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A guinada progressista da revista Veja

Por Johnny Bernardo

Amada por uns, odiada por outros, há quase cinquenta anos a revista Veja vem despertando os mais variados sentimentos de leitores e não-leitores de suas publicações. A primeira edição foi lançada em 1968, mesmo ano da publicação do Ato Institucional Número Cinco, que endurecia o já repressivo regime militar brasileiro. O ano de 1968 também foi marcado por grandes manifestações nos EUA, Europa e China. Foi neste contexto que o administrador Roberto Civita deu o pontapé inicial para a criação de um veículo de comunicação inspirado na revista publicada nos EUA, a Time.

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A revista Veja surgiu como um meio de comunicação de tendência centrista ou centro-esquerdista. Assim como outros veículos de comunicação, enfrentou a censura dos militares. Teve edições retiradas de bancas, e outras tiveram de passar pelo crivo da censura. Resistiu ao período, apesar de quase ter sido extinta por falta de receita. Adentrou à década de 80 com publicações centradas no cenário nacional e internacional. O ciclo progressista foi interrompido nos anos 90, mesmo período em que o mundo passou a ser reorganizado pelo sistema capitalista. A Veja abraçou o liberalismo econômico direitista.

A partir de 2002, com a eleição do torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva, a Veja passou a centrar sua atenção na cobertura das gestões petistas de Lula e, a partir de 2011, de Dilma Rousseff. Foram diversas as publicações de reportagens e artigos em que criticava abertamente o Partido dos Trabalhadores. Nomes como Reinaldo de Azevedo, Rodrigo Constantino, Joice Hasselmann, Ricardo Setti engrossaram o coro contra os petistas. Não somente o PT, mas também movimentos sociais e progressistas entraram no radar da editoria da revista Veja. Nem mesmo índios escapavam da metralhadora giratória de Veja.

Desde o começo de 2016 Veja passa por reformulação editorial. Apesar de ter participado do impedimento da presidenta Dilma Rousseff – inclusive com uma matéria de capa publicada em outubro de 2014 em que Alberto Youssef declara que “Lula e Dilma tinham conhecimento da corrupção na Petrobras” -, Veja está se recompondo. Com a chegada do jornalista e correspondente internacional, André Petry, à chefia da Veja, um novo ciclo teve início. André Petry formou-se em jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas, tendo também estudado Filosofia por alguns semestres, embora não tenha concluído o curso.

A chegada de Petry ao topo da cadeia de comando da revista Veja foi seguida por uma mudança editorial com tendência progressista. Polemistas como Rodrigo Constantino e Joice Hasselmann foram desligados da revista, dando lugar a progressistas como o jovem colunista Kalleo Coura. Consequentemente, temas como feminismo, empoderamento, desarmamento, maioridade penal, aquecimento global, punitivismo, descriminalização das drogas etc., passaram a ser discutidos abertamente nas páginas das edições de Veja.

André Petry é um feroz crítico da intromissão religiosa em temas pertinentes ao Estado, tendo este contribuído com a guinada progressista da revista. A mudança editorial gerou revolta entre leitores identificados com a direita, inclusive com duras notas de repúdio no site Voltemos à Direita. Reclamações como “as páginas de Veja estão cada vez mais vermelhas” pipocam entre os leitores da revista. Seja como for, o editorial de Veja diz “representar os interesses do povo brasileiro” e que “não representa qualquer segmento ou ideologia política”. A guinada progressista, no entanto, é um fato cada vez mais perceptível.

Nos Estados Unidos, veículos de comunicação como o jornal The New York Times, CNN, The Nation há décadas têm produzido reportagens e artigos diferenciados, com forte teor progressista. No Brasil, a Folha de São Paulo igualmente é reconhecida por sua “democracia editorial”, tendo em suas páginas colunistas das mais variadas matizes ideológicas, conservadores e progressistas. A adoção, pela Folha, do profissional chamado de “Ombudsman” (termo associado ao sueco Ombudskvinna, “representante do povo”) estabeleceu um diferencial no meio jornalístico. Cabe ao Ombudsman ponderar o conteúdo.

Duas edições em especial exemplificam o novo ciclo progressista de Veja. Na edição de 17 de agosto de 2016, Roberto Pompeu de Toledo, no artigo “Quem somos”, faz uma dura crítica aos agressores da judoca Rafaela Silva, que outrora fora chamada de “macaca” por brasileiros insatisfeitos com sua atuação na Olimpíada de Londres. Na mesma edição a revista abre espaço para o ateu Sotomaior, com seu artigo “O Estado é laico apenas no papel”. Na mesma edição há menções ao Darwinismo e aos clássicos Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Casa Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre.

Na edição de 23 de novembro de 2016 temos mais alguns indícios da nova orientação editorial de Veja. Na entrevista “A Voz Rouca das Ruas”, o jornalista Sérgio Martins destaca, na epígrafe, o papel que a cantora Elza Soares exerce entre jovens e feministas. Em “A nova líder do mundo livre”, Duda Teixeira descreve a contribuição humanista da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que tem estabelecido um contraponto às políticas restritivas e discriminatórias do republicano Donald Trump. Na coluna Página Aberta, Veja dá espaço ao artigo “Sequestro e Resgate”, do deputado federal, Chico Alencar (Psol).

IstoÉ e Época

A revista Veja passa por um processo de recomposição editorial semelhante ao que ocorreu com o jornal The New York Times, a BBC de Londres, o El País e a Folha de São Paulo. Outros veículos de comunicação do Brasil outrora avessos a temas progressistas, como as revistas Época e IstoÉ também dão sinais de mudança de comportamento em relação a temas como perseguição de minorias e descriminalização de drogas. No artigo “A nova era do ódio e da intolerância”, os jornalistas Amauri Segalla e Elaine Cruz discutem as políticas discriminatórias de Trump e o pouco espaço a latinos e negros em sua administração.

Na edição de janeiro de 2017 a presidenta do STF, Cármen Lúcia foi chamada de “A nova voz da República”. Lúcia é uma das maiores críticas do sistema penitenciário e do atual modelo punitivista adotado pelo Código Penal Brasileiro. Ainda mais bombástica foi a edição de 25 de janeiro, em que IstoÉ adere as ideias progressistas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu tratamento da problemática das drogas. Na reportagem “A hora de descriminalizar as drogas”, IstoÉ declara que a “atual legislação alimenta o tráfico e fortalece as facções criminosas responsáveis pela barbárie nos presídios” e concluí a epigrafe com o seguinte questionamento: “Não é o momento de mudar isso”?

Época também vem dando sinais de tendência progressista. Na capa da última edição, a revista chama a atenção dos leitores para o furacão chamado Donald Trump. Assinada por Teresa Pedrosa, a matéria de “Vergonha americana” discute o polêmico decreto de Trump, que proíbe a entrada de imigrantes originários de sete países de maioria muçulmana. A matéria destaca que “o decreto do presidente Donald Trump contra a imigração desrespeita os valores de um país que construiu sua riqueza com o trabalho de imigrantes”, e finaliza: “A reação de movimentos da sociedade americana mostra que haverá muita resistência a nova Casa Branca”. A capa da edição 878 da Época é ainda mais sintomática, pois nela o presidente Barack Obama é aclamado por sua diplomacia – algo que não vemos em Trump.

Época destaca a capacidade de negociação e pacifismo do ex-presidente Barack Obama.

 

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