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Família Manson: uma mancha negra na História

“Confusão, confusão, confusão, yeah!” (Helter skelter, helter, skelter, Helter skelter), conclamava o refrão da música Helter Skelter (“Confusão”), gravada em 1968 pelos integrantes da jovem banda inglesa de rock and roll, The Beatles, composta por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, dos quais apenas Paul McCartney e Ringo Starr sobreviveram para contar história – Lennon foi assassinado em 1980 enquanto passeava pelo Central Park, em Nova Yorque, e Harrison em Los Angeles, em 1991. De uma banda de letras inocentes, como os reis do iê-iê-iê, aos poucos os Beatles adicionaram novos ritmos e letras de confusão, transformando-se em uma banda de canções violentas, servindo de inspiração para o surgimento de movimentos extremistas nos Estados Unidos, como o liderado pela Família Manson, que iniciou uma onda de terror na Califórnia.

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Charles Miller Manson nasceu em Cincinatti, Ohio, EUA, em 12 de novembro de 1934. Teve uma infância conturbada. Sua mãe, Kathleen Maddox (1918-1973), era prostituta e deu a luz a Manson aos 16 anos de idade. Em 1939 foi presa após cometer um assalto em Charleston, capital da West Virginia. Então com cinco anos, Manson é entregue aos cuidados de uma tia, com quem permaneceria até meados de 1942, com a libertação de Maddox. No reencontro, Manson foi recebido por sua mãe com um abraço – fato que ele considerou, mais tarde, sua única experiência de alegria na infância. Permaneceram juntos até 1947, quando um tribunal determinou o recolhimento de Manson para a Escola Gibault for Boys (“Escola Gibault para Meninos”), uma entidade para menores em estado de abandono fundada em 1909 pela organização católica fraterna Knights of Columbus (“Cavaleiros de Colombo”), de onde fugiu após 10 meses para se juntar à sua mãe, mas foi rejeitado por ela ao reencontraram-se em Cincinatti, no Estado de Ohio.

Abandonado, cometeu seu primeiro assalto a uma pequena mercearia e a outros comércios da região, quando foi apanhado e enviado para um reformatório de Indianópolis, fugindo no dia seguinte e novamente recolhido a outro centro juvenil, aos Boys Town (“Meninos da Cidade”, outra organização filantrópica com sede em Nebraska), de onde também fugiu quatro dias depois em companhia de outro menor, com o qual cometeu novos assaltos. Então com 12 anos procurou sua mãe e novamente foi rejeitado por ela. No ano seguinte, novo recolhimento. Dessa vez internado no The Indiana Boys School (“Escola para Meninos de Indiana”), diz-se, tempos depois, ter sido abusado sexualmente, juntamente com outros menores infratores; não somente em Indiana, mas também nos demais reformatórios pelos os quais passou disse ter sofrido abusos. Sua revolta e desejo de vingança aumentava na medida em que sofria abusos – uma das razões de seu distúrbio.

Diagnosticado com problemas psiquiátricos e portador de um QI acima da média (com algo em torno de 109, e depois avaliado com 121), Manson cometeu seu primeiro atentado sexual contra um menor antes de sua fuga, em 1951, então com 17 anos, quando o ameaçou com uma arma branca, enquanto o abusava. Pego em uma estrada federal entre Utah e a Califórnia, em companhia de outros dois menores e de posse de um carro furtado, foi enviado para o Leste, para o National Training School For Boys (“Escola Nacional de Formação de Meninos”). Do NTSB, a pedido de um psiquiatra, foi transferido para o Natural Bridge Honor Camp, um acampamento de segurança mínima para tratamento de jovens com transtornos. Mesmo tendo recebido um tratamento diferenciado (foi alfabetizado) e tido uma melhora em seu comportamento, Manson voltou a praticar atos violentos. Transferido para Petersburg, na Virginia, um mês antes de seu julgamento (marcado para fevereiro de 1952), de lá foi novamente transferido para Chillicothe, sete meses depois.

Condicional

Avaliado em condições de voltar ao convívio social (após quase dois anos de estudos e dedicação às atividades), Manson foi liberado para condicional em maio de 1954. Inicialmente permaneceu com seus tios, em West Virgínia, sendo finalmente aceito por sua mãe. Dez meses depois casou com uma garçonete chamada Rosalie Jean Willis. Entre trabalhos temporários e pequenos furtos, foi novamente detido em uma estrada federal, mas, após passar por uma análise psiquiátrica, foi-lhe permitido permanecer em condicional, conquanto comparecesse em data marcada a um tribunal de Los Angeles, onde passaria por uma nova audiência. Não havendo comparecido a tempo, foi detido e recolhido a um centro de correção de Indianápolis, Indiana. Com a condicional revogada, Manson passou a cumprir uma sentença de três anos de reclusão em uma penitenciária de São Pedro.

