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PODOLSKI O conflito árabe-israelense e as bombas de fósforo branco…

Setenta e cinco anos atrás, Podolski, o mais abrasileirado jogador da seleção alemã, estaria alistado na SS, o exército nazista. Teria sido doutrinado pela idéia da supremacia racial e teria por judeus, negros, ciganos, gays etc. o mesmo desprezo que temos pelos ratos de esgoto. Ele seria, à exceção dos brancos, um misantropo que acreditaria que a ‘cura’ do mundo no que tangia à “peste camusiana” judaica seria o plano conhecido como “solução final”, um plano para varrer os judeus do mapa, engendrado pelo general Heydrich e por um ministro com um nome curioso, Martin Luther.

Mas talvez, não. Podolski é polonês naturalizado alemão e talvez tenha até sangue judeu. Assim sendo, talvez fosse vítima daquela Alemanha como o foram mais de um milhão de judeus-poloneses na segunda guerra.

Mas o mundo dá voltas. Os judeus sobreviveram, viraram Estado e confirmaram o que dissera Ben Gurion: “somos um povo só”. Tudo certo. E não há como não se comover com sua belíssima história de dor e superação.

Hoje, entretanto, enquanto você vê um descendente do III Reich em flagrantes de afetuosidade com negros e índios, você vê o Estado judeu combatendo aquilo que considera sua “peste camusiana”, os palestinos. Não há qualquer comparação entre as ações de Israel com a trágica estupidez nazista, mas é inegável o desconforto de ver – a pretexto de autodefesa – o desprezo dos judeus pelo outro, neste caso, os palestinos. A recíproca é verdadeira, mas a diferença está na condição que Israel desfruta devido ao apoio maciço do Ocidente cristão.

A história do conflito árabe-israelense, que se arrasta desde o fim do século XIX, tem uma trama imbricada, repleta de vai-e-vens, acordos não cumpridos, intifadas etc., mas seu complicador é seu pano de fundo fundamentalista religioso. Ambos, historicamente, são filhos do mesmo pai Abraão, ambos adeptos da mosaica máxima “olho por olho, dente por dente”. Ambos adeptos da diabólica idéia Estado teocrático. Hoje, a irredutibilidade de Netanyahu e a blindagem diplomática americana impedindo que a ONU puna a Israel pela transgressão das normativas internacionais é mais um complicador nas margens de manobra dos negociadores na busca de uma solução final que não seja a “solução final”. Netanyahu ainda compartilha do slogan cunhado pelos sionistas há mais de 120 anos de que “a Palestina era uma terra sem povo para um povo sem terra”. 

Israel, posando agora de Golias, intercepta 90% dos foguetes palestinos. A Palestina, agora um pequeno David, está sob ataques dos mísseis de fósforo branco israelenses em áreas habitadas exclusivamente por civis. No placar de uma semana de ataques, Golias está, proporcionalmente, ganhando por W.O.. Só para se ter uma idéia da covardia, a bomba de fósforo continua queimando mesmo depois do atingido ter mergulhado na água e emergir para respirar.

Não se tratas de palestinos e judeus, as vítimas. Se trata de seres humanos. Só isso. O resto é loucura. A história dá voltas mesmo. Como disse um pensador alemão, sua primeira versão é a tragédia, a segunda, uma comédia. A história desse conflito árabe-israelense é sempre trágica. Os judeus das bombas de fósforo branco, que aprenderam muito pouco com os dramas de Auschwitz, deveriam tomar umas aulas com Podolski.

O Podolski – esse atacante canhoto que não teria sobrevido à Inquisição medieval – é a versão lúdica e humanizada não só da história alemã, mas da história humana. É o atestado de como nossas disputas étnicas, religiosas e de qualquer outra natureza de presunçosa superioridade é só uma extrema idiotice. É utópico e simplista dizer, mas a “solução final” ideal seria o dia em que judeus e palestinos, irmanados pela inexorável condição que lhes é comum, a humana, e pelas indeléveis condições culturais que lhes são peculiares e reciprocamente respeitadas, dessem risada da tolice que por tantos anos levaram tão a sério. Seria expandir o alcance do “somos um povo só”. É simplista, sim. Mas em um mundo onde nossas complexidades nada resolvem e nunca resolveram nada, não custa sonhar. Como pensava Leonardo da Vinci, a simplicidade continua a ser o mais alto grau de sofisticação.

Dilson Cunha
14/07/14

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