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O ídolo do Livro

Para cristãos, Jesus é a Palavra, afirma-se. É nEle que está contida toda revelação necessária para que o crente seja nutrido em sua espiritualidade. Ele é o Caminho e a Verdade e a Vida, a verdadeira e eficaz religião, único mediador entre os filhos e o Deus-Pai, não havendo a possibilidade de que qualquer outra pessoa, no céu ou na terra cumpra essa função.

Temos como principal ponto de revelação de Cristo sua Mensagem, a qual foi trazida até nós por sua pregação, a qual promoveu uma passada que oralmente foi passada e, por fim, registrada em forma escrita.

A partir dessa escrita, diversos pergaminhos foram juntados e assim foi consolidada a Bíblia, um Livro de tradições que compreende os ritos judaicos e também os cristãos, canonizados por uma junta de cristãos notáveis em seu tempo, sob a ordem do imperador romano, auto aclamado sucessor de Pedro na liderança da religião cristã, Constantino.

Voltando ao presente, dia desses, diante de uma reflexão que compartilhei em meu blog, fui interpelado severamente por um pastor evangélico que disse, sem o menor, constrangimento: “irmão, pela perspectiva da Bíblia, pela lógica da Bíblia, você está errado”.

Uau! Ser enquadrado assim, de forma tão veemente, implacável e absoluta, não me dá a menor chance de debate, pois o irmão se colocou numa posição tão superior à minha que, tal como um Papa inquisidor, não concedeu a menor oportunidade de defensa ou questionamento e, embora tentasse, fui sumariamente excluído de seu rol de amigos no Facebook, simples assim.

No entanto, duas perguntas que não calaram dentro de mim desde aquela ocasião foram: “qual é a lógica da Bíblia? E: quem a detém?”

Presenciamos e vivenciamos nesta geração um festival sem fim de revelações e doutrinas conflitantes entre si. Denominações evangélicas nascem todos os dias com a mesma velocidade do crescimento dos evangélicos no Brasil. Somente esse fato já deveria ser o bastante para provar que a Bíblia é inexoravelmente relativa!

Calma, pare, pense um pouco. Não quero ferir seu ídolo, só quero compartilhar uma nova forma de fazer a leitura do Sagrado!

A Bíblia pode estar certa, mas também pode estar errada, à medida que depende de interpretações humanas para ser decifrada, estando submetida à inteligência, ao humor, aos ‘revelamentos’ transitórios e às revelações proféticas determinadas para tempos, eras, conjunturas etc.

Como peça literária, a Bíblia não tem em si vida própria e não pode ser inerrante, como alguns gostam de bradar. Sendo um objeto físico, com letras humanas, tendo sido gerada aqui na terra através da lente da ideia, cultura e tradições de homens comuns (inspirados por Deus, sim), sendo uma coleção de livros que narram a história e os acontecimentos de povos de Deus, mas que não são o próprio Deus.

Se existe uma lógica da Bíblia, obviamente essa lógica deveria – em minha opinião – determinar que o poderoso Deus não cabe num Livro, por maior e mais sábio que seja. Não existe a menor possibilidade dela conter a Deus, embora todos os crentes reconheçam que Deus se revela através dela.

Vou além, considerando que tal lógica além de limitar a ação de Deus ainda passa a constituir uma prática de idolatria, pois procura dar uma forma para o Todo Poderoso, o que é proibido pela mesma Bíblia. Ou seja, tentar formatar a pessoa mística de Deus é pecado, pois Deus é Espírito e não tem forma de coisas humanas, entre elas, letras.

Acredito que a única forma de dar vida à Palavra literária é desenvolvendo uma relação particular, íntima com Cristo, que é a Chave para toda revelação. É essa chave que abre, não somente o Livro, mas também nossas mentes, lançando a Luz da Verdade para que possamos contemplar sua sabedoria. Fora disso, qualquer revelação humana consiste em acender pequenas e fracas faíscas, iluminando apenas como tochas nas mãos de um homem qualquer, que anseia liderar algum movimento, na presunção de deter em sua perspectiva particular os conhecimentos da “lógica da Bíblia”.

Eu já li e ouvi muitos homens! Já ouvi Malafaia, Watchman Nee, Ellen G. White, T.L. Osborn, Irmão Rubens, Morris West, Benny Hinn, Caio Fábio, Carlos Mesters, Leonardo Boff, C.S. Lewis, Tozer entre inúmeros outros teólogos. Obviamente todos compartilharam comigo perspectivas, algumas delas profundamente conflitantes entre si, mas observar isto foi de grande valor para a construção de meus conhecimentos.

Importante ressaltar que essa é a minha perspectiva, tal como a de muitos outros, com as quais acredito ser capaz de conviver, tendo buscado conviver e, embora possa enxergar diversos aspectos teológicos de forma diferente, acredito ter as bases fundamentais de minha fé cristã bem definidas e solidificadas na pessoa de Cristo, o que me basta.

Foi a partir da leitura que fiz da Bíblia que me encontrei comigo mesmo e me horrorizei com o que vi, mas logo depois fui lançado num mar de graça e aceitação. Aliás, foi ela própria que me proporcionou entendimento suficiente para fazer da religião institucional algo completamente descartável em minha vida, bem como seus literalismos e catecismos maniqueístas, que visam, como qualquer outra instituição desse Sistema de Coisas, manipular.

Creio que a melhor saída para uma leitura eficaz da Palavra Escrita é procurar estar ligado na pessoa de Jesus, que vive e está entre nós por seu Espírito, falando continuamente a cada filho e filha de Deus. Ligados diretamente à Videira e não estando restrito aos ramos farisaicos, com seus pedágios, estamos aptos a receber a seiva pura que promove vida abundante. Daí, confio, a Palavra possa se tornar em Vida e Amor e não em Morte e Ódio, como tem sido pra muitos.

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