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O falso conservadorismo de Vladimir Putin

Oficialmente a Guerra Fria terminou em 1991 com a dissolução da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), mas resquícios da polarização entre a Rússia e os EUA ainda são visíveis pela movimentação das duas superpotências nucleares, principalmente quando analisamos os conflitos nos entornos da Ucrânia e, mais recéntemente, da Síria. A presença de militares dos EUA nos países bálticos (Estônea, Letônia e Lituânia) também é vista como uma reencenação dos tempos da Guerra Fria. Tudo nos leva a crer que algo mais ou menos igual está se desenhando no tabuleiro geopolítico, com a investida de ambos os países.

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Apesar dessa provável reencenação, algo diferente dos anos anteriores à gestão de Mikhail Gorbachev (último presidente da URSS) vem tomando forma com a ascensão do presidente da Rússia, Vladimir Putin. Natural da cidade de São Petersburgo, Putin vem desenvolvendo uma estratégia de ação diferente da época em que atuava como tenente-coronel da KGB (antiga agência de espionagem), que é a de recorrer ao conservadorismo da Igreja Ortodoxa Russa como uma contraposição ao liberalismo dos EUA. Em outras palavras: Putin adotou o conservadorismo com o objetivo de criar uma nova imagem para a mãe Rússia, de uma nação que preza pelos princípios fundamentais da família cristã – algo claramente louvável, apesar de que o objetivo por trás é outro.

No entanto, tudo não passa de uma estratégia compassadamente desenvolvida para contrapor-se as políticas liberais dos EUA. Com a união civil homossexual reconhecida pela mais alta corte dos EUA, a regulamentação do uso recreativo da maconha em Estados como o Colorado e Washington, a agenda conservadora de Putin ganha cada vez mais adeptos no mundo ocidental. Olavo de Carvalho foi assertivo ao publicar, em setembro de 2013, uma pequena nota sobre o lider russo. “Vladimir Putin parece que descobriu a fórmula do sucesso: a esquerda internacional o aplaude porque é anti-americano, a direita porque vê nele a esperança de um renascimento espiritual do mundo. Ele me parece muito mais inteligente do que seu mestre Duguin…”. Carvalho finaliza com uma dúvida: “Aonde isso vai dar, ninguém sabe.” Pela primeira vez tenho de concordar com ele.

Até que ponto Putin é de fato religioso? Até que ponto ele defende a vida? De que maneira ele concebe direitos fundamentais, como o de livre expressão intelectual, artística e religiosa? Pela maneira como o ex-agente da KGB vem atuando nos bastidores da política nacional e internacional sugere que o conservadorismo não passa mesmo de uma temporária peça de publicidade russa. De fato temos motivos para seguir com semelhante análise, principalmente diante de informações de que igrejas protestantes na Rússia têm enfrentado dificuldades por conta da aproximação da Igreja Ortodoxa com os corredores do poder do Kremlin, de que opositores vêm sendo sumáriamente aniquilados e que Vladimir Putin é um fiel escudeiro do regime sanguinário de Bashar al-Assad.

Como conciliar o conservadorismo de Vladimir Putin com a política de extermínio de opositores e civis no território sírio? Putin não é conservador, apesar do que alguns súditos seguidores dele no Ocidente – e há militantes no Brasil que abraçaram a nova agenda russa – creiam de forma cega e equivocada. Pouca diferença há entre o conservadorismo russo e o liberalismo americano dado ao fato de que tudo não passa de um aceno a um público importante para a composição do tabuleiro internacional. O conservadorismo de Putin é o mesmo que o parque temático aberto na capital da Coreia do Norte pelo jovem ditador Kim Jong-um: pura distração e marketing político. Encenação.

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