Colunas

Desigrejados e decepcionados com a igreja

Minha mãe me ensinou desde criança uma lição: “Nunca crie expectativas altas demais, porque se o resultado for mediano, você vai se decepcionar. Já se sua expectativa for baixa e o resultado for mediano, você ficará feliz”. A lição de minha mãe nada mais é do que um mecanismo para evitar a decepção. O desapontamento. A frustração. E o maior deles seria não esperar demais de nada nem de ninguém. Eu acreditei nisso por muitos anos. Mas hoje vejo que ela estava errada. E já explico o porquê.

Quando uma pessoa passa a frequentar uma igreja, ela cria uma expectativa. Todos nós, que não nascemos em berço evangélico, passamos por isso e sabemos disso. Esperamos que na igreja a pessoa seja diferente. Vemos no pastor a figura do representante de Deus. E esperamos do irmão e dos líderes nada menos do que o melhor. Um comportamento exemplar. Amor transbordante. Só que o tempo passa e a gente descobre que membros e líderes de igreja são seres humanos absolutamente normais: erram, pecam, desiludem, às vezes até maltratam.

Como nosso nível de expectativa era altíssimo, a decepção com palavras ou atitudes dentro da igreja provoca uma frustração colossal. Não suportamos que um irmão ou um pastor errem como nós erramos. Ficamos magoados. Feridos. Machucados. E, atendendo ao instinto de defesa do animal humano ante o predador, fugimos.

Ao fugir, uns se desviam e apostatam da fé. Outros mantém vivo o amor por Jesus e caem na ilusão de que se viverem sua fé numa comunidade alternativa não terão essas decepções, tadinhos. Tornam-se o que passou a se chamar de “desigrejados”. Esses decepcionados creem que fugindo do templo conseguirão fugir da decepção com as pessoas. Só que paredes, tijolo e argamassa não carregam em si o potencial de decepcionar: pessoas carregam. Por isso, o desigrejado dá um tiro no próprio pé, por se iludir com a falsa promessa de uma segurança fora dos templos institucionais. Mas o tempo vai passar e ele vai descobrir que a decepção e a frustração acompanharão quem convive com gente.

Pois esse é o âmago da questão. Desigrejar-se e ficar pela internet escrevendo para pessoas de outras cidades: “Amigaaaaa! Eu te amooooooo!” é mole. Pois você está convivendo com um avatar, mesmo que fale vez por outra por MSN, telefone, Skype. É como um namoro, em que nos primeiros meses cada um só vai mostrar o melhor de si. O mesmo ocorre nas “comunidades” dos desigrejados (ou “adenominacionais”, como alguns fazem muita questão de dizer). Mas conheça fundo cada pessoa, cada irmão desigrejado que faz parte da sua “comunidade de fé” virtual ou real. Você vai descobrir que ele tem o exato mesmo potencial de decepcionar e frustrar que um ser humano que frequenta uma igreja institucional. Por uma simples razão: carrega em si a semente inexorável do pecado.

É por isso que tantos desigrejados têm retornado às igrejas tradicionais: descobriram que fora dos templos pessoas continuam sendo pessoas. Que se decepcionaram do mesmo jeito. Que a frustração é igualzinha. E é por isso que afirmo que a moda dos desigrejados vai passar. Pois pode levar algum tempo, mas eles também serão feridos fora dos templos – e isso já está acontecendo, e muito. Hoje eles não enxergam. Mas espere uma ou duas décadas e você verá o balanço do pêndulo levá-lo para o outro lado.

Minha mãe estava errada. Conversando com uma psicóloga sobre a ideia de manter baixo o nível de expectativas para não sentir a dor da decepção, ela me disse: “Zágari, a questão não é criar baixas expectativas para não se frustrar. O segredo está em aprender a conviver com a decepção, com a frustração. Pois elas são inevitáveis”. Ouvir isso literalmente mudou minha vida em igreja. Porque, a partir daí, aprendi que serei ferido. E passei a pensar em como reagir a isso. Fugir? Não, não é essa a solução.

