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Igreja e a politização da fé: como distinguir cidadania e espiritualidade?

Igreja e a politização da fé: como distinguir cidadania e espiritualidade?

Foto: reprodução/Google

Estamos em um momento onde a Igreja Evangélica tem sido cada vez mais protagonista nos rumos políticos do país. Não por acaso, este segmento se tornou um alvo de politização extremamente disputado, atraindo a atenção até mesmo de quem não professa a fé cristã.

Nesse contexto, alguns questionam se não estaria havendo uma politização da fé. Ou seja, a substituição do culto a Deus pelo culto à política e o uso interesseiro da religião. Por outro lado, como ser um cidadão em pleno exercício de direitos, e cristão, preservando a saúde da sua espiritualidade?

Normalmente, esse questionamento parte de quem enxerga o seu papel no mundo de forma setorizada. Na prática, é como se fulano fosse “A” na igreja, “B” no trabalho e “C” durante a campanha eleitoral – um cidadão cuja atuação é fragmentada de acordo com a conveniência.

‘A César o que é de César’

Para tentar justificar essa visão errônea de cidadania e espiritualidade, alguns citam a famosa passagem de Mateus 22:16-22, onde Jesus é questionado sobre o pagamento de impostos, respondendo o seguinte: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

Para alguns, essa afirmação seria Jesus mostrando que o cristão deve “separar” as coisas do Estado e as coisas de Deus, o que significaria, portanto, que política e religião não se misturam.

É comum, aliás, vermos essas mesmas pessoas recorrendo a esse tipo de argumento para defender o “direito” ao aborto, descriminalização das drogas e etc., pautas contrárias aos valores cristãos, mas que são defendidas porque, para esses, estariam no campo da “política”.

Mas, a fala de Jesus, na verdade, foi um reconhecimento da autoridade estatal sobre o povo, e não uma defesa da compartimentalização da política e da religião em setores distintos e incomunicáveis.

Jesus mostrou que nós, enquanto cidadãos dos céus vivendo na Terra, devemos respeitar as autoridades que são legalmente instituídas, sendo o pagamento dos impostos e a oração uma das ações que caracterizam esse respeito, algo confirmado pelo apóstolo Paulo em Romanos 13; 1 Timóteo 2:1-2; Tito 3:1-2, etc.

Politização da fé, não

Então, podemos dizer que política e religião se misturam? Depende de qual tipo de “mistura” estamos tratando. Como não vivemos em um regime teocrático, mas sim democrático, qualquer visão que queira impor determinada religião sobre a sociedade é nociva e ilegal.

Mas, por outro lado, se estivermos tratando da religião como um sistema de crenças representado através de pessoas democraticamente eleitas, neste caso sim, a política pode ser um dos palcos de atuação de quem se guia pela religiosidade, como fez diversas vezes o apóstolo Paulo.

Paulo foi “eleito” um dos apóstolos de Cristo e, como tal, representou a Igreja em debates feitos em praça pública, nas sinagogas e no Areópago [ver Atos 17], onde o conselho romano se reunia. A motivação do apóstolo foi missionária, mas a sua atuação pode ser interpretada como o que para nós, atualmente, seria a participação em audiências públicas no Congresso Nacional, por exemplo.

Na prática, isto significa que todo político genuinamente cristão, ao defender medidas baseadas nos princípios e ensinamentos da Palavra de Deus, também está agindo como um missionário, a exemplo de Paulo, salvo as devidas proporções.

O que nós, cristãos, devemos rejeitar de forma sumária, portanto, é a politização da fé. Em outras palavras: quem busca instrumentalizar o sentimento religioso para obter benefícios próprios, sejam políticos ou ideológicos, mantendo uma relação de conveniência com a Igreja.

O Evangelho de Jesus Cristo, a Igreja, jamais deve ser politizado, porque é absoluto e está acima de quaisquer questões humanas, inclusive de ordens que contrariam os seus ensinamentos [ver Atos 4:20], mas nada disso tem a ver com deixar de ser um cidadão influente na política, capaz de defender e promover o que Deus deseja de nós.

Como cristãos, finalmente, somos cidadãos com direitos iguais aos demais, por isso devemos defender, na política, o que acreditamos à luz da Bíblia, não politizando a fé, mas fazendo dela uma ferramenta capaz de influenciar a sociedade como um todo.

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