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A esquizofrenia de Malafaia

Imagino que todos já saibam da última denúncia de Silas Malafaia contra o Partido dos Trabalhadores (PT).

Malafaia alega que governo Dilma está aparelhando a Receita Federal para lhe perseguir, por meio de uma série de investigações infundadas contra sua denominação, a Associação Vitória em Cristo. A denúncia é grave e parece consistente.

O pastor tem toneladas de documentos a seu favor. Diferentes investigações abertas por vários grupos de auditores contra a mesma instituição, exigindo os mesmos documentos, representam um claro sinal de que algo está errado na Receita Federal.

O que me surpreende não é a possibilidade de que o PT esteja aparelhando mais um órgão público que deveria primar pela total imparcialidade.  O que me deixa atônito é que, a esta altura do campeonato, Malafaia demonstre abertura para apoiar políticos petistas.

Qualquer cabeça pensante é capaz de detectar contradições fundamentais na postura do pastor que ora cumpre o papel de verdugo do petismo no meio evangélico.

Malafaia já percebeu que o PT é capaz de mobilizar todos os meios para retirar adversários do caminho. Ele já entendeu que o petismo se transformou em uma ideologia que justifica toda sorte de abusos com a desculpa de que tudo é válido na “guerra contra a pobreza”.

Apesar de ter aprendido tudo isso – por experiência própria – Malafaia ainda se presta ao papel de apoiador de petistas históricos e perversamente contaminados  pela ideologia que tudo justifica “em nome do social”.

Até pouco tempo atrás Malafaia apoiava o petista Lindberg Farias (o cara-pintada que hoje se aliou a Collor) para o governo do Rio de Janeiro. O pastor assembleiano usava sua credibilidade junto a líderes evangélicos para abrir as portas de igrejas cariocas ao petista.

Ora, Lindberg vestiu o estereótipo de “político amigo dos crentes”. Passou a visitar as igrejas evangélicas com uma freqüência que chamou a atenção da mídia. Mas o próprio Lindberg confessou, sem cerimônia, o seu real interesse nas igrejas:

Na Igreja Católica, é diferente: você não fala. Já no templo evangélico, muitas vezes há 2 000, 3 000 pessoas. Onde mais o cara tem a possibilidade de falar para 3 000 pessoas assim?

É claro que um petista só se interessa em visitar as igrejas pela possibilidade de contrabandear seu discurso esquerdista para o meio evangélico. Malafaia, tão astuto com as artimanhas do PT, não percebeu ou ignorou o oportunismo do seu então candidato.

Mesmo que Lindberg fosse um “amigo dos crentes” é obrigado a sustentar as bandeiras do seu partido. Ele até ensaiou uma defesa de Malafaia no Congresso, na época em que tentavam lhe cassar o registro de psicólogo, mas não pode fugir das prioridades máximas do petismo.

Um exemplo elucidador: Malafaia se colocou contra a Política Nacional de Participação Social (PNPS) que cria conselhos “populares” para aparelhar órgãos do governo federal:

A questão é que grande partes dos conselhos são bancados pelo governo. É uma afronta ao Legislativo a criação desses conselhos. O que estamos vendo é uma réplica da Venezuela, é o controle total do Estado

A postura do ex-candidato de Malafaia era bem diferente. Coerente com a ideologia do seu partido, que justifica toda sorte de abusos com a desculpa de que tudo é válido na “guerra contra a pobreza”, Lindberg Farias fez propaganda positiva dos conselhos soviéticos:

Enquanto a oposição paralisa e obstrui a pauta no Legislativo, parte da mídia se soma para condenar uma iniciativa que só favorece a participação popular […] É por isso que meu compromisso maior frente à crise de representatividade é justamente no fortalecimento dos mecanismos de democracia participativa. Quem não tem medo do povo não teme

É verdade que Malafaia retirou seu apoio a Lindberg. Mas é improvável que o petista não fosse agir da mesma forma mesmo que ainda contasse com o apoio do pastor assembleiano. O inocente útil nessa história foi o próprio Silas Malafaia.

E ele tem sido de grande utilidade para o PT desde 2002 quando foi um dos primeiros líderes evangélicos a convencer os cristãos de que Lula e seu partido não representavam qualquer ameaça à liberdade religiosa ou à própria democracia.

Naquele ano, em um concorrido evento numa churrascaria na zona norte do Rio, vários líderes evangélicos “ungiram” o petista como seu escolhido para a corrida presidencial.

Em seu discurso, um bíblico Lula se comparou com Cristo:

A gente não tem que ter medo, a gente tem que votar com consciência, porque se a gente permitir que prevaleça a teoria do medo, a gente vai voltar milhares de anos atrás, quando Herodes, por medo do novo, queria matar todas as crianças à procura de Jesus Cristo

Presente ao evento, com toda astúcia que lhe caracteriza, Malafaia não julgou o petista megalomaníaco. Pelo contrário, assinou embaixo no discurso do messiânico Lula. Uma notícia sobre o evento conta que o assembleiano desprezou o medo sobre a eleição do petista:

O pastor Silas Malafaia, presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos, que congrega mais de 10 mil pastores, também refutou a teoria do medo.

Poderia ter sido apenas um erro de cálculo – algo aceitável em qualquer ser humano. Durante o governo Lula o pastor começou a perceber os riscos oferecidos pelo PT à liberdade religiosa, além dos ataques à família tradicional.  Ele dizia que Lula havia quebrado promessas.

O intrigante é que, mesmo após verificar os perigos no primeiro governo petista, um já vacinado Malafaia não hesitou em apoiar a reeleição de Lula em 2006:

Mesmo depois de ver todos os ataques à família brasileira no primeiro mandato de Lula, Malafaia apoiou sua reeleição, mostrando um lado obstinado e cego de seu caráter evangélico. Nessa altura, em 2006, a obsessão pró-homossexualismo de Lula estava bem patente, nacional e internacionalmente.  

Isso já não é mais erro de cálculo. É algo que precisa de explicação. Malafaia costuma justificar sua posição absurdamente ambígua com frases do gênero:

Não demonizo partido político nenhum. Como todos sabem, já votei em Fernando Henrique, Lula e Serra.

O pastor quer sinalizar que está aberto a parcerias com qualquer político. Isso faria dele um democrata, um sujeito pluralista e racional, certo? Não. Quando falamos de um partido que pretende tomar conta das instituições, apoiar seus candidatos é fortalecê-lo.

Se Lindberg fosse eleito governador do Rio de Janeiro com o apoio de Malafaia, e fizesse um bom governo, o passo lógico seguinte seria a presidência. E o novo Lula de Malafaia, apoiador dos conselhos soviéticos, certamente faria novos estragos na presidência.

Silas Malafaia considera que o PT representa uma ameaça a democracia:

O PT se julga dono do povo e senhor da nação, típico de governos comunistas. O povo vai responder nas eleições. Depois não digam que não avisei: o PT quer controlar a mídia,  e os próximos são os evangélicos

Eu concordo com a avaliação. O que surpreende é que o assembleiano continue agindo como se não houve problemas em apoiar petistas “do bem”. Ora, todos petistas são obrigados a seguir as diretrizes do partido e compartilham a mesma ideologia.

Não faz sentido que o pastor apoie qualquer petista. Se estivéssemos na Itália de Mussolini, o bravo Malafaia se posicionaria contra o fascismo, mas, paralelamente, deixaria aberta a possibilidade de apoiar uns tantos fascistas “do bem”?

Silas Malafaia vai continuar aberto a possibilidade de apoiar políticos de um partido que, segundo ele próprio, usa até a Receita Federal para lhe perseguir?

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