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Eu não abandonei a igreja, foi o contrário…

Lembro do grande craque Zico, ídolo da minha infância e do time que foi o do meu coração por muito tempo, quando deu uma entrevista falando sobre sua aposentadoria. Sua palavras marcaram profundamente minha alma, tanto que lembro delas como se tivessem sido ditas há poucos dias, a despeito dos cerca de vinte anos já passados. Perguntado sobre qual era a pior coisa na vida de um jogador profissional ao pendurar suas chuteiras, ele disse que era a falta do carinho da torcida, da gloriosa multidão gritando seu nome após um gol.

Ser querido, amado e ter manifestações públicas disso é algo realmente muito saboroso!

Sem querer comparar nada do que tenha vivido em minha humilde e praticamente despercebida existência, lembro-me bem de como me sentia quando era pastor auxiliar e ministro de louvor numa pequena, mas vibrante igreja no sul do país.

Com voz suave, afinado e algum carisma para tratar com o público, em pouco tempo conquistei amigos, irmãos e gente que realmente admirava meu trabalho. Não eram fãs, pois crentes não têm fãs e isso seria idolatria, mas eram pessoas que comumente se importavam comigo, apoiavam minhas ideais (não todas), ajudavam financeiramente (em algumas ocasiões) e até davam presentes em datas especiais (como meu aniversário).

Minha casa estava sempre cheia de gente. Eram os irmãos da célula, do grupo de jovens, do ministério de louvor… nos finais de semana, após cada culto, choviam convites pra ir em várias casas jantar, ou ainda, ir na pizzaria comer. Sempre havia alguma festa!

No entanto, pensador que sempre tentei ser, de uma hora para outra, passei e enxergar novas possibilidades. Vi algumas janelas se abrindo diante de meus olhos espirituais e por elas, percebia que paredes deveriam ser derrubadas e fronteiras rompidas.

Um dia comecei a compartilhar as possibilidades dessas minhas visões com os queridos amigos e, em troca, recebia com estranheza olhares assombrados.

Para minha surpresa, alguns deles diziam: “Irmão, não sei se é bem isso!”, outros, mais experientes, falavam: “Olha, querido, penso exatamente como você, mas decidi fechar meus olhos para essas situações, porque entrar por esse caminho pode ser muito perigoso”.

Por fim, percebi com o tempo que falava grego com meus irmãos e eles, por sua vez, nada mais respondiam, apenas se afastavam.

Sim, eu estava saindo daquela linha de pensamento, daquele sistema que havia sido tão importante pra mim por anos e que agora se tornava obsoleto.

A igreja onde fui salvo de um mundo perigoso que me conduzia para a morte havia se tornado para mim um lugar estranho. Sentia meu espírito pulsante dentro de mim, a Palavra de Deus ainda vibrava e me impulsionava a perseguir os novos e revolucionários rumos, mas meus irmãos, outrora receptivos, me viam como uma espécie de perigo.

De queridinho profeta, havia me tornado um tipo de filho pródigo e adjetivos pejorativos começaram a fazer parte de minha vida. Rebelde, ingrato, Coré, entre outros palavrões de vernáculo gospel me perseguiram e ainda perseguem até hoje.

Havia deixado de ser pastor, entreguei o cargo que ocupava e pelo qual ganhava um salário, enveredei pelo caminho de cantor evangelista itinerante. Meu líder máximo, na época, disse: “ Se você não tem a mesma visão que eu, não serve para andar comigo”. Inocente, não entendia como aquilo seria possível. Só queria andar por um caminho novo – vivo – revolucionário. Não queria me desligar! O que será que eu fiz de tão terrível, a ponto de me tornar inimigo de todos os meus irmãos?

Com o tempo percebi – desde aquela decisão já são mais de 8 anos – que era impossível mesmo andarmos juntos sem estar juntos nos pensamentos. Num exército que anda em uniformidade, alinhado num único pensamento, ideias novas, revoluções e caminhos espirituais que apontam para a liberdade não podem existir. Aliás, coexistência, tolerância, unidade em amor e respeito às diferenças são coisas inadmissíveis num ambiente religioso conquistador.

Teria muito mais pra escrever sobre tudo o que penso acerca de todas essas coisas, mas por ora, só tenho dentro de mim uma saudade dos tempos de queridinho, uma nano partícula do que o Zico tinha medo de perder com a aposentadoria. Por outro, me vejo feliz, vivendo a plenitude de meu momento, de minha família, de minha música, ou seja, de minha vocação pessoal, individual, da qual tentaram me privar anos atrás.

Sei que cometi meus erros e que, assim como fui ferido, devo ter ferido a outros também. E embora pareça existir nestas minhas palavras algum tipo de arrependimento ou nostalgia, sinto-me bem e feliz. Só escrevo este texto por causa do conhecimento que tenho de que todos os dias vários crentes seguem pelo mesmo caminho que eu segui. Os quais, tendo seus olhos abertos e enxergando que não precisam mais se manter reféns de um sistema religioso para viver sua fé cristã, partem no rumo de suas novas histórias em Cristo, formando novas, vivas e genuínas comunidades evangélicas, seja em casa, no bar, no trabalho, na rua, no estúdio etc.

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