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Dawkins: morte aos bebês com Síndrome de Down

É um prazer ler John Gray (1948-). O filósofo britânico é um dos mestres em expor as contradições e os perigos morais contidos no ateísmo militante. Detalhe: Gray é ateu.

John Gray tem seus problemas com o cristianismo, mas jamais aderiu à histeria infantil de gente que persegue a religião porque acha que a Razão nos basta.

Diante de escoteiros ateus que acham que a ciência responde a todas as perguntas, Gray costuma responder que o conceito de verdade é uma herança cristã e o Iluminismo só pôde acontecer no Ocidente por causa do cristianismo e não apesar dele.

O que leva Gray a desconfiar dos ateus militantes é a fé ilimitada que eles depositam na Razão, o que termina em um utilitarismo imoral, supostamente racional e aceitável.

Em sua excelente coletânea de artigos, “A anatomia de John Gray”, o filósofo ateu dispara contra os ateus militantes que agem como fundamentalistas justamente porque têm a certeza de estarem respaldados pela Razão e a Ciência:

“Os ateus evangélicos nunca duvidam de que a vida humana pode ser transformada se todos aceitarem o ponto de vista deles e sempre estão seguros de que um modo de vida – o deles, adequadamente – é o certo para todos”

Quer uma prova fresquinha dos perigos do fundamentalismo ateu?

Os jornais de todo mundo estão noticiando que o feroz ateu Richard Dawkins usou seu twitter para defender o aborto de crianças com Síndrome de Down. O cientista afirmou que uma mãe que diagnostica o filho com a síndrome, “deveria abortar e tentar novamente. Seria imoral para trazê-lo para o mundo, se você tem a escolha”.

Em uma das respostas, o católico Aidan McCourt perguntou-lhe: “994 seres humanos com síndrome de Down deliberadamente mortos antes do nascimento na Inglaterra e no País de Gales em 2012. Isso que é civilizado?”

Dawkins respondeu: “Sim, é muito civilizado. Esses são os fetos, diagnosticados antes que eles tenham sentimentos humanos”. Mais tarde, ele acrescentou: “Aprenda a pensar em formas não-essencialistas. A questão não é ‘é humano’, mas ‘ele pode sofrer? ‘”.

O utilitarismo é ética de comerciante, diria Marx. Tudo se resume ao cálculo: “Dá prazer? Tira o sofrimento?”. Não importa a questão “humana” nem a dignidade humana. 

Dawkins nega que indivíduos portadores de Down tenham sentimentos humanos, e que assim possam ser considerados humanos, e, consequentemente, tenham direitos humanos.

Eis o humanismo do ateísmo militante em estado bruto.

Outro ateu militante, Peter Singer, já havia negado o status de indivíduo humano a bebês com problemas de formação, fetos e até crianças com graves deficiências.

Singer, contudo, é um defensor radical da “causa animal”.

Peter Singer acha o aborto de bebês humanos uma coisa normal. Mas acha terrível que matemos animais para comer…

Não é por acaso que em seu primoroso artigo “Ateísmo evangélico, cristianismo secular”, John Gray faz o seguinte diagnóstico:

Dawkins fala muito da opressão perpetrada pela religião, que é bastante real. Ele dá menos atenção ao fato de que algumas das piores atrocidades dos tempos modernos foram cometidas por regimes que reivindicavam sanção científica para seus crimes.

Ora, não custa lembrar que a “eliminação de indivíduos defeituosos” era considerado um paradigma científico na Alemanha nazista. Dawkins se sentiria em casa?

 

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