Enquanto cumpria sua pena em São Pedro, sua mulher, Willis, concebeu seu primeiro filho, o pequeno Manson, Jr. Willis passou a morar com sua sogra, e, entre vindas e idas a São Pedro, conheceu um novo parceiro, com o qual passou a viver junto. Revoltado, Manson tentou empreender uma nova fuga, sendo impedido; ao entrar com um pedido de condicional, foi negado. No ano seguinte, 1958, um novo pedido de condicional foi aceito. Livre, casou com uma prostituta, com a qual teve seu segundo filho. Prostituição e crimes financeiros foram alguns dos delitos praticados por Manson, levando a revogação de sua condicional, em 1961. Recluso em uma penitenciária na ilha McNeil Island, conheceu o canadense Alvin Francis Karpis, um guitarrista com histórico de violência, com quem passou a tomar aulas de guitarra. Selaram uma amizade.

Candy Stevens, com quem Manson teve Charles Luther Manson, pede o divórcio e a guarda do pequeno Luther. Pela segunda vez (e passados três anos do divórcio), Manson é enviado a São Pedro, em Los Angeles. Liberado no ano seguinte (então com 33 anos de idade) aluga um apartamento em Berkeley, na costa leste da Baia de São Francisco, onde, além de violão, se dedica à composição de músicas, uma das quais seria adquirida e gravada pela banda The Beach Boys, e intitulada de Never Learn Not to Love. Manson não ficou famoso (não pela música), mas algumas de suas letras e interpretações do mundo seriam seguidas e copiadas por inúmeros boys (“meninos”) daquela geração dos anos 60, o chamado “verão do amor”. Desabrigado e sem um dólar no bolso, Manson passou a morar com uma bibliotecária e mais tarde parceira de crimes, Mary Brunner.

A Família Manson

Da amizade com Brunner e de sua nova vida como hippie, aos poucos Charles Manson organizou sua “família”. Segundo Vicent Bugliosi (Helter Skelter: The True Story of the Manson Murders, 1994: 167), pelo menos 18 mulheres passaram a ocupar o pequeno apartamento. Não mais podendo comportar o número de seguidores, o apartamento é substituído por uma área maior, um rancho a noroeste de São Francisco que, entre as décadas de 40 e 50, foi usado como cenário de filmes de faroeste. Composta em sua maioria por mulheres, a “Família” cresceu para várias dezenas de membros com as viagens de convencimento empreendidas por Manson e discípulos de confiança, que, a bordo de um ônibus usado, percorreram várias regiões da costa oeste dos Estados Unidos, descendo desde o Estado de Washington, passando pela Califórnia e chegando ao México. Do rancho abandonado, a “Família” estabeleceu novas colônias em Malibu, Topanga e Venice.

Misturando elementos da Cientologia (teria, segundo Vicent, na penitenciaria da ilha McNeil Island, em 1961, se associado à seita fundada por L. Ron Hubbard) e da The Process Church of the Final Judgment (“Igreja do Processo ou do Juízo Final”, uma seita organizada entre 1960-70, na Inglaterra, pelo casal Mary Anne e Robert DeGrimston, e geralmente associada com o Ocultismo), Charles Manson desenvolveu seu grupo religioso. Descrito por seus discípulos como o “messias” e o “quinto anjo do Apocalipse”, Manson relata da seguinte maneira sua relação com a Cientologia:

Um parceiro de cela me conduziu à Cientologia. Com ele e outro cara me dedicava a Dianética e a Cientologia. Através deste e de outros estudos consegui sair de meu estado depressivo. Eu estava melhor. Passei a ter uma visão positiva da vida, e aprendi a direcionar minhas energias. (Palavras de Charles Manson, 1989, EUA).

Embora tenha associado aspectos da Cientologia e da Igreja do Processo ou do Juízo Final, Manson não possuía formação doutrinária específica, a não ser sua crença na superioridade branca. Seu principal interesse pela Cientologia girava em torno das técnicas de recrutamento psicológico, desenvolvidas por Hubbard. George e Larry explicam que uma das técnicas de “recrutamento da Cientologia consiste em perguntar às pessoas nas ruas se gostaria de fazer um teste de personalidade grátis. As respostas são colocadas num gráfico e os resultados são mostrados ao voluntário. Na maioria das vezes, os testes mostram a presença de engramas dentro da mente reativa das pessoas. Entretanto, tal comprovante de personalidade é a única parte gratuita do processo” (Dicionário de Religiões, Crenças & Ocultismo, Editora Vida: São Paulo, p. 95).

De sua experiência na Cientologia – particularmente no que se refere às técnicas de recrutamento, do uso da máquina criada por Hubbard para auxiliar nas sessões de análise cerebral, o “E-meter” e da prática de regressão hipnótica – Manson reuniu diversos seguidores na base de operações da Família, em São Francisco, e em outros locais da Costa Oeste. As técnicas, adaptadas por ele, foram utilizadas no preparo psicológico de seus seguidores, levando-os a acreditar em teorias apocalípticas, e na execução de planos macabros, como os oriundos do Helter Skelter.

