É difícil, partindo da perspectiva atual, dividir determinados conceitos tão radicalmente entranhados em nossa alma. Falar de organização, administração, ou como alguns preferem “governo” no que tange a liderança da igreja, é esbarrar em lógicas abarrotadas de ideias secularizadas.
Em minha opinião, organizar nada tem a ver com hierarquizar e, embora eu tenha particular antipatia por ambos (organização e hierarquia) – e concorde com o saudoso Chico Science quando disse “me organizando posso desorganizar” – reconheço que para haver a busca de um sistema onde haja justiça, liberdade e igualdade, se faz necessária a organização.
No entanto, está encrustado dentro de nós o hábito ideológico do “manda quem pode, obedece quem precisa”, no coração de um povo que define “subir na vida”, como se significasse pisar nos outros.
Isto é histórico e epi-genético, parece e, infelizmente, a igreja (ao menos, grande parte dela) é somente uma cópia desse modelo do mundo, estando organizada através do conceito de pirâmide, com um líder máximo assentado na ponta de cima, tendo departamentos e ministérios subdivididos, como num organograma empresarial. O pior é que esse modelo vem acompanhado de todos os cruéis requintes humanos que vão desde a ambição por maiores cargos à decorrente politicagem, do puxassaquismo às intrigas, chegando até os golpes.
Golpes que muitas vezes são confundidos com multiplicação, que é quando algum líder menor, almejando o posto superior, faz uso da Livre Iniciativa para estabelecer, então, a sua visão – o que não ocorre sem causar grandes escândalos, confrontos e sérias divisões.
Tudo isso acontece porque, vivendo na Babilônia, não conseguimos mais tirar a Babilônia de dentro de nós, igreja.
É necessária uma transformação, que só pode ocorrer com a interferência direta da Mente de Cristo na vida das pessoas, para que todos sejam livres, iguais e, ainda assim, tratem-se uns aos outros como superiores.
Não é algo imposto! É uma nova disposição mental, um coração livre que se submete a um ideal que se estabelece na vida de um coletivo humano: Igreja!
Vejo aqui fortes relações entre a vivência humana de Jesus com seus discípulos e diversos princípios do anarquismo. Ora, o anarquismo é em síntese a “ausência de governo”, representando o estado da sociedade ideal na qual o bem comum resultaria da coerente conjugação dos interesses de cada um. Amplamente oposto à divisão em classes, o pensamento anárquico é contra toda a espécie de opressão de uns sobre os outros. Com a anarquia a constituição, o direito e as leis deixam de ter razão de existir.
Ou seja, é o fim da Lei, das imposições, das sobreposições e o início de uma experiência livre, igualitária, na qual o vínculo absoluto, mantenedor de unidade e obediência é o amor.
Ele é capaz de fazer as pessoas andarem juntas, serem bondosas umas com as outras, sem render-se à inveja e ao ciúmes, à competição, aos caprichos das ambições rasteiras, o amor torna as pessoas capazes de suportar, sofrer, esperar e acreditar sem perder tempo com suspeitas fundadas ou não, pois no amor está o poder máximo de Deus no homem para a realização de sua Obra na Terra.
Nele, não incorporamos o cargo ao nosso nome, como se recebêssemos uma titularidade ou signo de poder e autoridade, que é a base da divisão religiosa e social entre clero e laicato.
Nele, no amor, que é o conceito de Cristo, existe apenas um modelo organizacional: a fraternidade!
Nela, somos todos iguais, somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai, seguidores do mesmo Mestre e possuidores do DNA real, o Espírito Santo. Nesta visão, não há maior nem menor, preto ou branco, homem ou mulher, apóstolo ou diácono, levita ou samaritano…
Utopia? Esqueceram de dizer isto para Jesus!