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Do filistinismo imperante e suas consequências

“Muitos pais não percebem, mas seus filhos se tornaram idiotas”. A frase é de Ziraldo, um dos grandes beneficiários do Bolsa-Terrorista dado pelo governo dos mensaleiros a seus velhos parceiros de guerrilha e agitação revolucionária nas décadas de 60 e 70. Eis uma celebridade da 22ª Bienal do Livro de São Paulo, alguém visto como referência para a educação das crianças, e que, muito à vontade, denuncia o “‘emburrecimento’ endêmico da sociedade”. A expressão é do repórter do Uol.

Ziraldo parece se enganar, mas na verdade apenas se esquiva. Não são apenas os filhos os idiotas. A idiotização começou antes. Foi na geração dele, nesta da qual é ícone. Idiotizados estão os pais que veem em Ziraldo alguém apto a falar sobre educação. Até entendo que ele não goste do UFC, mas seu comentário, comparando um momento de “ground and pound” com uma cena de sexo reflete o quão vulgar, rasteiro e superficial tem se tornado o debate sobre cultura e educação neste país. Qualquer bárbaro bêbado, em qualquer rude taverna, faria exatamente a mesma comparação.

A aridez ziráldica se expõe em outros momentos. Como ele pensa suas obras destinadas a crianças? Nada de método, nada da evocação de grandes temas, nada de pedagogia para nutrir mentes jovens, ávidas por conhecimento e crescimento intelectual: “Não tenho um talento como o de Thalita Rebouças ou da autora do Harry Potter. Eu parto de uma ideia simples como uma ilustração e tento fechá-la com chave de ouro, como fazia quando trabalhava no marketing”. E aí temos a  didática do marketeiro socialista (contradição em termos? Não em tempos de revolução cultural, meu caro) metido a educador. Risível? Lamentável. Na mesma matéria, ele ainda descamba para o que considero umas das marca registradas do filisteu contemporâneo. A fetichização da leitura. Como se ela fosse boa por si, como se fosse um fim em si mesma, e não apenas um meio de obedecer a uma ordenança bíblica: buscar o conhecimento, o entendimento e a sabedoria.

Chega de Ziraldo. Ele é só um exemplo da superficialidade e tosquice que atinge qualquer tentativa de conversa séria sobre algum tema relevante no Brasil de hoje. Basta visibilidade midiática, boas relações com a elite política e cultural, aquele carisma bem lapidado com a ajuda de um assessor em media training, e claro, ter crédito no banco do revolução socialista. E então você está com a faca e o queijo na mão para ter desde resenhas favoráveis às suas obras nos mass media, àquele gordo financiamento do BNDES para suas chateações cinematográficas.

O problema é que a exaltação da mediocridade e do filistinismo tem alcance vasto, e nada que não lhe oponha resistência obstinada e franca fica imune à sua influência. Quando o assunto são as igrejas, nem é preciso falar. Em qualquer conversa de pizzaria pós-reunião eclesial, o que pode ser ouvido? No vocabulário, todos os clichês midiáticos,  muitos deles os bordões batidos do humor televisivo. Aqui parece-me que a regra de manipulação exposta por Noam Chomsky se confirma: “trate os como adolescentes, e terá uma resposta de adolescentes. E pode ser ampliada: “trate-os como idiotas, e logo o Ziraldo fará sucesso”; “trate-os como trouxas, e logo a delinquência lulo-petista aliada das FARC no Foro de São Paulo irá dominar as instituições políticas e a cultura do seu país”. E aí temos a dificuldade em ter algum bom papo cujo assunto vá para além das expectativas típicas do materialismo grosseiro da classe média, ou das fixações progressistóides dos universitários cristãos que começam a resvalar na fé por conta da doutrinação socialista; contra a qual não receberam nenhum preparo, nem mesmo um alerta.

Mas o problema não se restringe aos jovens. Em seu ‘A Invasão Vertical dos Bárbaros’, o filósofo Mário Ferreira dos Santos deu um parecer a respeito:

A apologética das religiões superiores tem malogrado em seu intento de corresponder às massas. As igrejas se esvaziam enquanto se multiplicam os locais de crenças equívocas, embora com pomposos títulos de religião superior. Temos visitado esses “templos” em muitas cidades brasileiras, e é de estarrecer a ignorância de muitos falsos pastores, de pessoas do mais baixo primarismo, passarem por “guias espirituais” de multidões, onde se encontram homens que ostentam diplomas das mais pretensiosas faculdades do país. Os discursos que se ouvem são peças da mais baixa oratória, entremeadas de citações bíblicas. Não queremos negar as boas intenções que aí se dão. Contudo, não é bastante a boa intenção para justificar qualquer coisa. O melhor seria que houvesse mais humildade em muitos desses “guias espirituais”, e que procurassem estudar para orientarem-se melhor, a fim de não se tornarem de preferência instrumentos de incultura e de barbarismo do que de religiosidade sã.

Penso que a decadência cultural é um tema cristão por excelência. Falar dela é falar do pecado manifesto em escala coletiva. Quando a cultura se desgastou, quando o povo trocou os valores eternos e universais de seu Deus, sobrevieram as maiores tragédias ao povo de Israel. Começa com um sofisma bobo, uma leviandade intelectual qualquer, um desvio de foco para questões periféricas, comezinhas. Termina em idolatria. E aí veio a guerra, a derrota, o cativeiro. Eis uma constante no Velho Testamento. Não é de se espantar que o Brasil de hoje esteja há poucos passos da implantação de um socialismo ao melhor modelo de “ditadura aberta”: com eleições e tudo, para enganar a massa ignara e para inglês ver. E a igreja teve, sim, sua parcela de culpa em tudo isso.

A nossa idolatria hoje, qual seria? Como avisava o cardeal Newman,

Mentes carnais e orgulhosas estão satisfeitas consigo mesmas. Elas preferem ficar em casa. Quando ouvem falar de mistérios, não têm curiosidade de ir e ver a grande visão, mesmo que ela esteja muito próxima do seu caminho. Aliás, se essa visão cai em seu caminho, elas tropeçam nela.

Egos inflados, presunção. É triste ver essa “sensibilidade pelas menores coisas e essa estranha insensibilidade pelas maiores”, nas palavras de Blaise Pascal.

Que ninguém pense que pode passar impune em relação a estas questões.

***

Na coluna da semana passada, me reportei a ateus e secularistas sensatos. O que obtive, ainda que com uma ou outra louvável exceção? Histrionismo neoateu semi-alfabetizado. Não dá para debater com quem toma teorias como fatos no mesmo momento em que afirma crer apenas no que é provado empiricamente. Nem com quem pensa que em três linhas lança por terra debates milenares sem jamais ter lido uma página de Aristóteles, Anselmo de Aosta ou Leibniz. Estas e outras pataquadas, como o uso de slogans cientificistas do século XVIII, não expõem apenas falta de leitura, superficialidade  e presunção ingênua. Antes, evidenciam que o neoateísmo militante deve ser estudado não como uma ameaça apologética –  uma vez que é a versão empobrecida e amesquinhada de um secularismo diverso -, mas sim como um caso crônico de psicopatologia social.

(Imagem: O Idiota, de Francisco de Goya.)

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