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Portas dos Fundos, perseguição religiosa e os cristãos da Síria

Eu tinha prometido para mim mesmo que não escreveria nada sobre o caso do “Portas dos Fundos”. Mas foi inevitável depois que a Raquel Elana e a Marisa Lobo escreveram aqui no Gospel Mais os seus pronunciamentos sobre o caso. Desde já quero deixar claro que não estou aqui pra “brigar” com nenhuma delas, até porque a Raquel é minha amiga e respeito muito a Marisa. Entretanto, vi nos posts delas uma grande oportunidade para uma discussão sincera e honesta acerca do que significa o termo “perseguição religiosa” e como isso determina a nossa ação.

Desde 2008 tenho estudado sobre a Igreja Perseguida e uma das coisas que tenho aprendido é que a perseguição aos cristãos é algo bastante complexo e por isso ninguém consegue compreendê-la por completo, nem mesmo os próprios cristãos que são vítimas dela. Isso me coloca em uma posição de humildade obrigatória, pois sou lembrado de que tudo o que sei sobre os cristãos perseguidos até hoje foi o que li em algum lugar ou ouvi alguém dizer. É por isso que valorizo enormemente a experiência da Raquel e a admiro por sua coragem e abnegação. Desde já, quero esclarecer que a reflexão que me proponho a fazer aqui é de cunho bastante teórico e por isso citarei alguns autores e só ao final darei a minha opinião sobre o episódio envolvendo o Portas dos Fundos.          

            Segundo o Ronald Boyd-MacMillan, jornalista da Portas Abertas, em seu livro “A fé que persevera” há duas escolas de pensamento com relação ao conceito de perseguição religiosa. A primeira é a defendida pelo David Limbaugh, segundo o qual, perseguição “inclui todas as formas de impugnação da liberdade religiosa de alguém, da discriminação e marginalização até o martírio.”¹ Desse ponto de vista, qualquer afronta ao Cristianismo pode ser visto como perseguição. Desde o ofensivo vídeo do “Portas do Fundo” até o massacre dos cristãos na Síria. Vale salientar, que isso não dá aos dois eventos o mesmo grau de perseguição, mas os considera expressões diferentes de um mesmo fenômeno, cujo escopo é bem mais abrangente.

A outra escola, por sua vez, defendida pelo Michael Horowitz, defende que o termo perseguição deve ser utilizado apenas em casos extremos de tortura e martírio, uma vez que o uso corriqueiro do termo poderia desvalorizá-lo e diminuir, diminuindo assim a ação das pessoas de modo a ajudar esses cristãos em sofrimento extremo. É essa a escola da qual a Raquel pertence, creio que mesmo que de forma inconsciente. Saliento que a maior parte dos defensores desse modo de pensar, assim como a Raquel, ou tiveram contato direto com cristãos em situações de perseguição extrema, ou eles mesmos foram vítimas desse tipo de perseguição.

Eu entendo perfeitamente os motivos de a Raquel pensar dessa forma, embora não seja essa a minha opinião. Posso afirmar que faço parte da escola do Limbaugh e acredito que os vídeos do “Portas dos Fundos” são sim uma forma de perseguição religiosa. Isso contudo, não significa que eu esteja indiferente à perseguição aos cristãos na Síria e no Oriente Médio. É exatamente o contrário. É por me importar com o sofrimento deles que penso dessa forma e me senti tão ofendido com os vídeos do “Portas dos Fundos”.

Uma das formas mais eficazes que teríamos hoje de proteger os cristãos perseguidos, em especial os do Oriente Médio, seria através da utilização dos mecanismo internacionais de Direitos Humanos, a exemplo do artigo 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, escrita após o horror da Segunda Guerra Mundial, cujo texto, se posto em prática, sobretudo em países islâmicos, diminuiria bastante os casos de perseguição aos cristãos, pelo menos em parte. A grande questão que tem impossibilitado a aplicação de tais mecanismos, contudo, é a concepção plural e relativista que a nossa sociedade Ocidental tem adotado no que diz respeito aos Direitos Humanos. É essa concepção que faz com que algumas graves violações aos Direitos Humanos de liberdade religiosa sejam vistos como normal, e a meu ver o caso do “Portas dos Fundos” é um exemplo claro disso.

