“Nossas mensagens, postura com o próximo, aquilo que chamamos de evangelho ou aquele que chamamos de Jesus, quem são? Responder com imparcialidade pode gerar calafrios em muita gente…”
Daqui a pouco, depois que você ler esse texto, uma porção de outros pensamentos ocuparão sua mente. Por “outros pensamentos”, me refiro as demandas do dia a dia, em alguns casos, a conta a pagar, o e-mail a enviar, a ligação, a hora, o almoço, o compromisso as três da tarde. Ou então, em outros casos, questões mais abstratas, como os ecos de um comentário maldoso, ou enigmático, casual talvez, mas que ainda retumba na mente desembocando em uma dúvida inquietante: “afinal, o que fulano queria mesmo dizer?”. De um jeitou ou de outro, com uma grande porcentagem de que o “outro” seja um outro que não descrevi, o fato é que daqui a pouco o fluxo da sua vida continuará com pensamentos, prioridades, fragmentos que, reunidos, constituirão mais um dia. Isso nos dá a sensação de que cada escolha, cada passo, cada direcionamento, para a esquerda, para a direita, para frente, para trás, na somatória, nos fragmentos de mais um dia atrelados a outros dias, definirão como será aquilo que chamo de minha vida. Mas, você acha mesmo que controla seus pensamentos? Qual o grau de influências exteriores que suas escolhas sofrem? Talvez seja hora de vincular a mesma pergunta (e resposta) a nossa fé. Pense comigo:
Nossos discursos, dogmas, améns e aleluias. Nossas mensagens, postura com o próximo, aquilo que chamamos de evangelho ou aquele que chamamos de Jesus, quem são? Responder com imparcialidade pode gerar calafrios em muita gente, afinal, quem está disposto a questionar-se, iluminando porões escuros e jogando luz em dúvidas arraigadas, entulhadas, enraizadas em nossas mais inquestionáveis crenças?
Mas o que isso tem a ver com os pensamentos que ocuparão sua mente depois do texto? É que tudo o que você é, faz, pensa, escolhe ou crê, está diretamente conectado ao nível de consciência que tem em relação a si mesmo, seus medos, ambivalências, contradições.
Nenhum de nós tem a exata noção da carga cultural, religiosa e pessoal que se acumula sobre nossas escolhas, o quanto estamos quase sempre respondendo, negando, fugindo muitas vezes da somatória de culpas e medos, nos protegendo em nome de uma fé robusta para o lado de fora, mas vacilante para o lado de dentro , construindo esconderijos e chamando isso de fé, nos protegemos em fortalezas blindadas ao auto enxergar-se enquanto damos a ela o apelido de igreja, nos reunimos, cantamos, dançamos, levantamos as mãos e batemos palmas, sem saber que, muitas vezes, não é ao Jesus,o homem de Nazaré, marceneiro, filho de Deus e filho do homem a quem louvamos, mas a nossa própria incapacidade de simplesmente nos enxergar.
Jesus ensinou que não há como conjugar espiritualidade sem humanidade (o verbo se fez carne), que não há instituições ou estruturas, dogmas ou construções doutrinárias que substituam o simples fato de que Deus é amor e sua luz em Cristo me ilumina para que, antes de amar o mundo inteiro, eu me enxergue, me questione, entenda e aprenda a me amar. É preciso coragem para expor-se a desconstruções diárias, questionar-se, revisando as raízes de cada motivação. Somos templo do Espírito Santo e morada do Pai eterno, mas isso nunca ficará definitivamente claro sem viagens para dentro, retirando entulhos, destruindo estacas, abrindo caminho diante de uma densa cultura (inclusive religiosa) que no fim das contas nos distancia de nós mesmos e, consequentemente, de Deus.
Não há espiritualidade sem humanidade, assim como todo o processo de humanização sadio, desemboca em crescimento espiritual.
Foi falando sobre isso que Jesus incitou iras, mobilizou os donos do poder e, sobretudo, revolucionou a fé legalista e patriarcal dos judeus, despertando os que deixaram de proteger-se para ouvir a voz do bom pastor que, sobre os ecos da cultura e os ruídos de minha própria inquietude, suavemente, ainda me convida: Agora vem e segue-me.