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Mariam e as Mulheres Soldados

Na foto (Reuters): Um Jaafar, mãe e esposa Síria que se prepara para os combates ao lado do marido. Pertencem ao comando rebelde Voz da Verdade (norte da Síria).

Na foto (Reuters): Um Jaafar, mãe e esposa Síria que se prepara para os combates ao lado do marido. Pertencem ao comando rebelde Voz da Verdade (norte da Síria).

Era uma manhã nublada. Nuvens de poeira amarela cobriam a cidade no que parecia ser mais uma tempestade de areia. Com um véu cobríamos nossas faces, eu e B. – minha companheira de equipe, pois era difícil respirar.

As casas não tinham cor. Em ruas estreitas, uma construção após a outra formava uma sequência singular, só interrompida por algumas tendas armadas nos terrenos baldios. Cada uma das casas (ou tendas) abrigava dois ou mais núcleos familiares. Comum era encontrar maridos com mais de uma esposa e muitos filhos.

Todas as casas possuíam bandeiras da Síria de vários tamanhos. E em todas as paredes, fotos dos “mártires da revolução”. Assim são chamados os civis e soldados que morrem em decorrência das batalhas.

Finalmente B. e eu chegamos à casa de Mariam. Da porta as mulheres e crianças gritavam: É a Rahil, é a Rahil (como me chamavam). Gritos e sorrisos transformavam o ambiente pesado enquanto tentavam organizar a bagunça da casa para nos receber. Estávamos em mais uma das nossas visitas mensais. Mariam e seu esposo não moravam sozinhos. Dividiam a humilde residência com mais duas famílias.

Uma das filhas, Fátima de 7 anos, carregava em seu corpo cicatrizes da queimadura provocada pela explosão de uma bomba. Apesar das dores, a criança sorriu ao nos ver. Sua alegria devia-se especialmente ao leite, os biscoitos e brinquedos que levávamos. Era surpreendente ver a resiliência daquelas crianças. “Como era fácil fazê-los sorrir” – eu pensava.

Na pequena sala, Mariam nos atendeu. Não havia móveis. Apenas alguns colchões e uma velha televisão ligada constantemente no canal de notícias sírias. As mulheres sentaram-se ao nosso redor e como sempre faziam começaram a contar das suas angústias e sofrimentos.

Esta família vinha do Norte e vivia da agricultura. Perdeu o pouco que tinha na guerra. Mas a maior dor era a lembrança dos parentes mortos e a saúde de Fátima. Sem dinheiro e emprego dependia da nossa ajuda e dos cupons alimentícios providos pelas Nações Unidas. Graças a Deus, pois de milhares estes estavam recebendo ajuda.

Enquanto uma das meninas preparava o café (eles sabiam que era a minha bebida preferida), conversamos mais um pouco. Da bolsa tirei a cópia de alguns folhetos e livros. Não era fácil encontrar mulheres que podiam ler. Mas Mariam podia. Ao receber o livro, ela começou a chorar. De repente, me disse:

“Queria poder voltar à Síria. Queria ter uma arma em minhas mãos para lutar. Matar ou morrer porque ninguém se importa. Odeio Bashar. Ele é o demônio. Mata crianças inocentes. Quero voltar para lutar”.

Neste momento as outras mulheres começaram a chorar e a falar ao mesmo tempo sobre os que morreram e sobre o estado da nação. Foi quando tive a chance de falar:

“Não, Mariam. Deus se importa com vocês. Deus se importa com a Síria. Nós não estamos aqui fazendo um trabalho de caridade. Estamos aqui porque Deus ama vocês. Lá no Brasil tem um povo que se importa com vocês e está orando pela Paz. Mas acima de tudo, é no seu coração que você precisa ter Paz. E Jesus, o Senhor de Tudo e de Todos é capaz de fazer o impossível. Vamos pedir a Ele e vamos fazer isso agora”.

No meio do choro, pareceram um pouco mais consoladas. O fato de estarmos ali era muito importante para eles. Mariam concordou comigo, abaixou a cabeça e disse:

“Mas Rahil, eu oro todo dia em nome do profeta. Eu creio…”
“Não, Mariam. Quero que você ore ao Senhor de Tudo. Aquele que é maior do que o profeta M… Quero que você leia a Palavra de Deus que lhe trouxe e peça a Jesus, o Messias que entre em seu coração e lhe traga a Paz”.

Coloquei minha mão sobre Mariam e oramos pedindo a Deus que lhe trouxesse a Paz Eterna e que entrasse em seu coração.

Mariam e sua família ainda não puderam retornar a Síria. Entretanto, enquanto pude acompanhá-los, percebi que o sentimento de ódio e revolta foi amenizado. Nossa igreja na fronteira conseguiu recursos para consertar a casa, colocar novas cortinas, novos colchões e utensílios para a cozinha. Eu e B. continuamos atendendo com os mantimentos e outras necessidades.

Num país islâmico, compartilhar Bíblias ou porções das Escrituras é crime. Em alguns, é inadmissível sequer se pensar em falar de Jesus para um muçulmano. Quanto mais dizer que Jesus é maior do que o profeta que seguem. Isto para eles é blasfêmia. Porém, o risco que passamos vale a pena. Não há riqueza maior do que levar o amor do Senhor aos povos distantes, tão amados pelo Criador.

Como esta mãe, existem milhares dispostas a lutar e a morrer pela nação que tanto amam. Muitas, contudo, não motivadas pelo amor, mas por sentimentos de vingança e ódio alimentados pela omissão e apatia dos que poderiam ajudar.

A queda de Assad é só uma questão de tempo. Se virá através de uma complicada ação militar não sabemos. Porém, enquanto os países da Ásia se amotinam e o mundo assiste (e se assusta) a promessa da grande guerra, muitos morrem. Minha oração é que você não deixe de orar por estas vidas e responda de alguma maneira. Nunca se esqueça de que apesar de tudo o que está acontecendo no Brasil agora, a Igreja Brasileira tem uma Promessa Missionária a cumprir. Para isto, foi levantada!

O projeto na fronteira continua e qualquer um pode ajudar. Entre em contato comigo se desejar maiores informações.

Que Deus nos abençoe e tenha misericórdia de nós, Sua Igreja no Brasil.

Um grande abraço de sua irmã,
Raquel Elana

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