Todo pastor precisa de um modelo administrativo para gerir sua igreja! Para isto, recorre-se á visão equivocada de Deus como sendo um Rei, no sentido de autoridade máxima, com a oportuna presença de figuras estratégica e hierarquicamente distribuídas, como fruto de uma perspectiva humana de organização.
Deus foi chamado de Rei para que fosse formada a compreensão que o conceberia como alguém que estava no topo da cadeia da autoridade.
O resultado disso é que imaginamos o céu como um palácio e Deus assentado em seu trono (alto e sublime) acima das nuvens. É como foi formada a ideia naquele momento, a qual, acredito, Jesus tenha vindo para transformar.
Entendo que todos desejam uma organização, um sistema onde tudo possa ser administrado, a fim de que haja ordem e crescimento.
Esse conceito de ordem é uma herança grega, me parece (corrijam se eu estiver errado). Digo isto baseado na etimologia da palavra “cosmos” que foi traduzida para “mundo”, na língua portuguesa. Cosmos se refere ao ‘mundo’ como um sistema organizado e harmonioso. Alguns dicionários dizem que Pitágoras foi o primeiro a utilizar esse termo, no sentido relacionado com a beleza, sendo que a palavra ‘cosmético’ – arrumar e enfeitar com adornos – deriva de cosmos.
Ou seja, cosmos/mundo, da forma como foi incutida em nossas mentes é o sinônimo de um “belo e bem organizado sistema”.
Em contrapartida, a visão de Reino não é comum aos gregos, que tinham uma ligação maior com a democracia, exercida através de representantes do povo, num modelo político semelhante ao que se pratica hoje no Brasil.
Misturando os dois conceitos, o da paixão dos gregos pela organização e a monarquia absolutista de um governo teocrático, criou-se então um blend ideológico de Reino de Deus bastante confuso e não cristão.
Em minha compreensão, o Reino de Deus está ligado a uma dimensão espiritual, a um estado de coisas holístico e não a um sistema humano. No mundo moderno, existem diversos sistemas para governar e manter a ordem de grupos e nações. Em todos eles, praticamente, existe a incidência da hierarquia!
Hierarquia, segundo o Aurélio, é a “ordem e subordinação dos poderes, categorias, patentes e dignidades: a hierarquia eclesiástica. / Qualquer classificação que tenha como base as relações entre superiores e dependentes. / Qualquer classificação por ordem: hierarquia de valores”.
Numa hierarquia há maiores e menores, há caciques e índios, chefes e subalternos, há os que mandam e os que obedecem. Profetizando, portanto, digo que a hierarquização é um crime contra a vida de Deus na Igreja. Por quê?
Porque no Reino pregado e proclamado pelo Cristo não “há grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre” (Colossenses); “nem macho, nem fêmea” (Gálatas); “não há acepção de pessoas” (Romanos) e “se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado” (Tiago); pois no Reino implantado por Jesus na terra, todos “tinham tudo em comum” (Atos).
Ou seja, eram todos iguais!
O maior legado cristão deixado ao sistema deste mundo é a igualdade fraternal. A igreja, a comunidade (onde todos têm tudo em comum), não estão submetidos aos sistemas deste mundo, sejam eles quais forem. Não somos comunistas, socialistas, capitalistas… não temos um regime autoritário, nem pseudo-democrático, nem possuímos um parlamento, um senado… somos irmãos, somos uma família.
É o que diz Paulo aos Efésios, somos “a família de Deus”! Jesus quando nos ensina a orar, começa sua oração chamando Deus de Pai, não de Senhor, como se fôssemos seus escravos, nem de Rei, como se fôssemos seus súditos, mas de Pai, porque somos seus filhos.
“Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai” (Romanos).
Acredito que essa utopia que ora prego é o fruto verdadeiro da revelação do Reino de Deus que deve iluminar o interior de cada filho e filha em Cristo. O contrário disso é religião, paganização da verdade, des-organização da vida original em favor de formação de clero (hierarquia).
Sei que muitos de nós têm passado por profundas crises de credibilidade acerca da comunidade e da koinonia. É fato que a igreja está em crise de identidade e precisa se reformar. Pra mim, no entanto, para que uma ampla reforma seja iniciada, o primeiro passo a ser dado é a proclamação do fim do clero e a volta à fraternidade; o fim do título e a volta ao serviço.
Sugiro o retorno á família e o fim dos impérios religiosos!