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Funda-mental!

“A ciência incha, mas o amor edifica. E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber”. 1 Coríntios 8:1-2

Hoje, aqui no Brasil, vivemos cercados por afirmativas absolutas no campo da fé. Em nossa necessidade emergente de provar aos outros que possuímos (ou estamos possuídos) pela revelação certeira da verdade, transformamos a fé orgânica – que deveria ser fonte de vida e de convicções interiores e eternas diante da morte e da corrupção deste mundo – em um show de argumentos baseados em perspectivas quase sempre ilógicas.

Tudo fruto da recorrente prática religiosa que insiste em transformar parábolas, alegorias e aforismos sagrados em súmulas e tendências jurisprudenciais diante da vida e da sociedade.

Traduzindo: fundamentalismo!

Todos os que cremos estamos (sobre) naturalmente imbuídos de uma busca pessoal por uma nova cultura, um novo jeito de ser e de se portar diante da vida e das coisas que a envolvem.

Lembro-me que, certa vez, após um batismo coletivo na igreja em que servia em Porto Alegre, um menino bem jovem – uns doze anos – chegou em mim e perguntou: – E agora que sou batizado, o que eu devo fazer? Sem saber bem como responder de forma convicta, a primeira ‘coisa’ que me veio à mente foi: – Decore os Dez Mandamentos!

Nessa época, eu tinha uns vinte e poucos anos, estava começando a carreira ministerial e tudo o que eu tinha em minhas mãos eram os catecismos que havia recebido por tradição em escolas dominicais. Ocorre, no entanto, que o tempo com suas intempéries, o correr da história e as mudanças que a própria vida infere a todos são inexoráveis promotores de transformações em qualquer pessoa e aquelas regrinhas básicas se tornaram fracas diante da complexidade da existência humana. Talvez fosse o bastante pra mim, aos vinte e poucos e pro guri aos doze, mas não é mais suficiente para respaldar a fé de alguém que busca muito mais do que molhar os tornozelos na imensidão desse mar que está diante de todos.

Tudo isto me conduziu por um caminho de reflexões mais profundas e tem me obrigado a mergulhar minha âncora num lugar cada vez mais misterioso (Hb. 6:19), no qual não há respostas objetivas – tal como as do catecismo – e os questionamentos se tornam cada vez mais complexos.

Diante da violência que só aumenta, da corrupção insistente dos principais deste mundo, da morte que chega cada vez mais perto, da doença que nos acomete e nos tira o brilho dos olhos, do esfacelamento das famílias, das injustiças sociais cada vez mais gritantes e nós, por outro lado, cada vez mais surdos a elas.

Através de nossa posição literal da Bíblia, nos tornamos implacáveis perseguidores dos gays e miseráveis inertes diante dos pastores corruptos, adúlteros e idólatras; é pela Bíblia também que abençoamos as nações capitalistas, financiadas pelas indústrias das guerras e pelo consumismo desenfreado, cujos líderes impõem suas direções através do cassetete da propaganda e, por outro lado, excomungamos os miseráveis socialistas, por seu virtual insucesso, falta de glamour e por seus líderes tiranos, os quais usam cassetetes de pau.

Cansa ter que lutar pela fé (algo tão particular e nada convencional) diante dos que se dizem irmãos, os quais tentam desqualificar  a todos quantos imaginem novos rumos e possibilidades bíblicas.

Veja só, não me interessa impor meus conhecimentos sobre outros, mas o que anseio de verdade é pela chegada de um tempo em que possa compartilhar o conhecimento como um pão, assim como no modelo do Cristo.

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