse modus pensandi aplicado à fé cristã. Pequei? Culpa de Adão. De Eva. Dos meus pais, que não me ensinaram. Do diabo, que enganou Eva. Do demônio, que me influenciou. Daí, para dizer que a culpa é de Deus, que criou o diabo, é um pulo. Pulo para a apostasia. Pulo para o inferno, pois com Deus não se brinca.
Lembro-me então de obras como “A rebelião das massas”, de Ortega y Gasset, “A invasão vertical dos bárbaros”, do grande Mário Ferreira de Santos, e da psicologia coletiva de Gustave Le Bon. Cada vez mais fundamentais para compreenderem uma época em que o filistinismo e o hedonismo egoísta e presunçoso tomou conta de tudo.
O país “cresce” (pifiamente) e o cidadão se infantiliza. Porque para ser adulto, para crescer, o ser humano precisa, no mínimo, ser responsável por si mesmo e estar ciente de que aquilo que plantar, colherá. Não há saída; quem quer virar gente de verdade precisa de desafios. E não olhar para si como merecedor de zilhões de direitos. Uma verdade que pode tornar qualquer pessoa adulta, mais forte, humilde, livre e determinada é simples de ser dita: “ninguém deve absolutamente nada a você”. Lembrar-se disso todos os dias pode fazer um bem enorme.
Portanto, quando você assistir àquela propaganda do governo falando nos seus direitos, pode saber: ou é para te infantilizar, para te imbecilizar, ou para te impor um dever. Normalmente um dever desses que são praticamente punições: votar, ir à escola engolir o lixo idiotizante preparado pelo MEC, ou tomar estas vacinas de origem e eficácia duvidosas que tem aparecido mundo afora. Sem falar, é claro, em mais impostos. Nada é de graça nesse mundo, meu caro leitor.
Se o brasileiro ainda acredita mais no poder da propaganda e da benesse estatal do que em sua responsabilidade pessoal, em sua capacidade de traçar, ao menos em certa medida, seu próprio destino, tudo o que merece mesmo é ser governado pelos amigos de Hugo Chávez, de Ahmadinejad, de Evo Morales, Fidel Castro, entre outros delinquentes que pintam e bordam lá nas conferências da ONU, essa “vigarista da pior espécie”, como bem a considerava o velho Nélson Rodrigues.