Velozes & Furiosos: o Alter Ego norte-americano
Uma crítica e reflexão ao Estilo de Vida Norte Americano por Dilson Cunha
Os norte-americanos tem um alter ego coletivo: o cinema hollywoodiano.
A recente morte do simpático ator Paul Walker demonstrou isso. De novo. Aqui e ali ouve-se um “oh!” de espanto de um de seus fãs. Ouvi um deles na TV ter dito: como isso foi possível?
A pergunta correta é outra: como não seria?
Dois amigos velozes – talvez não furiosos – num Porsche a 160km/h (o carro alcança até 330 km/h, 30km a menos que um carro de fórmula 1) numa via em que a velocidade máxima permitida é de 72km/h, perdem o controle, batem num poste e numa árvore e o carro, com uma suspeita de vazamento de fluido perto da maquinaria do veículo, explode. A violência foi tanta que amigos que vinham atrás até tentaram apagar as chamas. Em vão. Em poucos segundos tudo foi reduzido a cinzas.
Sabendo disso, não cabe mais perguntar “como foi possível?”. Se um deles tivesse escapado com vida, sim, caberia a pergunta.
Mas americano que é americano transita entre o real e o imaginário. Alguns nova-iorquinos disseram pensar tratar-se de um efeito cinematográfico os primeiros segundos após o fatídico ataque às torres gêmeas em 2001. Ainda assim, o que não era cinematográfico ante, tornou-se assim depois: o governo deu ares de cinema à caçada a Osama Bin Laden e à invasão covarde ao Iraque.
Os filmes americanos, diferentemente dos europeus, sempre terminam depois que já deveriam ter terminado. Há um delay do fim. Há sempre uma lição clichê, uma mensagenzinha para depois. Um certo “Olha, meus filhos…” , e lá vai um discurso moralista. Por isso americano odeia Hanecke, Lars Von Trier e o compatriota Woody Allen. Falta neles esse “depois”, esse final que adocica a vida. O fast-movie-food americano (com todos os seus méritos, lógico) não se conforma com finais trágicos. Aliás, mesmo os trágicos têm um final depois do final. Tudo se explica, tudo se concatena, tudo tem um “por quê”.
Nessa, até “Os Simpsons” dançaram. Os republicanos os escorraçaram. “Não é um desenho para a família americana”, vociferou certa vez o Bush pai. Preocupado, talvez, com a má influência do desenho à formação de seu guri, o Bush Filho. “Vai que esse menino um dia se torne presidente e resolva fazer alguma besteira!”… E mandou o menino assistir ao He-man…
Então, quando alguém de carne e osso – sujeito às mesmas leis da física e às mesmas leis de trânsito que normatizam a vida de todo mundo – transgredindo essas mesmas leis – conscientemente ou não, deliberadamente ou não – morre, sendo um astro de cinema, como o Paul Walker, ou o tendo o fato proporções cinematográficas, como o 11 de setembro,, o fim decorrente da natureza das coisas decepciona e a pergunta – “como pode?” – escapa naturalmente.
Os EUA e sua visão platônica de vida: Os super invencíveis americanos?
O furacão Katrina, em 2005, com suas mil vítimas fatais, com seus mais de um milhão de desabrigados e bilhões de dólares em prejuízos, foi pedagógico no sentido de permitir aos americanos que se vissem fora da caverna platônica do cinema. Platão ao contrário. Não só eles como de resto o mundo que se também serve da imagética hollywoodiana teve a visão edênica dos EUA abalada para sempre. Não que isso tenha sido o suficiente para fazê-los entenderem que a vida quase sempre não imita a arte.
O Super Homem morreu na queda de um cavalo. Bandon Lee, filho de Bruce, morreu com uma bala falso-verdadeira durante as filmagens de “O corvo”. Kennedy foi alvejado numa via em Dallas enquanto desfilava num Lincoln Continental conversível. E por falar em Lincoln, Lincoln, o presidente, morreu durante a encenação de uma peça no teatro Ford.
Conta-se que, mesmo antes de haver cinema, foi tudo cinematográfico: o ator John Wilkes Booth, tendo o alvejado com apenas um tiro na nuca enquanto o presidente assistia a uma leve peça teatral, pulou para o palco de uma altura de 4 metros e teatralmente gritou “Sic semper tyrannis” (Assim sempre ocorre com os tiranos). Assim mesmo: em latim! Repetindo na língua original a frase com que Brutus comemorara a morte do imperador Júlio César. Booth havia representado tempos atrás o papel do tirano romano que morrera pelas mãos de Brutus, mas fora Brutus, o assassino, quem o emulara! Esse seria o maior papel de Booth em toda sua carreira. Ele deixou o teatro mancando, pois fraturara a perna no salto e fugiu a cavalo. Que cena! Foi teatral à época, como seria cinematográfico hoje.
A fantasia invadiu a realidade! E assim nasceu o alter ego coletivo norte-americano. Onde a vida perde o chão e os finais felizes são palatáveis. A desgraça toda é quando a realidade invade a fantasia, como a bala falso-verdadeira que matou Brandon Lee, ou o cavalo troteiro que matou Christopher Reeve, ou a asfixia autoerótica que matou David Carradine, ou o vôo noturno e inconsequente que matou John John, ou as cinco balas de Chapman, o cortesão, que mataram seu ídolo John Lennon na porta do edifício Dakota, ou as pílulas a mais que mataram Michael Jackson, ou a morte dos quase três mil nas torres gêmeas em Nova Iorque.
No mais, se me permitem o trocadilho, aqui por estas paragens todos somos, de um jeito ou de outro, um “walker”. Nada mais, nada menos. E não há alter ego que diga o contrário.
Dilson Cunha
03/12/13