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Nem pela direita, nem pela esquerda; caminhemos pelo meio

Não há dúvida de que estamos entrando em uma nova fase de nossa história – e não me refiro apenas ao Brasil, mas a praticamente todos os países. No século XX o mundo passou por duas grandes guerras, a detonação das primeiras ogivas nucleares, as guerras das Coreias, do Vietnã, os golpes militares e civis na América Latina, e o mais marcante: a dualidade entre Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Por quase meio século o mundo viu-se dividido entre a proposta capitalista – e posteriormente neoliberal -, encabeçada pelos EUA, e o socialismo, propagado pela URSS. Um terceiro grupo de países, da África e da Ásia, optou por uma terceira via. A França equiparou-se às duas superpotências ao desenvolver seu próprio arsenal nuclear. Havia a expectativa de uma terceira grande guerra – a última, provavelmente. O Muro de Berlim caiu em 1989, e a URSS foi dissolvida em 1991, tendo início uma nova geopolítica.

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Superadas as dificuldades do século XX, e um temor de um cataclisma mundial na virada do milênio, começamos o século XXI sob a tutela dos EUA. O mundo agora possui apenas um polo de poder, com maior presença e poder de atração do que representou a Europa antes da Segunda Grande Guerra, e a URSS durante sua expansão. Os “atentados terroristas” de 11 de Setembro de 2001 deram início a uma nova fase de caça às bruxas, com seguidas invasões promovidas pelos EUA em países como Afeganistão e Iraque. Objetivo: “combater os terroristas da Al-Qaeda” e “levar à democracia aos bárbaros”. Dos escombros surgiu um grupo ainda mais perigoso e articulado que o grupo criado por Bin Laden: o Estado Islâmico. Prontamente o governo dos EUA forma uma coalizão de países aliados e dá início a bombardeios. Centenas de refugiados entram na Europa via Mar Mediterrâneo.

Até o final de 2015 a Europa já havia recebido mais de 500 mil refugiados. Alemanha, França e Suécia são um dos principais destinos dos que conseguem escapar dos conflitos que assolam seus países e a travessia do Mar Mediterrâneo. Notícias de estupros e ataques terroristas em solo europeu, no entanto, tem levado grupos de extrema-direita a proporem o rompimento com a União Europeia e a expulsão dos estrangeiros. O primeiro a desembarcar foi o Reino Unido, após referendo. Embora ainda não oficializada, a saída do Reino Unido da União Europeia ocorre por uma série de motivos, passando por questões econômicas, de soberania nacional e por um crescente desconforto com a presença de estrangeiros no Reino. Antes e durante a votação do Brexit foram registrados diversos ataques a poloneses e cidadãos de origem árabe. Grupos de extrema-direita da França e Alemanha deram total apoio.

Nos EUA, a polarização entre Democratas e Republicanos dá o tom da nova fase que presenciamos. De um lado, o bilionário Donald Trump busca atrair eleitores com propostas conservadoras e extremistas, com a construção de um muro entre o México e os EUA, e a expulsão de todos os muçulmanos do país. Do outro, a democrata Hillary Clinton representa a continuidade da bem-sucedida política de inclusão de Obama, tendo o apoio de negros, homossexuais, hispânicos e da classe média americana. Ao pedir o apoio da Rússia em sua campanha midiática contra sua adversária democrata, Trump deu um pequeno exemplo do que será a corrida presidencial – caso sua candidatura não seja impugnada pelas autoridades eleitorais. Algo semelhante acontece na América do Sul, com a crescente polarização entre socialistas e oligarquias, com disputas eleitorais apertadas em países como o Brasil.

