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Teologia da Prosperidade & Marxismo: encontros e desencontros

Atribuída ao alemão Karl Marx, a frase “a religião é o ópio do povo” surge em decorrência de uma análise da influência e superioridade do Catolicismo Romano sob a população dos séculos XVIII e XIX. Baseados no Absolutismo monárquico, França e Inglaterra destacam-se pela manutenção do estamento social, característico do período medieval. Em uma ponta havia o clero, e na outra o “povo”. Embora detentor de privilégios, o clero impunha à grande massa de trabalhadores “esperanças futuras” – e, também neste sentido, o próprio protestantismo destacava-se como difusor da ideia de “esperança de uma vida melhor no Paraíso, no Reino dos céus”. Ao mesmo tempo, apenas três por cento da sociedade francesa desfrutava dos “bens da terra” antes de 1789, mas características estruturais ainda permanecem pelo século XIX de Marx e Engels

Marx, e outros pensadores contemporâneos, como Bauer e Fauerbach, passaram a entender a Religião como um obstáculo ao progresso social. Obviamente que eles partem de um contexto de sua época, do distanciamento entre o clero e os camponeses. Interpretações posteriores, feitas por russos, chineses e coreanos deram um “novo sentido” ao pensamento defendido pelos filósofos, porém sem um entendimento claro do novo contexto que se desenvolvia no começo do século XX. A Religião já não mais possuía a mesma influência que no período medieval e absolutista, sendo finalmente confrontada com a contínua independência dos países, de seus líderes, de suas estruturas, do aumento do nominalismo e ateísmo, particularmente na Europa ocidental e EUA.

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Na verdade, as críticas ao domínio religioso partem inicialmente dos renascentistas, passando pelos enciclopedistas, anteriores ao pensamento que começa a se desenvolver a partir da análise das consequências da Revolução Industrial (1760). Dessa forma, não somente Baur, Fauerbach, Marx e Engels destacam-se como críticos da “alienação religiosa”, mas são amparados por centenas de outros pensadores, artistas, dramaturgos, intelectuais. O próprio movimento atual – que, aliás, é amparado no Laicismo, Liberalismo -, também exerce forte oposição à Religião, no sentido em que pauta pela total laicidade do Estado, promoção de grupos sociais discriminados em alguns círculos da sociedade, ensino público laico e científico (Darwinismo). Enfim, a Religião tem sido alvo de uma série de contestações ao longo dos séculos, embora se possa acrescentar que a campanha republicana, liberal, de livre opção religiosa é um avanço que deve ser mantido, preservado.

De que maneira se pode analisar a teologia da prosperidade com base no pensamento de Marx e de seus semelhantes? Embora o mundo de hoje possua inúmeras diferenças daquele do começo da segunda metade do século XIX, a Religião ainda é entendida por alguns grupos como um “ópio”, um “escape”, ou uma “reinterpretação da desigualdade social”, em que o fiel é estimulado a se preparar para o “mundo vindouro”, seja ele no paraíso, na terra ou em outro planeta. Logo, a habitação precária, o baixo salário, as humilhações sociais, são recompensadas com promessas de uma “nova morada”, digna e igualitária no “Paraíso”. O neopentecostalismo – diferente das denominações pentecostais – estimula seus fieis a focarem no presente, na prosperidade, no adquirir melhores condições de habitação, de salário, de posição e dignidade social, econômica.

Se o que Baur, Fauerbach, Marx e Engels propunham era uma diminuição ou eliminação do efeito anestésico promovido pela Religião, a Teologia da Prosperidade caminha na contramão ao criticado pelos pensadores. Em outras palavras, a TP atende mais aos interesses temporais, contextuais, de seus praticantes. Pelo menos no que se refere ao período contemporâneo, as igrejas neopentecostais se distanciam das que postulam por uma vida melhor, duradoura, no Paraíso de Deus. Finalmente, e embora a TP tenha características predominantemente capitalistas, de consumo desenfreado, atende em parte os interesses temporais dos pensadores materialistas do século XIX. Tal não significa, no entanto, que a TP – representada pelas igrejas neopentecostais – tenha qualquer envolvimento com socialistas ou liberais, mas sua visão contextualizada dos problemas que envolvem seus adeptos a transforma em uma religião de interesse social.

Entendemos por interesse social algo não necessariamente popular, das classes menos abastadas da sociedade, mas sim direcionado aos interesses contextuais dos praticantes da TP e de suas congêneres. Igrejas como a Mundial do Poder de Deus e a Internacional da Graça de Deus funcionariam, portanto, como agências de “cura divina”, movimentos interessados não na “salvação futura”, mas na oferta de soluções mágico-espirituais para seus frequentadores. Dessa forma, quem recorre a IMPD e IIGD tem como objetivo inicial – e muitas vezes “único” – cura para suas enfermidades e moléstias. A característica anestésica – exemplificada por Marx com base no Ópio – não se aplica às igrejas neopentecostais, pelas características temporais acima apresentadas. Não é o que acontece em igrejas pentecostais, como a Deus é Amor que, apesar de pautar pela “cura” de seus membros, focaliza o futuro, os benefícios celestes, divinos.

Ao propor, segundo os pensadores dos séculos XVIII e XIX, “recompensas futuras” para os males temporais, a Religião submete seus adeptos aos interesses da Oligarquia que constantemente a exploram, os dominam abertamente. Trata-se de um pensamento de certa forma descontextualizado, se comparado com a realidade medieval e absolutista – particularmente da França dos estamentos. Por outro lado, uma religião se torna destrutiva na medida em que tira de seus adeptos sua capacidade de vida presente, dos benefícios temporáis que a vida possa lhe oferecer, ou que induzem a cometer barbáries com promessas de um “paraíso de deleite sexual”. É uma realidade, embora não generalizada, do que se pode chamar de “influência religiosa não positiva”. A Religião tem sim uma função social positiva e deve ser preservada de toda e qualquer influência política ou de oposição. É preciso, portanto, dar garantias de funcionamento, de liberdade de expressão religiosa, mesmo que contrária ao entendimento político, dominante. Erros cometidos na antiga União Soviética não devem mais ser tolerados, admitidos pelo estado democrático.

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