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Religião se discute sim!

Amo Deus, amo a Igreja, amo teologia. Minha vida gira em torno disso. Gosto de ler sobre o assunto e lembro até hoje o dia em que comecei a pensar por mim mesmo e não segundo a cabeça de outros: quando alguém disse “religião, futebol e política não se discutem” e eu respondi “é claro que se discutem!”. Tomei um susto com o som da minha própria voz. Sim, eu havia descoberto que é possível fugir dos clichês e usar o proprio raciocínio. E, acima de tudo, eu havia refletido sobre essa afirmação infundada: esqueça futebol e política – que também se discutem, basta ver as dezenas de mesas redondas de domingo à noite e os debates entre candidatos – vamos nos concentrar apenas em religião. Sim, religião se discute. Aliás, se não se discutisse religião, o mundo hoje não seria como é. Naquele dia fiquei feliz. Descobri que clichês e que a ideia de que não se toca no assunto “fé” eram apenas mais dois erros da cultura popular.

Hoje estreio aqui no Gospel+ com a intenção de dialogar, debater e…discutir (não no sentido negativo, mas no de “conversar sobre”) religião. Pois é claro que religião se discute. E, antes que os queridos irmãos que falam que “religião” é o grande bicho papão caiam em cima de mim por eu estar usando esse termo, vamos estabelecer uma coisa: deixem de ser implicantes e entendam que o termo “religião” não é um palavrão, que não ofende, que é bíblico (1 Tm 5.4 (versão NVI); Tg 1.26, 27) e que significa relacionamento entre homem e Deus (do latim religare). Ou seja, tem diversas outras acepções além daquilo que esse grupo tanto odeia, que na verdade não é “religião”, mas “legalismo”, “religiosidade”, “despotismo” ou outros conceitos do gênero. Mas pegaram essa pobre palavra inocente para judas. Então, para conversarmos como adultos, deixemos de lado esse preconceito pueril contra a palavra “religião” e a usemos como aquilo que ela de fato significa.

Portanto sim: eu sou religioso quando oro (me ligo a Deus). Sou religioso quando celebro a Ceia (ligo pela memória a minha mente ao sacrifício de Cristo). Sou religioso quando louvo (exalto com meus lábios o soberano). Sou religioso quando respiro (pois tudo o que faço depende de Deus, logo, estou constantemente em contato com o que dá fôlego de vida). No Céu seremos religiosos, pois continuaremos nos relacionando com o Onipotente. Não quer religião? O ateísmo está aí para satisfazê-lo.

Tendo definido o que religião de fato é, para evitar perder tempo com discussões inúteis com quem tem irritações com essa palavra, voltemos ao que importa: religião sim se discute. Peguemos Jesus como primeiro exemplo. Quando você lê os quatro evangelhos (você já leu os quatro inteiros antes de discutir sobre Jesus?), vê claramente, sem sombra de dúvida, nitidamente que Jesus em diferentes ocasiões discutiu religião. No Sermão do Monte, no episódio da mulher adúltera, quando vieram lhe perguntar sobre o divórcio, na casa de fariseus, com Nicodemos… enfim, o próprio Mestre não era Mestre à toa: não se ensina nada se você não discute o assunto. Para ensinar as boas-novas o Messias teve de discutir religião.

Entre os apóstolos, idem. Vemos em Atos o primeiro concílio, em Jerusalém, onde a questão dos judaizantes foi posta em debate. Vemos Paulo em argumentações com Pedro. Filipe debatendo religião com o eunuco etíope. Numerosas ocasiões em que os apóstolos tiveram de debater com as autoridades. E garanto que o assunto não era Big Brother Brasil: era religião.

Ultrapassamos o primeiro século de Igreja e chegamos à era dos patriarcas. Meu Deus, como se discutiu religião nessa Era! Havia os polemistas e os apologetas. Eram discussões sem fim dentro dos quadros do Cristianismo e entre cristãos e hereges. Havia os que se consideravam cristãos mas distorciam a sã doutrina, em doutrinas como nestorianismo, adocionismo, eutiquianismo, gnosticismo, arianismo, marcionismo, ebionismo, docetismo, monofisismo, sabelianismo e muitas outras linhas de pensamento entre cristãos que distorciam a natureza de Cristo, mudavam a ortodoxia sobre a Trindade e outros pontos de fé. E adivinha como a Igreja debelou essas heresias e estabeleceu aquilo que entendemos hoje como “Cristianismo”? Pois é… discutindo religião.

