“E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que lhe tocasse. E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como árvores que andam. Depois tornou a pôr-lhe as mãos nos olhos, e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido, e já via ao longe e distintamente a todos. E mandou-o Jesus embora para casa, recomendando-lhe: Não entres na aldeia.”.
Este fragmento acima, extraído do Evangelho de Marcos, traz algo inusitado. Uma situação diferente das muitas outras em que Jesus protagonizou algum milagre de cura.
Essa foi uma cura diferente, para a qual foi necessário haver “um toque a mais” do Senhor na vida daquele homem que estava em Betsaida.
A aldeia, terra natal de Pedro, André e Felipe, cujo nome significa em hebraico “Casa de pesca”, foi uma das que entristeceram Jesus. O Senhor chegou a dizer em outra ocasião “ai de ti Betsaida…”, bradando contra aquele povoado.
Sempre ouvir dizer que não há limites para o agir do Senhor, mas o fato é que este texto comprova o contrário. Existem coisas que Jesus não pode fazer! Interessante que, mesmo sendo Deus e, nós como evangélicos que somos, crendo que um dos atributos de Deus é sua onipotência, vemos aqui um Jesus limitado por forças exteriores.
Entendo que o fator externo que limitou a ação poderosa de Jesus naquele homem é clarificado pelo próprio texto de Marcos 8, que também diz: “Ainda não considerastes, nem compreendestes? Tendes o coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis?”.
Descobri o que Jesus tinha contra Betsaida: eles eram burros, tapados, desprovidos de inteligência e capacidade de perceber Deus entre eles. Isto também pode ser chamado, de forma mais delicada, de falta de fé (o que, por fim, é a mesma coisa).
A fé, embora muitos digam o contrário, é uma luminância interior, capaz de nos fazer perceber a obra de Deus em nós, perto de nós. Não significa um salto cego, obscuro, é o oposto disso, é uma caminhada embebida em convicções, direções e destinos certeiros.
Também não significa ausência total de medo, insegurança ou dificuldades na jornada. Não, isso é síndrome de super heróis, não é humano, tampouco se encaixa no que observo por fé cristã.
A prova de que a fé não é um poder triunfante dos super heróis cristãos, é que ela leva os que crêem a “vencer reinos, praticar a justiça, alcançar promessas, fechar as bocas dos leões” (Hebreus 11:33), mas também a “experimentar escárnios, açoites, cadeias, prisões, ser apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio da espada; andar vestidos com roupas indignas, desamparados, aflitos, maltratados e o que é pior, não alcançar as promessas” (Hebreus 11:36-39).
Assim é a fé, a da Bíblia, a do Cristo que conduziu Ele próprio por um caminho certo, seguro e firme até sua própria morte, na cruz.
Voltando ao Cego, Jesus, pela fé, cuspiu em seus olhos e perguntou: “está enxergando?”, mas ele via tudo embaçado. Haviam ainda defeitos em sua vista, em sua forma de ver as coisas, pois ele via pessoas como se fossem árvores.
Ora, pessoas são pessoas, árvores são árvores! Uma não tem nada a ver com a outra e essa visão distorcida da realidade, pode ser encarada como uma fé distorcida.
Muitos cristãos, receberam o primeiro toque, vêem as coisas mais ou menos, aprenderam alguns rudimentos da fé, decoraram alguns versículos e textos chaves, possuem certo poder de argumentação, mas essencialmente enxergam tudo distorcido. Tão distorcido que não saberiam diferenciar uma pessoa de uma árvore!
Esta pode ser a sua visão espiritual hoje! Você nem consegue ver as pessoas. Você se pergunta: “por que não sou capaz de amar? Por que pareço não me importar com os outros?” Bem, sinto em lhe dizer, mas você ainda está cego e precisa de um segundo toque de Jesus, pois ve pessoas como se fossem “coisas”.
No entanto, antes desse toque, é necessário sair de Betsaida, pois lá não há fé e é um lugar que limita o agir do Senhor. Ou seja, você não pode permanecer num ambiente onde as pessoas são tapadas espiritualmente. Gente com “o coração endurecido, que têm olhos, mas não vêem, têm ouvidos, mas não ouvem”.
Após isso, abra seu coração e receba um “novo toque das mãos de Jesus”, uma operação direta do Messias em seus olhos e, daí por diante, siga seu caminho novo e vivo, enxergando da forma como deve enxergar, ou seja, pela fé. A fé real, a fé que vem do Senhor, que ilumina, que capacita, que apoia na hora da luta e que equilibra nos momentos de conquista.
Mas lembre-se: não entre de volta na Aldeia dos sem fé! Saia do meio dos tapados, dos burros, dos ignotos, dos que não têm fé. Saia fora de Betsaida, pois eles se dizem “Casa da Pesca”, mas não pescam mais nada. Pedro, André e Felipe saíram de lá, até Jesus andou por lá, mas hoje, de lá não sai mais nada.