Vivemos na onda de um mundo “pós-moderno” que transformou o egoísmo, a arrogância e a vaidade em autoestima; e os declarados humildes, reconhecidos de suas limitações, em depressivos que precisam de cura. Hoje, qualquer luta emocional ou psicológica não pode ser mais sentida, sofrida e combatida mediante a fé, as lágrimas e a oração; segundo Cotardo Calligaris: “goût de L’effort” sem “o gosto do esforço”.
Tudo se resolve com um remédio ou no analista. A ética ficou completamente relativizada e multidões aplaudem as vitórias e as conquistas com um sonoro “Yes!” não importa como se chegue lá. Steve Jobs é louvado como um semideus e poucas pessoas notam que um de seus primeiros e mais importantes aplicativos tinha a função de roubar sinais telefônicos da AT&T para oferecer chamadas nacionais e internacionais a baixo custo para os usuários.
No meu tempo de criança, em lar católico, os pais ensinavam seus filhos pequenos a rezarem: “Que com Deus eu durma e se não acordar, que eu esteja com Ele…” Hoje, isso seria uma violência infantil; “pode traumatizar”, as crianças não devem ter ou perceber qualquer vislumbre de tensão, frustração, medo – sofrimento, então, nem pensar – essas são coisas reservadas só aos pais e professores.
As crianças precisavam viver em clima de Disney com o super herói Jesus, nosso camarada, “Buddy Christ” que me entende do jeito que eu sou, seja eu quem seja, faça o que fizer. O velho sociólogo Zygmunt Bauman resumiu bem o estado atual: “No mundo líquido (como ele chama a pós-modernidade) eu me torno referência de tudo e as minhas vaidades são virtudes.”
Agora, vire para a pessoa que está do seu lado e diga: “Eu sou filho do Universo, irmão das estrelas e mereço o melhor!” Espero que você não tenha feito isso, a gente anda tão acostumado com esse tipo de mantra que qualquer pessoa que nos mandar falar algo que soa positivo a gente sai tagarelando até nos convencermos que a humildade já não é mais digna de acolhimento e honra, mas rejeitada, como um tipo de doença que precisa de cura.
Hoje, exigimos elogios para tudo que fazemos, e premiamos a todos. Há escolas que dão medalhas até para os últimos colocados de um torneio, pois não podem traumatizar, mesmo aqueles que não se esforçaram ou nem mesmo participaram das competições, apenas se inscreveram.
O mundo atual exige que se coloque acima de tudo e de todos o meu “Eu”; e, nesse ponto, concluindo, precisamos recuar muito na História, para um tempo antes da desobediência de Adão e Eva, e ao assassinato criado por Caim contra seu próprio irmão, a fim de entender o que motiva a arrogância e a vaidade no ser humano.
A resposta está num dos mais importantes livros do Antigo Testamento, em Isaías 14.12-14 KJA: “Como foi que caíste dos céus, ó estrela da manhã, filho d’alva, da alvorada? Como foste atirado à terra, tu que derrubavas todas as nações? Afinal, tu costumavas declarar em teu coração: ‘Hei de subir até aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me estabelecerei na montanha da Assembleia, no ponto mais elevado de Zafon, o alto do monte, o monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; torna-me-ei semelhante ao Altíssimo!”
E, nesse momento, o Arcanjo Lúcifer, cujo nome em hebraico significa “Portador de Luz”, se achou, de fato, lindo e maravilhoso, individuado, muito mais que todos, e se declarou “Eu”, quebrando a ordem e o ritmo da criação estabelecida pelo próprio Deus: o “Nós”.
Mas o “Eu” de Lúcifer se tornou tão pesado que caiu nas profundezas do Sheol (Abismo de morte), e conta a tradição que fora derrubado pelo Arcanjo Miguel, curiosamente respeitado por judeus, cristãos e islâmicos (cujo nome em hebraico – Mikha El – significa: “Quem pode ser semelhante a Deus?”).
O escritor do séc.17, John Milton, apimenta o assunto em sua ficção “Paradise Lost” ao narrar um possível diálogo entre Lúcifer caído e seu auxiliar mais próximo que lamentara o acontecimento. E Lúcifer teria respondido algo que passou para o comportamento das gerações até hoje: “Prefiro ser senhor no inferno a escravo no céu.”
Bem, it’s up to you (a escolha é sua). Eu sugiro que sejamos como o bom e velho apóstolo Paulo: “Paulo e Timóteo, servos (escravos) de Cristo, a todos os santos…” (Fl 1.1 KJA).
Por Oswaldo Paião