Por Johnny Bernardo
Idealizado pelo advogado Miguel Nagib, o Programa Escola sem Partido (PEP) teve início em 2004, e, onze anos depois foi convertido em associação pelo Procurador do Estado de São Paulo. Tudo começou em setembro de 2003, após uma experiência da filha de Nagib com um professor de História. Segundo relatou, o professor teria comparado The Guevara com São Francisco de Assis. Nagib ficou indignado com a comparação e a partir daí teve a ideia de criar o PEP. Concentrou nas redes sociais suas bases de divulgação do programa, e com o apoio do senador Magno Malta virou um PLS.
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O programa, criado por Nagib e levado a discussão no Congresso Nacional pelo senador Malta, foi considerado inconstitucional pelos principais órgãos judiciais federais, como a Procuradoria-Geral da República, sob a batuta de Rodrigo Janot, e o Ministério Público Federal. De fato, trata-se de um programa questionável, passível de críticas por especialistas na Constituição Federal. Há pouco do que se aproveitar das propostas feitas pelo PEP, a não ser a ideia de “que não cabe a um professor impor que tipo de segmento político ou ideológico os alunos devem aderir”. Até aí tudo bem, há de se considerar.
Por outro, há uma tentativa – por parte do próprio idealizador do PEP e de outros grupos conservadores – de cerceamento ao marxismo nas escolas públicas. É um erro porque tira dos alunos um dos referenciais dos desdobramentos da Revolução Industrial, quando trabalhadores – inclusive mulheres e crianças – passaram a conviver com jornadas de trabalho exaustivas e sob condições precárias de sobrevivência. O marxismo surge neste período como uma forma de contestação a espoliação da classe trabalhadora, da pauperização das condições de vida da população. Portanto, preenche desde então um espaço importante na História, no processo de formação da luta de classes, no Ocidente.
De igual maneira, não se deve proibir a apresentação de ideias de pensadores liberais, como Adam Smith, autor de A Riqueza das Nações (1776), e mesmo de pensadores absolutistas, como Maquiável e Thomas Hobes. São igualmente importantes para a compreensão de um dado período da História e sua continuidade por meio de outros pensadores e instituições. O cerceamento à liberdade de expressão é uma prática condenável pelo Estado Democrático de Direito, e que tem suas bases na Revolução Francesa e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Há que se resguardar os direitos garantidos historicamente.
O sistema educacional não é de todo perfeito, há exageros como o relatado por Nagib em setembro de 2003. Comparar The Guevara com um santo católico foge ao papel de um professor, que é o de instruir com base em fundamentos teórico-pedagógicos. Em Ciências Sociais chamamos de “senso comum” a tentativa de se explicar determinado fenômeno social com base em opiniões pessoais. É um erro, e há outros casos de doutrinação que ocorrem em salas de aula. Não escondemos o fato, da mesma forma que o condenamos. A doutrinação emburrece, trata os alunos como “tábulas rasas”, susceptíveis a manipulações.
Apesar dos relatos de professores que ultrapassam seus direitos enquanto educadores, conduzindo alunos a aderirem determinado pensamento ou partido político, não se deve excluir nenhuma corrente ou disciplina da grade curricular, como aparentemente é a tentativa de alguns defensores da retirada das disciplinas de Filosofia e Sociologia da grade curricular do ensino médio. Não. Tais disciplinas devem ser mantidas e discutidas abertamente em sala de aula. Temas como igualdade de gêneros também não devem ficar fora do cotidiano educacional, por mais que conservadores reclamem da intromissão pública.
Como nas sociedades primitivas, nas tribos indígenas, em que a educação era de responsabilidade do conjunto dos moradores de uma determinada tribo ou clã, de igual modo a educação deve ser vista como um elemento a ser trabalhado não apenas no seio do núcleo familiar, mas em outras instituições, como na escola. Agora, cabe aos professores discutir temas de interesse social, mas jamais emitir opinião pessoal. Todo o conteúdo acadêmico deve ser fundamentado em diversos autores, de modo a apresentar um conteúdo diversificado. Por ser a sala de aula um ambiente em que os alunos encontram-se em uma posição de aprendizado, não é correto que professores usem seus cargos com fins políticos.
