A Rede Fale é uma organização de ativistas evangélicos.
A Fale tem denunciado os feios agrotóxicos! E a já protestou contra o terrível Marco Feliciano!
Ah, a Fale também lembra que a redução da idade penal é uma besteira porque a violência é resultado da desigualdade social (e todo aquele papo marxista).
Ufa! Que alívio!
É muito bom saber que há mentes progressistas, ativismo politicamente correto e jovens prafrentex no meio protestante!
É o tipo de coisa que você pode citar para o seu amigo de esquerda, ateu ou budista, como exemplo de que nem todos os evangélicos são jecas reacionários.
Só há uma coisa que me incomoda nos ativistas da Rede Fale: o uso de dois pesos e duas medidas na escolha de suas causas, aliados e adversários.
Quem pode falar?
A Rede Fale está apoiando o movimento nacional pela realização de um plebiscito popular. O documento divulgado aponta, entre outras coisas, para a necessidade de “democratização dos meios de comunicação” no País. O documento foi publicado pela Plenária Nacional dos Movimentos Sociais e “editado” pela Secretaria Nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
É interessante notar que para defender mais democracia na mídia a Fale se aliou a alguns dos movimentos que impediram a cubana Yoani Sánchez de falar quando esteve no Brasil. Yoani falaria sobre seu livro na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, mas o evento foi encerrado “por falta de condições de segurança”.
A livraria foi tomada de assalto por turbas que provocaram enorme tumulto para impedir a dissidente cubana de proferir sua palestra. Yoani enfrentou esse grau de hostilidade em todo lugar por onde passou, deixando um rastro de eventos cancelados. A CUT e o MST, entre várias outras, fizeram parte da “operação abafa dissidente”.
Por que será que a Rede FALE nada disse sobre o tratamento desumano que os companheiros de luta dispensaram à Yoani Sánchez quando ela esteve no Brasil?
É claro que a galera do bem da Fale não endossou a hostilidade contra a dissidente. Mas acredito que o silêncio sepulcral deles diz muito sobre muita coisa, não é mesmo?
Quem tem direito à voz no mundo ideal da Rede Fale?
As falácias da Fale
O secretário de Mobilização da Rede Fale, Caio Marçal, é uma espécie de repetidor automático de clichês politicamente corretos. No artigo “Presídios, maioridade penal e menoridade moral”, Caio põe a culpa pela violência na conta das diabólicas “elites”:
[…] grupos poderosos dentro e fora da mídia querem reduzir a maioridade penal e jogar crianças e adolescentes nessa “ante sala do inferno“ que são as cadeias no Brasil. Nossas elites preferem ainda cercar suas com muros altos com proteções eletrificadas, do que repensar as bases de nossas sociedade […]
Nada disso, caro ativista! A redução da idade penal não é uma bandeira da mídia ou da elite. Mais de 90% dos brasileiros querem redução da maioridade penal.
São milhões de cidadãos honestos que sabem que não há desculpa para o roubo e o assassinato. Nos protestos contra violência em São Paulo conheci dezenas de pessoas humildes que defendem a aplicação dura da lei não porque são impiedosas, mas porque querem o direito de viver em paz com suas famílias. Será que isso é coisa de elitista?
O secretário da Rede Fale também escreveu:
“A violência, que nega a ordem desejada por Deus, é fruto de injustiça e da desagregação. Ela sempre aparece quando é negado à pessoa aquilo que lhe é de direito a partir de sua dignidade ou quando a convivência humana é direcionada para o mal.”
Caio assume como verdade a falácia surrada da esquerda sobre a violência: a pobreza é a fonte da criminalidade. É o mesmo que dizer que todo pobre é um bandido em potencial.
A desigualdade social não pode ser uma carta branca para que canalhas desprovidos de qualquer compaixão roubem, matem e estuprem pobres ou ricos.
Por que Caio resume tudo à classe social? Será que ele entende que um indivíduo é apenas o produto do seu meio e deve ser perdoado ou punido de acordo com sua origem social?
Talvez seja por isso que a Rede Fale nunca levante sua voz para protestar quando jovens de classe média são cruelmente assassinados. Não, eu não estou sendo injusto.
Caio demonstrou piedade pelos presidiários assassinados no Maranhão – no que tem meu apoio e de todas as pessoas decentes deste País – mas a solidariedade dele e dos demais líderes da Fale parece variar de acordo com a origem social da vítima.
Nunca soube de qualquer reação da Rede Fale diante da morte de Victor Hugo Deppman, que tinha apenas 19 anos quando foi assassinado, sem reagir, na porta de sua casa, em abril de 2013. Tudo por um celular. Será que Victor era culpado por ser de classe média?
Interessa falar?