Argumenta-se que vivemos em uma sociedade democrática e por isso todo mundo tem o direito de falar o que quiser, acrescenta-se a isso o direito de qualquer pessoa viver de acordo com os valores que considera corretos. Isso supostamente legitimaria o fato de um grupo de ateus se juntarem para ridicularizar a fé de milhares de pessoas. Esquece-se, contudo, que hoje em dia a fé é um elemento que constitui a identidade das pessoas tanto quanto critérios de nacionalidade ou orientação sexual. Desse modo, passa-se a justificar o desrespeito em massa, uma vez que o “Portas dos Fundos” estaria simplesmente agindo de acordo com os valores que lhes são válidos. A incoerência que percebo nisso, é que defende-se o direito de liberdade de expressão de um determinado grupo da sociedade em detrimento do direito de liberdade religiosa de um outro grupo ainda mais vasto. Isso só expõe o quanto o pluralismo é tudo, menos neutro.

Assim, acho totalmente lícito que os cristãos brasileiros acionem na justiça os seus direitos de liberdade religiosa, uma vez que isso é algo que a própria Constituição nos assegura. Acho sim que alguma medida deveria ser tomada a fim de que o “Portas dos Fundos” respeitassem a diversidade religiosa das pessoas no Brasil e não mais brincasse com suas crenças e me refiro não apenas aos vídeos que escarnecem o Cristianismo, mas também ao vídeo “Moda” que retrata os costumes islâmicos de uma forma totalmente etnocêntrica. É absurdo que graves violações das liberdades individuais como esses vídeos sejam vistos por muitos como uma consequência dos valores liberais.

O que mais me preocupa nisso tudo, é perceber que muitos cristãos se sentem confortáveis ao saber que sua fé tem sido ridicularizada, ao mesmo tempo que acham isso normal. A perseguição extrema aos cristãos não ocorre do dia para noite. Ela começa dessa forma, sem que percebamos, como se fosse algo normal. Foi assim que começou o nazismo e o antissemitismo se propagou na Europa. Foi através de piadinhas “inocentes” como essa. Eu sei que aqui no Brasil os cristãos não são uma minoria, ao contrário, somos maioria. Mas é exatamente assim que a perseguição começa: pequenos grupos que tentam difamar a minoria. Será que ainda não percebemos a jogada da mídia de transmitir para todo mundo que todos os cristãos, sem exceções são como o Marco Feliciano? Será que não percebemos a atuação dos lobbys LGBT, feminista e pró-aborto que tentam configurar a imagem de que todos os cristãos são extremistas religiosos fanáticos? O Cristianismo hoje em dia no Brasil logo tem sido associado a intolerância, sem exceções.

Não podemos nos acomodar achando que só porque somos maioria um país estaremos livres da perseguição religiosa. Não é bem isso o que ocorre em Uganda. Lá é praticamente uma teocracia cristã, com 80% da população cristã, um presidente e metade do parlamento constituído de cristãos. Mas ainda assim configura-se entre os 50 países em que há perseguição aos cristãos. Tudo isso por causa de uma minoria radical islâmica.

O que estou querendo esclarecer é que os cristãos brasileiros precisam estar atentos ao que realmente é perseguição religiosa. A perseguição que os cristãos tem sofrido na Síria é sim cruel e nem se compara a vídeos preconceituosos. Mas se queremos realmente evitar que um dia vivamos situação semelhante ou se realmente queremos ajudar os cristãos sírios, faz-se necessário mais do que nunca que nos envolvamos de forma eficaz na defesa dos Direitos Humanos de liberdade religiosa. A perseguição faz parte de um todo bem maior, mas se expressa de formas e em graus diferentes, por isso temos que saber discerni-la.

Não podemos ter uma visão pessimista de que porque a perseguição é inevitável aos cristãos devemos nos calar e esperar que ela simplesmente aconteça. Desculpem-me, mas não é nesse Evangelho que eu creio. Creio no Evangelho de Paulo, que exortava a Timóteo a orar pelos governantes a fim de que a Igreja pudesse viver em paz. Além disso, como os pastores chineses da Igreja clandestina sempre nos insistem em lembrar, todo cristão verdadeiro é perseguido de alguma forma, o que significa que a perseguição nem sempre se dá de formas extremas. Se assim o fosse, não teríamos nenhum cristão genuíno no Brasil ou no Ocidente.

Enfim, essa é apenas uma humilde reflexão que faço embasado em uma série de escritos e relatos que um dia li e ouvi. Posso até está errado, mas não é o que me parece no momento. Que cada um tire suas próprias conclusões.

 

  1. MACMILLAN, Ron Body. A fé que persevera: guia essencial sobre a perseguição à Igreja. São Paulo: Missão Portas Abertas, 2009. p. 20.
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