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Os perigos do fundamentalismo

O que caracteriza um fundamentalista religioso? Como entender indivíduos como o fundamentalista árabe? É de fato uma pessoa, ou uma figura criada para abrigar sentimentos não racionais, exclusivistas, de um segmento religioso fanático? Sentimentos reprimidos por uma experiência não racional, ou não bíblica, mas por uma aversão completa e total à sociedade, ao “inimigo” criado ou exacerbado em seus devaneios, em seus delírios de “complô”, de “conspiração”, de “guerra total”. Trava uma guerra não bíblica, não messiânica, ao despreciar expressões evangélicas que claramente condenam à luta contra a carne e o sangue, de que o “meu reino não é neste mundo”.

O fundamentalista religioso acredita possuir uma missão que é a de “combater” o inimigo onde quer que ele esteja, seja fora ou dentro da religião que ele professa. Há sempre uma “trama” ou “complô” contra sua missão “salvadora”, contra sua iniciativa de restauração do “Reino”, do modelo religioso de sociedade, de família. Onde todos vêem azul e verde, o fundamentalista vê apenas preto e branco. Sua visão, deturpada por seus devaneios e delírios diários, é duramente atingida, prejudicada, na medida em que desenrola sua missão, seu objetivo central e fundamental de vida.

“O inimigo está no Estado, na Escola”, acredita o fundamentalista. Entende ser necessário tirar do professor a função de educação de seus filhos (a educação é vista como antirreligiosa e pagã). Igualmente a sociedade está impregnada de ímpios, de pecadores que merecem não menos que o inferno, a condenação eterna. Evita-se o convívio social, o relacionamento do banco de praça, das organizações sociais. Isola-se. Busca-se uma alternativa não social, não dependente do Estado. Vê o campo, o interior como viável para cuidar de seus filhos e travar uma batalha à distância.

À distância, mas perto o suficiente para vasculhar perfis, sites, blogs, desenrola sua “luta” contra o “inimigo”, contra o “opositor” que agora não somente atua na sociedade, mas dentro das igrejas. Nesta guerra a ética muda de configuração, de aspecto, de princípios. É preciso ganhar aliados (acredita o fundamentalista). Não importa seu passado, seus projetos pessoais, conquanto esteja alinhado com suas ideias (Maquiável?). Cria uma imagem de “super-homem”, de “messias” capaz de captar a atenção de aliados, de indivíduos que igualmente enxergam preto e branco em tudo.

Cria-se uma ou várias centúrias de “guerreiros”, de “soldados” para atuar nas trincheiras, na defesa do fundamentalista, que poucos conhecem pessoalmente, sabem de sua história. Mas ele está aí, à espreita de novos inimigos, de opositores, à espera de novos indícios da presença do “mal” que possa usar em benefício próprio, mesmo que mudando o rótulo, o sentido da mensagem deste novo inimigo. O importante é usá-lo para alcançar novos aliados para sua causa, sua “guerra” santa, que não é de Alá, nem de Jeová, mas sua própria guerra. Posicionados, seus soldados entram em ação para defendê-lo, mesmo em zonas onde o fundamentalista lá não está, não seja permitido atuar.

“Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (Ef. 6.12).

Jim Jones, David Koresch, Francisco Herman Pevoc, David Berg, Joseph di Mambro, Luc Jouret, Charles Manson, igualmente acreditavam possuir uma “missão”, um “inimigo” a ser combatido. Eram carismáticos, tinham capacidade de atração. Alcançaram discípulos, defensores de suas ideias “revolucionárias”, de sua “causa”. Primeiro, deu-lhes o que acreditar. Segundo, mostrou-lhes o inimigo. Terceiro, os isolou da sociedade, da família, dos filhos ou parentes que estavam “sob maldição”, da escola e principalmente: da mão onipresente e onisciente do Estado, do Poder.

Os destruiu psicologicamente. Os usou para o cumprimento de sua “missão”. Resultado: indicou que a única forma de escapar do inimigo seria via “suicídio”. Dos ranchos, vilarejos, mansões, carregaram-se diversos sacos de mortos. A sociedade foi impactada. Califórnia, Guiana, França, Canadá, Áustria, Japão. Centenas de sacos. Mas não “morreram em vão” – cumpriram o desejo maior de seu mestre, de seu líder. Foi o resultado. Estava feito. Hoje, nos EUA, na Europa Oriental, no Mundo Árabe, na Rússia, extremistas os mais diversos comentem atos isolados ou em conjunto contra nacionais e estrangeiros, motivados por promessas de triunfo. É o fundamentalismo.

M. Alvares, psicanalista com especialização no tratamento de adeptos de seitas fundamentalistas, chama a atenção para algumas características do perfil de um fundamentalista religioso. Segundo ele, o Outro aparenta acreditar ser um soldado. Procura se identificar com os líderes primitivos. Sua ética é questionável. Quer ser visto, aplaudido, seguido por soldados igualmente hostis ao inimigo. Ao procurar, vasculhar perfis pela internet, aparenta estar em busca de um novo alvo que justifique sua existência. Ao encontrar elabora um projeto de ataque. Escolhe cuidadosamente as ideias, as palavras, as expressões. Modifica algumas. Mostra para seus discípulos onde está o inimigo. Onde combatê-lo. Como combatê-lo. Nesta luta contra inimigos virtuais e materiais percebe a necessidade de se cercar de amigos, de esconderijos, de locais seguros. Afinal está em guerra. Sua vida é caracterizada por uma constante preocupação com “quem pode nos ver aqui”. Conclui Alvares: “é um forte candidato à líder destrutivo, como os jihadistas islâmicos ou os fundamentalistas sectários”.

 

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