O caminho é compreender que o ser humano, dentro ou fora de um templo institucional, erra. Decepciona. Frustra. Magoa. Machuca. E lidar com essa verdade. Hoje eu sei que serei em algum momento traspassado por palavras e atitudes de irmãos ou pastores da igreja. Pois são cristãos, mas também são humanos que pecam. Sabendo disso, não agirei como uma menininha chorona, fazendo mimimi ante uma decepção: agirei como Jesus, estendendo graça e compreendendo a falibilidade humana. Compreendendo que Igreja é corpo. E quando o pé dói e faz todo o corpo sofrer, a mão não tem culpa, mas ela não vai se extrair do corpo para se livrar do pé que a faz sofrer. A mão irá cuidar, tratar, tolerar o pé.

E é isso o que temos de fazer: se alguém na igreja institucional te decepciona, magoa, fere, se desigrejar não resolverá absolutamente nada. Pois vocé largou o pé doente para lá, não tratou dele e ainda foi embora, deixando o corpo maneta. E vai se juntar a um corpo “alternativo”, a uma “comunidade”, a um grupo “adenominacional” onde haverá outros pés doentes que te farão sofrer, mais dia, menos dia. Ou seja, troca-se seis por meia-dúzia.

De imediato, se desigrejar parece ser a solução celestial para quem se decepciona dentro da igreja organizada. Em médio e longo prazos, tal pessoa descobrirá que isso não resolve nada. É apenas o mesmo com um verniz diferente. E os que se desigrejaram para não se frustrar (por achar que agora estão numa comunidade onde já se espera que se peque e ninguém cobra nada de ninguém – e por isso o nível de expectativa é baixo), viverão a frustração em dobro. Pois chegará o dia em que, em seu desigrejamento, serão decepcionados, magoados, feridos. Pois se chamar “adenominacional” não fará ninguém ser menos pecador ou decepcionante.

Não busque lugares para viver a fé onde sua expectativa seja baixa. Aprenda a viver com a frustração. Pois ela é inevitável. Pessoas ferem. Desigrejados são pessoas. Meu irmão em Cristo desigrejado, vou te contar um segredo: você se frustrará na comunidade em que vive a fé. É um questão de tempo. Quando (e não “se”) isso acontecer, espero que você já tenha entendido que se decepcionar com o irmão faz parte da jornada cristã.

A questão não é ser ferido ou não. A questão é: o que fazer quando isso acontecer. Fugir? Espernear? Criar dissenssões? Ou ficar e colaborar? Suportar os outros em amor? Cuidar e discipular quem decepciona? Ajudar o pé a sarar e caminhar bem? Mas isso dá trabalho, né? O mais fácil é pegar nossa trouxinha e nos mudarmos para outro modelo de vida cristã, nos enganando que ali não nos decepcionaremos só porque não tem um templo ou um pastor.

Se você quiser refletir mais sobre o assunto, pode dar um pulinho no meu blog pessoal, o APENAS, e ler mais sobre o tema, em posts como Jesus X Igreja: tornei-me cristão quando saí da igreja, Jesus nunca construiu templos e Hippies, porcos e a Igreja institucional.

Aprenda, querido irmão, querida irmã: onde houver gente você se decepcionará. O modelo é só a casca. Para não se frustrar com o ser humano, a única alternativa é fugir do convívio e se trancar num mosteiro ou numa caverna. Mas cuidado. Lembre-se que, ao fazer isso, você estará carregando junto consigo… você mesmo. E você tem um gigantesco potencial de decepcionar a si mesmo, de frustrar a si mesmo, de magoar a si mesmo, de ferir a si mesmo. Imagine então o potencial que você tem de machucar o próximo. E cogite a possibilidade de que o problema não esteja no templo, nos pastores, nos irmãos, no modelo de igreja: esteja em seu próprio coração pecador. Sim, querido, querida: você pode ser o problema. E peço a Deus que você consiga conviver com a pessoa decepcionante, frustrante e magoadora que você é.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Maurício Zágari

Sair da versão mobile