Nesse caso, não interessa à Rede Fale falar nada sobre os 50 mil homicídios registrados em 2012, afinal de contas, entre as vítimas estão muitos playboys de classe média, certo?
Não contesto que vivemos em um País desigual. Aliás, o maior pecado aqui é o desperdício de dinheiro público. É por isso que acho um escândalo os números da Copa do Mundo.
Seja qual for o ranking utilizado e a comparação feita, as entidades internacionais concluíram que nunca se gastou tanto em estádios como no Brasil nesses últimos anos.Um novo recorde para o governo Dilma: o Brasil ergueu os estádios mais caros da História.
Enquanto isso, levantamento da ONG Contas Abertas revela que de R$ 3,1 bilhões previstos para a segurança pública em 2012, 1,5 bilhão sequer foi empenhado. O governo aplicou apenas R$ 738 milhões de reais – ou seja, apenas 23,8% do total.
Se essa dinheirama tivesse sido aplicada, a população carcerária talvez não sofresse com um tratamento tão impiedoso como vemos nos presídios de todo o Brasil.
Nada disso jamais interessou à Rede Fale. Faço aqui um exercício de imaginação sociológica: qual seria a reação dos nossos ativistas se a presidência fosse ocupada por um tucano?
Em sua pagina oficial, a Rede Fale se autodenomina “uma rede de pessoas que oram e agem contra a injustiça em nosso país e no mundo”. É uma missão nobre e legítima.
Infelizmente, contudo, há uma distância abissal entre o que a Fale proclama e o que ela promove, de fato, em sua militância cotidiana.
A Rede Fale vai levantar sua voz contra os gastos excessivos da Copa do Mundo? Os ativistas vão denunciar o desprezo do governo federal pela população carcerária?
O silêncio da Fale
Quando o deputado federal Marco Feliciano assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal, a Rede Fale foi implacável em suas críticas e fez repercutir na imprensa sua posição contrária à ascensão do pastor na CDHM.
Morgana Boostel, secretária-executiva da Rede Fale, criticou a “postura” de Marco Feliciano, taxando suas declarações de homofóbicas e preconceituosas.
Feliciano havia sugerido, no púlpito, que a Aids é uma “doença gay”. Eu considero a afirmação de Feliciano uma tremenda bobagem. Mas não acredito que isso o descredencia para presidir a CDHM ou assumir qualquer cargo público.
Todos têm direito de manifestar suas crenças, gostemos ou não. Feliciano apenas escreveu besteiras no twitter e disse outras no púlpito, para o seu rebanho, sem causar prejuízo ou incentivar violência.
Por outro lado, Genoino já havia sido condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa, e João Paulo Cunha por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato quando ambos assumiram cargos na…Comissão de Constituição e Justiça!
A Fale jamais ofertou à nossa “imprensa burguesa” qualquer declaração contrária à permanência de José Genoino e João Paulo Cunha (PT-SP), ambos condenados pelo Supremo Tribunal Federal, na Comissão de Constituição e Justiça.
Os pesos e medidas dos nossos bravos ativistas –que no caso de Feliciano foram ruidosos e implacáveis – são bem “extravagantes”, para dizer o mínimo.
Morgana não frequentou Brasília apenas para combater Feliciano. Em junho de 2013, ela esteve com a presidenta Dilma Rousseff, que recebeu no palácio do Planalto “lideranças” que supostamente representam a juventude brasileira.
Será que ela conheceu Eduardo Gaievski? Ele era um nome forte da Casa Civil, assessor da ministra Gleisi Hoffmann, que tem ótimas relações com evangélicos e católicos.
Eduardo estava cotado para coordenar a candidatura de Gleisi ao governo do Paraná, mas acabou preso pela gravíssima acusação de pagar crianças para fazer sexo.
A Rede Fale tem publicado em sua fanpage chamadas de campanha contra a pedofilia. As graves acusações contra Gaieviski incomodam menos do que as besteiras de Feliciano? A prisão do ex-assessor da Casa Civil não teve repercussão entre nossos ativistas.
Fale pra valer
Em um País tão desigual como o Brasil é mais do que necessário que existam organizações cristãs voltadas à defesa dos mais pobres, das viúvas e dos órfãos. Nada tenho contra a missão da Rede Fale!
Desejo apenas que os irmãos ajustem seus pesos e medidas para exercer seu combate à injustiça não de forma seletiva, mas integral – sem ignorar fatos desagradáveis.
Não faz sentido falar tanto em democracia, por exemplo, e não se posicionar contra a relação promíscua do Brasil com ditaduras e teocracias que anulam direitos civis básicos.
Aliás, quando a Rede Fale vai falar sobre a recente onda de perseguição que os cristãos enfrentam em Cuba desde a ascensão de Raul Castro?