Helter Skelter

Faltava à ideologia sincrética da Família Manson um inimigo a ser combatido. Em 1968, com o lançamento do álbum número 20 dos Beatles, conhecido como The Withe Álbum (Álbum Branco), a música Helter Skelter despertou o seu interesse. Charles Manson, apesar de possuir um histórico de transtornos mentais, era um hábil manipulador de massas e encontrou na canção dos meninos ingleses a oportunidade para ganhar novos aliados e contribuições financeiras. Segundo passou a divulgar, Helter Skelter era um prenúncio de uma guerra racial, que teria início com um levante violento dos negros contra os brancos, caracterizado por crimes, homicídios e outros atentados. Neste período, segundo Manson, seus seguidores estariam a salvo no deserto, longe dos conflitos que arrasariam cidades inteiras, e que após o término da guerra seriam conduzidos ao domínio.

Como a guerra racial não começou na data prevista, Manson induziu seus seguidores a acelerarem o processo; concebeu a ideia de que, com o assassinato de brancos, os negros seriam culpados e então teria início o helter-skelter. No dia 9 de agosto de 1969 a esposa do diretor de cinema Roman Polanski, a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, juntamente com quatro amigos do casal, foram brutalmente assassinados por discípulos de Manson, que invadiram a residência de Polanski, munidos de armas e facas. Posteriormente, em entrevista a um canal de televisão, em 1982, e em outros depoimentos oficiais, Manson declarou não ter participado das mortes, nem de nenhum outro crime cometido posteriormente; seu interesse, no entanto, pelo controle das faculdades mentais, que surgiu a partir de suas aulas de Dianética, na penitenciária de McNeil, sugere, de fato, que sua participação tenha se dado (pelo menos em alguns casos) na condução psicológica dos que colocariam em prática seus planos. Além dele, outros membros da “Família” teriam recebido aulas de Dianética, uma das bases religiosas do grupo racial.

Dado o fato de que a Cientologia é conhecida (e denunciada) por sua postura excessivamente violenta contra ex-adeptos e opositores de suas doutrinas e práticas, e a informação de que Charles Manson e alguns de seus discípulos teriam sido doutrinados por cientoligistas, os eventos que transcorreram após o dia 9/8/1959 podem, sim, serem associados ao envolvimento de Manson com a Cientologia, mas também há aspectos pessoais da Família Manson e da influência exercida por Anne e Robert DeGrimston que contribuíram para a onda de terror desencadeada no final da década de 60. Após a carnificina na residência de Sharon e Roman Polanski os discípulos de Charles Manson cometeram inúmeros outros assassinatos, como a do empresário Leno LaBianca e de sua esposa Rosemary. Em ambas as ocasiões foram deixadas mensagens (escritas com o próprio sangue das vítimas) com o intuito de incriminar negros pobres e levar a uma guerra total.

Ao invés de uma guerra entre brancos e negros, o que a Família Manson conseguiu foi manchar de vermelho a pacífica geração hippie e, ao invés de um poço no deserto, dois meses depois foi presa e passou a ocupar celas separadas em penitenciárias pelos EUA. O cerco policial ao Rancho Spahn, de Manson, foi montado após uma investigação do assassinato do professor de música Gary Hinman que, embora inicialmente não tenha indicado a participação direta da “Família”, posteriormente os investigadores conseguiram montar o quebra-cabeça, levando-os novamente à “Família”. Entre os primeiros detidos na batida policial estava Susan Atkins, uma das responsáveis pela morte de Sharon Tate e Linda Kasabian, que conseguiu imunidade ao delatar seus companheiros de crime. Não fosse uma mudança nas leis penais de fevereiro de 1972, Charles Manson, Susan Atkins, Charles (Tex) Watson, Patricia Krenwinkel e Leslie Van Housten teriam sido condenados à pena de morte; após 1972 as penas foram revertidas para prisão perpétua.

Um movimento destrutivo

Extinta com a prisão dos líderes, a Família Manson consta de uma lista de movimentos destrutivos, perversos, que deixou profundas marcas na sociedade californiana. Se junta a tantas outras, como o Templo dos Povos, a Ordem do Templo Solar e a Verdade Suprema. É característica de um movimento destrutivo a existência de um eixo, de um líder carismático e aglutinador de multidões, de isolamento social, de ideologias destrutivas ou apocalípticas, de exploração financeira de adeptos em situação de vulnerabilidade social e psicológica. Charles Manson soube explorar a fragilidade de seus adeptos, usá-los para seus objetivos sádicos e financeiros, e ainda cumpre pena em uma penitenciária federal. Segundo agências de notícias, Manson recebeu autorização para se casar com Afton Elaine Burton, 26. A jovem se diz atraída pelos ensinos de Charles Manson, suas práticas e crenças religiosas. Movimentos destrutivos como a Família Manson é um exemplo do perigo, do engodo religioso que avança pelos EUA, Europa, Rússia, Japão e também em terras brasileiras.

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Este artigo é parte do livro Seduzidos pelo Mal, do jornalista e pesquisador de religiões e movimentos destrutivos Johnny Bernardo, com publicação prevista no primeiro semestre de 2015.

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