Mauricinhos e patricinhas da classe média alta, estudantes da USP, participam de protestos violentos na Avenida Paulista e depois retornam ao conforto do lar em Higienópolis. Botam fogo em ônibus e depois vão para Paris de classe executiva.
O fenômeno do esquerdismo de classe média é esmiuçado com inteligência e humor pelo economista Rodrigo Constantino no (excelente) livro “Esquerda Caviar”.
O termo é uma expressão portuguesa usada para se referir a essa gente rica que faz festas elitizadas, mas com temas sociais (“onde está Amarildo?”), que defende Cuba, mas prefere as férias em Paris e diz que adora os pobres – desde que os pobres não sejam conservadores.
“Abraçar utopias e salvar o Planeta sem ter que sair do boteco chique é uma maneira de se manter puro. O discurso messiânico secular é uma alternativa para se fugir do risco da ação e, ao mesmo tempo, conquistar aplausos fáceis”
Quando se trata do meio evangélico, em livre adaptação, falamos de gente que “abraça utopias e quer ‘salvar o Planeta’ sem ter que sair do templo chique”. Templos bonitos e distantes da periferia, que parecem agências bancárias para a clientela VIP.
A esquerda caviar evangélica geralmente se reúne em hotéis ou templos chiques. Você não vai encontrá-la em uma igrejinha em Itaquera. É igual ao Chico Buarque: adora um comunismo básico, mas prefere aderir à distância. Adere a tudo sem ter que sair do apê no Leblon.
Você já foi em um encontro chique da esquerda caviar evangélica? Normalmente é um seminário que pretende discutir coisas como “o ambientalismo e a Cruz”. Eu já tentei ir, por curiosidade mórbida, mas é tudo muito caro, coisa de classe média.
Mas o que é a esquerda caviar evangélica?
São teólogos, pastores, líderes e crentes em geral que vendem a imagem de caras legais, ponderados e, é claro, bem-intencionados, mas que têm ditadores de estimação e vivem confundindo Jesus com o assassino Che Guevara.
Fiquei chocado quando vi em uma chique igreja batista de São Paulo, dessas que parecem agência bancará VIP, um seminário sobre os “deveres morais do cristão do século 20”. Nas fotos do evento vi cartazes estampando algumas frases de Che.
Como se sabe, o bondoso Che não escondia o desejo de matar.
“Che Guevara, curiosamente retratado por alguns como pacifista, deixou registrado em seu diário sua euforia pelo odor de sangue, explicitando sua vontade de matar.”
Tudo se explica. O guerrilheiro comunista matava e gostava de matar, mas era bem intencionado. O que importa é que está no seu coraçãozinho! Quando fuzilava alguém, Che pensava no bem coletivo e na paz mundial.
É claro que a esquerda caviar evangélica nega qualquer ligação com fuzilamentos, paredões, ditadores e guerrilheiros. Eles apoiam tudo apenas no plano teológico, ou teórico-poético, que é pra não sujar o shortinho.
O que justifica todo esse comportamento patético? Uma ideologia que se mira apenas nas boas intenções, ignorando os resultados concretos daquilo que se prega.
“Ao defender um ponto de chegada impossível e inatingível, protegem-se de qualquer crítica do mundo real. Basta repetir que nenhuma dessas tragédias cometidas em nome de sua ideologia representa de fato o que defendem.”
Os venezuelanos estão revoltados com a falta de papel higiênico? Ora, isso significa apenas que o chavismo precisa se avançar mais para destruir os resquícios de inibições burguesas na Venezuela, afinal de contas, todos podem se virar na própria natureza!
Os “pastores” da esquerda caviar, em geral, sofrem de temperamento explosivo e têm um passado repleto de confusões. Eles se dizem traídos pelos outros. E esses “outros” se dizem traídos por eles. Ainda assim, acreditam que um belo dia a humanidade vai se curar sozinha e construir um Paraíso na Terra no qual todos serão felizes para sempre.
Dizem que são cristãos, mas acreditam que o Paraíso se faz com mãos humanas. Por isso são tão “confundidos”, coitadinhos, com os marxistas, que pensam exatamente o mesmo!
Para Raymond Aron, o marxismo virou uma espécie de religião secular, prometendo o paraíso terrestre em vez daquele pos-mortem glorioso pregado pelo cristianismo.
“Quando Chávez finalmente bateu as botas de militar golpista, a histeria foi incrível, e Ahmadinejad chegou a compará-lo com Jesus Cristo! Seus fãs deixaram transparecer o quanto sua ideologia é uma substituta para religião”, notou o autor de “Esquerda Caviar”.
Os evangélicos que aderem a esse frenesi ideológico estão mais próximos do comportamento fundamentalista e hostil do que os marxistas ateus. Ao se enxergarem como seres moralmente superiores, os esquerdistas evangélicos passam a agir como tratores humanos contra os divergentes.
Quando critiquei um dos baluartes da esquerda caviar evangélica, choveram contra mim acusações de insensibilidade. Todos lembraram que o sujeito em questão é muito bem intencionado – apesar de ter declarado apoio a um caudilho e ao seu regime ditatorial. O sujeito apoia um ditador, mas o insensível sou eu, é claro!
Imagine se o cara fosse mal intencionado! Os seguidores do bondoso pastor não aceitam que seu ídolo tão cheio de amor seja chamado pelo nome e cobrado por apoiar algo tão nefasto quanto uma ditadura. Contradição é o que não falta.
A esquerda caviar evangélica vive falando dos pobres, dos humildes, dos oprimidos, mas odeia os neopentecostais. Não suporta a ideia de crentes conservadores nas periferias, que não votam no PT porque são contra o aborto.
No meio evangélico temos líderes super-engajados em construir o mundo perfeito, que vivem falando no bem coletivo, mas que fracassaram em seus próprios casamentos. Eles sonham com a perfeita harmonia, mas não a alcançaram dentro de casa.
É muito fácil o sujeito trombetear aos quatro ventos que devemos sempre pensar no coletivo, exigir que sigamos seu comunismo espiritual chique, mas, na sua vida particular, permanecer incapaz de manter as relações humanas mais básicas.
Isso se chama hipocrisia. É o codinome da esquerda caviar.