Segunda maior economia do continente, e a sétima mundial, o Brasil tem recebido maior atenção de políticos, empresários, intelectuais e artistas de inúmeros países. Outrora chamado pelos portugueses de “Terra dos Papagaios”, o Brasil tem sido palco de um conflito ideológico que ultrapassa o ambiente eleitoral, com presença cada vez maior nas ruas e nas redes sociais. Diz-se que o Brasil está dividido ao meio. Paulistas chegaram a propor a construção de um muro para separar o estado de São Paulo do Nordeste. De fato criou-se no país um antagonismo que pode evoluir para uma guerra civil generalizada, com diversos atores envolvidos. É um conflito diferente, cujos protagonistas não são apenas intelectuais e uma classe média insatisfeita, mas também religiosos que veem nas gestões petistas uma ameaça. Silas Malafaia, Marco Feliciano e o mais novo “convertido”, o deputado Jair Bolsonaro, são um dos principais lideres de um movimento em fase de crescimento.

“Que País é Esse”, questiona uma das músicas da banda Legião Urbana. É o país em que somente 5 presidentes eleitos conseguiram completar o mandato nos últimos 90 anos, em que um congresso com ampla maioria dos parlamentares envolvidos com corrupção – e o Eduardo Cunha é o representante maior – afastam uma presidenta com argumentos que até mesmo uma comissão de peritos do Senado não encontrou indícios de culpabilidade. Dilma cometeu inúmeros erros em seu mandato, não conseguiu dar continuidade a política econômica do presidente Lula, embora tenha sido em sua gestão que médicos chegaram à periferia, às regiões mais distantes do Norte e Nordeste, e que empregados domésticos foram equiparados aos demais trabalhadores. Em alguns casos – como na redução da energia elétrica para facilitar a vida de pobres e do empresariado, e que teve o apoio da FIESP – Dilma errou porque acabou por atingir os cofres das estatais e subsidiárias.

Hoje (31) tivemos uma nova onda de manifestações pelo o país, com grupos que apoiam o impeachment da presidente Dilma Rousseff e contrários. Os ânimos ainda não se arrefeceram. Coxinhas e mortandelas ainda estão com os ânimos à flor da pele. Não há dúvida de que tivemos inúmeros episódios de corrupção nos últimos anos – e que não envolve apenas as gestões petistas, mas também tucanas e peemedebistas -, mas também não podemos deixar de registrar que também foi um período em que tivemos um salto na educação, com programas importantes como o FIES, o Prouni, o Ciência sem Fronteiras, o Pronatec, as Universidades Federais – e o ABC, em São Paulo, ganhou dois campus -, as cotas etc. Hoje qualquer um pode cursar um ensino superior, seja ele branco, negro ou indígena. São avanços que temos que reconhecer, como também reconhecemos a estabilização da economia com a criação do Real, pelo sociólogo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

É neste sentido que temos que caminhar, ou seja, reconhecer o que de bom temos em governos distintos, em programas ideológicos distintos. Há aspectos importantes na esquerda, como o combate a desigualdade social, a emancipação da mulher e a universalização da educação; na direita, com a preocupação com a manutenção dos laços familiares e os bons costumes. Igualmente o socialismo praticado em alguns países obteve êxitos, com a inclusão de milhões de pobres na classe média, a erradicação da mortalidade infantil e o analfabetismo; no capitalismo a tecnologia possibilitou que a humanidade passasse a desfrutar de melhores condições de vida. Por outro, é preciso reconhecer alguns erros, como o exacerbado centralismo administrativo proposto pela esquerda, e na direita o apoio a práticas de tortura e o porte de armas. O capitalismo errou ao trazer sérios prejuízos ao meio ambiente.

Dificuldades em reconhecer aspectos positivos e negativos têm levado grupos ao extremismo ideológico, e que em alguns casos evolue para atentados e perseguições. É um erro porque o ideal é caminharmos pelo meio, buscarmos novas alternativas de organização social, que respeitem o direito de expressão e liberdade religiosa, como também liberdade para os mais diversos atores sociais. Vejo como benéfica a existência de antagonismos sociais, mas desde que não evoluam para conflitos físicos e políticos. Devemos dialogar com diversos pensamentos, e não é novidade para ninguém que tenho dialogado com a esquerda e com movimentos progressistas. Apesar de ser progressista, sou conservador em alguns aspectos, e tendo a me considerar um socialdemocrata. Admiro a política de juros baixos dos EUA, embora tenha como modelo de Estado os países escandinavos. Ponto.

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