Doutrinação religiosa
Ao mesmo tempo que somos contrários a doutrinação política – não que concordamos com o conjunto geral do Programa Escola sem Partido -, também rechaçamos a doutrinação religiosa – algo recorrente no sistema educacional. Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Rússia são países em que casos de doutrinação religiosa são estudados por cientistas sociais, e denunciados por órgãos de defesa e ONGs. Nestes países de predominância cristã – protestante, pentecostal e neopentecostal – há uma tentativa de se impor ao sistema educacional posições religiosas. Nos EUA há líderes que defendem a introdução do Criacionismo no sistema educacional público, em substituição ao Evolucionismo.
No Estado do Arkansas, nos EUA, uma decisão do comitê estadual de educação aprovou, por seis votos a quatro, novos padrões para o ensino de Ciências, possibilitando que professores questionem o Darwinismo. O fato ocorreu em novembro de 2005, segundo reportagem publicada pela BBC Brasil. Na reportagem “Evolucionismo sofre mais um revés nos Estados Unidos”, o jornal descreve o avanço dos defensores do “desenho inteligente”, em oposição aos evolucionistas, que são maioria nos meios universitários do País. No Brasil, integrantes da Bancada da Bíblia também investem em leis que deem mais espaço ao Criacionismo.
Essa mistura de religião com o ensino é um grande erro e pode gerar conflitos dentro da sala de aula, não sendo raros os casos de discriminação religiosa por parte de neopentecostais em relação a adeptos das religiões afro-brasileiras. Nos EUA, e mesmo na secularista França, não são raros os casos de ocorrências de preconceito, xenofobia, islamofobia contra grupos minoritários. Ateus são igualmente alvos de agressões, físicas e simbólicas. E o inverso também é verdadeiro. O filme Deus Não Está Morto demonstra os erros de um professor que, ao questionar a existência de Deus em sala de aula, gera um grande conflito.
Não cabe a um professor questionar a fé dos alunos, ou mesmo a inexistência de fé. Ambos os erros devem ser rechaçados: a doutrinação política-ideológica e a doutrinação religiosa. Tem que haver neutralidade, laicismo e pluralidade na prática educativa, assim como desenvolver senso crítico, capacidade de análise dos diversos fenômenos sociais. A escola deve ser um ambiente acadêmico, pautado no estudo dos mais variados campos do saber. É correto e concordo que o Criacionismo seja apresentado como pensamento de aceitação religiosa, mas não em substituição ao Evolucionismo, porque aí teríamos uma confusão entre Estado e Religião – algo que é condenado pelo Estado Laico. Deve-se aceitar o Estatuto.
Nossa fé em Deus, no processo criativo do Gênesis, deve ser entendida como parte da liberdade de expressão religiosa, garantida pelo Estado, de foro íntimo, e jamais ser associada à educação pública. Hoje, no Brasil e nos EUA, não há mais uma religião ou fé dominante, mas uma grande diversidade de religiões e crenças, muitas das quais com representação na composição das salas de aula. Não cabe à escola impor aos alunos preceitos religiosos, dado ao fato de que há inúmeras religiões, com as mais variadas crenças. Deve-se apresentar os vários saberes, mas sem doutrinação, sem imposição de crenças ou ideologias. Partidarismo e religião devem permanecer fora das salas de aula.
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Entrevista com Hermes C. Fernandes
Dando prosseguimento ao projeto de entrevistas com líderes progressistas, em breve publicaremos, neste Gospel+, uma entrevista exclusiva com o Reverendo e líder da Rede Internacional de Amigos (REINA), Hermes C. Fernandes. Na entrevista conversaremos sobre o mais novo lançamento de Fernandes, Intolerância Zero e outros temas progressistas.