A discussão sobre o “passaporte sanitário” no Brasil tomou conta da opinião pública. Mais de 200 municípios do país já adotaram essa medida, que tem entre os seus objetivos, na prática, obrigar a população a se vacinar.
Infelizmente isso já está afetando a liberdade religiosa da população em alguns locais, tendo em vista que igrejas também se tornaram alvos desses decretos.
Temos como exemplo o estado de Pernambuco e a cidade de Belo Horizonte (MG), administrados respectivamente por Paulo Câmara (PSB-PE) e Alexandre Kalil (PSD-MG). Eles instituíram o passaporte sanitário como obrigação para que a população possa frequentar suas igrejas (templos), provocando uma série de reações negativas na comunidade religiosa e jurídica.
O motivo não é por menos, tendo em vista que o passaporte sanitário por si só, independentemente de estar relacionado ao acesso às igrejas ou não, já caracteriza, no meu entender, uma violação da dignidade humana, uma vez que retira dos indivíduos a autonomia em poder decidir algo básico sobre a própria saúde, que é se vacinar ou não.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos vemos que a autonomia é um elemento intrínseco da dignidade. Ela estabelece “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis”, sendo isso o principal “fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
A liberdade, portanto, é o fundamento da dignidade, sendo esta possível apenas com autonomia.
Sobre isso, o Artigo 5° da mesma Declaração é mais preciso ao dizer que “deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais”.
O Artigo 6° completa o 5°, se encaixando perfeitamente no contexto da discussão em voga sobre o passaporte sanitário. O texto é cristalino e mostra o quanto a obrigatoriedade de uma vacina ou qualquer outra intervenção médica não consensual vai de encontro à dignidade humana.
Veja abaixo o que diz o texto, com destaques meus:
“Qualquer intervenção médica preventiva [como a vacinação], diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito“.
No contexto atual de pandemia, uma das coisas mais controversas que temos visto é a “informação adequada”. Há uma verdadeira turbulência de informações, gerada em parte pela mídia dominante, desinformadores e palpiteiros de plantão.
Tudo isso gera uma desconfiança enorme na população, e por motivos justos, de modo que a escolha de poder se vacinar ou não é perfeitamente compreensível e deve ser respeitada.
De outro modo, qualquer exigência de “passaporte” constitui uma violência moral e potencialmente física. No contexto religioso, então, isso vai além, pois ameaça a liberdade religiosa sob o pretexto da saúde. Quem vai nos garantir que amanhã, esses ou outros gestores iguais ou mais autoritários não vão inventar outro pretexto para restringir a nossa liberdade de culto?
Se dermos essa brecha agora, a chance de que outros pretextos restritivos apareçam no futuro é altíssima. Tudo o que os anticristos desejam para atacar a Igreja são motivos supostamente justos. O que hoje é alegado como “saúde”, amanhã poderá ser por “tolerância” ou “discurso de ódio”. Este é o cenário que, por sinal, já está sendo desenhado.
Portanto, o que devemos fazer é continuar defendendo a autonomia da nossa população, o bom senso e a responsabilidade individual de cada cidadão para com a sua própria saúde e o coletivo. Assim como continuar mantendo, também, a separação de competências entre Igreja e Estado no que tange à liberdade de culto. Esse é o caminho mais seguro, digno e justo para superarmos essa pandemia sem maiores prejuízos.