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“A religião é o ópio do povo”; uma análise sociológica

Passados 130 anos da morte do alemão Karl Marx (1818-1883), a frase pela a qual ficou conhecido – “a religião é o ópio do povo” -, continua sendo explorada por pesquisadores e lideres religiosos de diversos seguimentos. Mas que queria dizer Marx ao comparar a religião com o ópio? Ao mesmo tempo, seria o autor um oposicionista à fé pessoal, a crença familiar em uma divindade, em uma tradição religiosa qualquer? Primeiro, há de se considerar o fato de que o autor alemão provinha de uma família judaica e que, com o passar dos anos, optou pelo ateísmo; sua opção pelo ateísmo não se deu em decorrência de alguma insatisfação religiosa, mas a partir de uma constatação sociológica, de uma análise dos impactos da religião na vida de um adepto.

Segundo, Marx era senão uma expressão racionalista de sua época, produto de uma série de questionamentos ao domínio religioso na educação, ciência, cultura etc., que começa a partir do Renascimento e tem seu pico com o Iluminismo, quando pensadores ingleses, a partir de 1680, trazem à tona novas críticas à Igreja. Na verdade, grande parte dos pensadores – ingleses, alemães, franceses – reproduzem em suas análises uma insatisfação popular, em resposta ao obscurecimento medieval e absolutista da Igreja Católica. A Revolução Francesa (1789) foi uma das expressões iluministas e que ocorreu em face de um repúdio aos privilégios do clero que, à época, compunha o primeiro estado, seguido pela nobreza, que constituía o segundo estado.

Camponeses, mineiros, artesões, a pequena e a média burguesia compunham, de fato, o motor que fazia com que a economia funcionasse, mas se viam desprivilegiados pelo o fato de que eram os únicos a pagar a totalidade dos impostos, enquanto o primeiro e o segundo estado vivia em deleites, à custa do trabalho do terceiro – este último com cerca de 22 milhões de pessoas, contra os 100 mil clérigos e 400 mil nobres. A Revolução Francesa ocorre, portanto, em decorrência ao absolutismo do primeiro e do segundo estamento, à ausência de democracia, de participação popular no Governo. Ao mesmo tempo, operários ingleses manifestavam descrédito com relação à política e à religião, entendidas por alguns como “instrumentos de domínio” que se revezam e se articulam objetivando a manutenção do Poder, dos benefícios econômicos – a dobradinha entre a coroa portuguesa e o catolicismo pode ser citada como exemplo.

Decorrente de todas as aventuras e desventuras dos clérigos católicos ao longo dos últimos 1400 anos antes de Marx, Engels, Bauer, Feuerbach etc., os pensadores europeus da metade do século XIX passaram a entender a Religião como um obstáculo ao progresso científico, cultural, educacional, econômico, popular. A religião não mais era entendida como um canal de comunhão, de relacionamento com o sagrado, mas como um dos vários meios de domínio, de pacificação – a popularização do Football é descrita por Henrique Nielsen Neto (1986:193) como outro meio encontrado pela classe dominante inglesa de “impedir a organização política dos operários”. É, talvez, daí que se desenvolve a ideia de que “futebol, política e religião não se discutem!” dada à diversidade de pensamentos, de opiniões, de opções sociais, ideológicas, religiosas.

Karl Marx, ao analisar a situação dos operários ingleses e a doutrinação religiosa por eles sofrida, passa associar a religião ao ópio – uma substância alucinógena de origem asiática e consumida nos subúrbios de Londres, inclusive por operários que buscavam alternativas à rotina desgastante das fábricas. Para Marx a religião tira do homem a capacidade de compreensão, de análise da materialidade, do chão da fábrica, da periferia. Sua análise, na verdade, aparece como uma continuação aos estudos de Ludwig Feuerbach (1804-1872), contemporâneo, conhecido por sua teologia humanista. Feuerbach entendia que a alienação religiosa faz parte de uma engrenagem ou teoria teológica que busca o sentido da razão e da existência do homem no mundo, em uma tentativa de compreensão da realidade a partir da espiritualidade, do sagrado. Tanto Marx, quanto Ludwig Feuerbach sai em defesa do antropocentrismo, da racionalidade.

“A religião é um patrimônio, um direito de todo cidadão, que não deve ser reprimida pelo estado republicano (…) A religião faz parte da humanidade, presente nas comunidades mais primitivas” (JOHNNY BERNARDO)

Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de O Príncipe (1532), desde o século XVI tem sido objeto de centenas de escritos, análises, monografias, em que é criticado, tratado como homem sem princípios, irreverente, imoral, pérfido, destruidor de leis, mas também elogiado pela a sua capacidade política, estratégica. De certa forma há questões discutíveis em O Príncipe, mas há se destacar o fato de que o autor compõe sua obra em um período em que o sentido de democracia, de humanidade, era desconhecido de sua geração – principalmente diante do fato de que o autor compõe sua análise em uma época, diríamos, obscura, de trevas, de influência continental do catolicismo romano. Atualmente, com as convenções, as cartilhas, a democracia, o respeito ao próximo é um dever internacional, de todos os povos, de todas as culturas. Igualmente, Marx e Feuerbach partem de uma questão que estava em voga na época, de descontentamento e descrédito com relação à religião, ao domínio desta na sociedade.

Hoje sabemos que a crença religiosa é um patrimônio, um direito de todo cidadão, que não deve ser reprimida pelo estado republicano, mesmo que contrária a pressupostos científicos, filosóficos ou sociológicos. A religião faz parte da humanidade, presente nas comunidades mais primitivas. Marx, Weber, Hegel, Feuerbach foram interpretados de diversas formas nas últimas décadas, muitas das vezes de forma equivocada, sem contextualização, que culminou em tragédias, violações aos direitos humanos, cerceamento de toda ordem. Há aspectos locais, nacionais, de cultura, que devem ser respeitados. Maquiavel, apesar de desonesto para os padrões contemporâneos, faz reiteradas referências a Deus, à religião em O Príncipe, enquanto Max Weber, em sua obra, A Ética Protestante e o Espírito Capitalista (1904-05), associa a ética e as ideias puritanas ao surgimento do capitalismo, mas tal não torna o protestantismo responsável pelos males do sistema capitalista.

 

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