Você hoje acredita que Jesus é “100% homem, 100% Deus”? Acredita que “Pai, Filho e Espírito Santo são três pessoas, um só Deus”? De onde você acha que esses conceitos surgiram? Talvez você não saiba, mas muitos dos primeiros cristãos não acreditavam nisso. Foi devido à formação do primeiro cânon herético, elaborado por iniciativa de um homem chamado Marcion, que os ortodoxos se reuniram para discutir religião e estabelecer quais livros eram de fato inspirados pelo Espírito Santo – e assim nasceu a Bíblia que hoje você carrega em suas mãos. Sim, foram necessários concílios, sínodos, debates, livros, controvérsias e muita discussão sobre religião para que hoje a Igreja creia no que crê. Inclusive os cristãos que dizem que religião não se discute. Inclusive quem fala “Jesus sim, religião não”. Inclusive você.

Os séculos se passaram. Atanásio discutiu com Ário. Agostinho discutiu com Pelágio. Lutero discutiu com o papa Leão X. E, sim, discutiram religião. Assim, o Cristianismo foi tomando forma, ganhando corpo até chegar aos nossos dias. E, adivinhe só? Continuamos discutindo religião. Normal. Natural, se feito com educação e polidez cristãs. As dúvidas surgem, visões diferentes brotam…vamos conversar sobre elas. Estão aí os congressos, os eventos, as redes sociais, os blogs e tantas outras mídias onde atualmente, na era tecnológica, damos continuidade à tradição que Jesus iniciou: discutir religião.

Mas há um aspecto peculiar em tudo isso. Bem peculiar. Quando Deus se revelou a nós tenho certeza que em sua onisciência Ele já sabia que todas essas discussões haveria. E ainda assim revelou-se de forma misteriosa, deixando margem para montes de especulações, divergências, debates, conflitos de opinião. E Deus sempre soube que, por mais que debatamos, jamais chegaremos a uma percepção absoluta de seu Ser. Pois Deus é incognoscível. Impossível para a minha e a sua mentes humanas conhecer o Criador do universo integralmente. O artesão que esculpiu supernovas e buracos negros também criou as menores partículas da matéria, os quarks, os top quarks e as leis até hoje inexplicadas da natureza.

Enquanto isso, nós, homens larvares e limitados, não conseguimos ainda chegar ao ponto mais profundo dos oceanos, mandar uma sonda para fora do sistema solar ou curar a Aids. E, interessantemente, cismamos em desvendar esse Ser magnífico, que desafia nossa mente por não ter início ou fim, que consegue ver tudo, saber de tudo, estar em todo lugar, visitar os abismos de nosso coração e as profundezas de nossa mente, que criou-nos conhecendo o fim da história e que tem um amor inexplicável por esses seres absurdamente desobedientes e desastrosamente ignóbeis como nós.

Não, meu querido, minha querida, Deus não é nada simples. Todavia, discutir sobre Deus é maravilhoso. Discutir sobre religião é maravilhoso, pois trata dos assuntos ligados ao nosso relacionamento com esse Ser maravilhoso. Mais do que isso, discutir sobre Ele é fundamental. Ele se revelou não para ser esquecido ou para ser um sobre o qual não falamos. Pelo contrário. Deus se revelou para que nos relacionássemos com Ele, para que Ele fosse o centro da nossa conversa, para que nossa vida girasse em torno de sua pessoa. Jesus não disse que onde houvesse dois ou mais reunidos em Seu nome Ele ali estaria porque não queria ou esperava que nos reuníssemos em Seu nome. Suas palavras deixam claro que isso é desejável a Ele. Basta nos juntarmos para falar sobre Deus e Ele se fará presente. Que coisa magnífica, incompreensível e arrebatadora! Jesus deixou-nos a Ceia e falou: fazei isso em memória de mim. Ou seja: lembrem-se de mim! Tragam-me à roda!

Não, jamais conseguirei entender Deus. Jamais. Talvez nem quando o vir face a face terei pleno entendimento de seu Ser, Sua essência, Sua natureza… não sei, é um mistério não revelado. Deus é o grande Eu Sou. Mas, para mim, também é o grande Não Sei. Pois ignoro quase tudo sobre Ele. Arranho a superfície. Amo discutir sobre o pouco que sei. Mas sei pouco. No entanto, de uma coisa tenho certeza: se um dia Ele me permitir chegar à Sua presença, na Jerusalém Celestial, e ter alguns momentos de conversa, vamos bater um papo animado sobre religião, vivendo a mais pura expressão de religião que há: Criador e criatura, Pai e filho, juntos, se religando em amor.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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