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Carta aberta do Conselho Diretivo Nacional da ANAJURE sobre a circular Nº 46/2013 do CFM

O Conselho Diretivo Nacional da Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE:

Considerando a divulgação da Circular nº 46/2013 exarada pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, após o 1º Encontro Nacional de Conselhos de Medicina de 2013, na qual se comunicou aos 27 Conselhos Regionais, Conselheiros titulares e suplentes, à imprensa e à Sociedade Brasileira que o CFM apoia a Reforma do Código Penal Brasileiro, no tocante a alteração do artigo que trata do crime de aborto, ampliando as hipóteses de excludente de ilicitude, inserindo a descriminalização do aborto pela simples vontade da gestante até a 12ª semana de gestação, conforme previsto no PLS 236/2012 em tramitação no Senado Federal, vimos através desta CARTA ABERTA REPUDIAR a referida Circular nº 46/2013 do Conselho Federal de Medicina, tendo em vista o suporte fáctico e jurídico adiante explicitado:

Verifica-se, in claris, que a manifestação pública do Conselho Federal de Medicina é frontalmente contrária aos direitos humanos fundamentais em especial à dignidade da pessoa humana do bebê. Não podemos deixar de afirmar, de plano e in limine, que se trata de um parecer totalmente equivocado e distorcido da realidade, seja sob a ótica dos Direitos Humanos Fundamentais, seja sob a ótica da Bioética, seja sob a ótica do próprio pensamento majoritário da sociedade brasileira e da classe médica.

Para melhor compreensão do tema, transcrevemos o texto do artigo 128 segundo a proposta de reforma do Código Penal – PLS 236/12 –, que o CFM apresenta como proposição sua para a Comissão do Senado Federal:

“I. Quando “houver risco à vida ou à saúde da gestante”.

II. Se “a gravidez resultar de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida”;

III. Se for “comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos”; e

IV. Se “por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação”.

O atual Código Penal – em vigor desde 1940 – expressamente estampa o seguinte no seu artigo 128:

“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

“II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Pela leitura do Código Penal em vigor no Brasil, o aborto é tratado no capítulo que rege os crimes contra a vida, portanto é crime, uma ação ilegal, mesmo quando realizada em mulheres com gestação de risco ou em caso de estupro.

Ocorre que na sistemática do Código, no seu artigo 128, apresentam-se situações em que a penalidade não é aplicada nos casos ali previsto, por isso está escrito “não se pune”, ainda que seja um caso de típica conduta apenável. Logo é crime contra uma vida indefesa, ainda que a pena não seja aplicada ao agente do fato por conta do comando legal. É o que no Direito chamamos de excludente de ilicitude, que torna impunível – em determinadas circunstâncias – o fato típico e antijurídico.

A proposta de reforma do Código Penal apoiada pelo CFM traz no seu bojo algo gravíssimo que é a relativização do direito natural à vida e sua proteção desde a concepção. Tal relativização, por certo, afronta direito intangível que, por natureza, constitui-se uma garantia constitucional inviolável, prevista no corpo do artigo 5º da Constituição Federal. Senão, vejamos:

“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

A garantia fundamental da inviolabilidade da vida prevista neste artigo é objeto de Cláusula Pétrea em nossa Constituição Federal, sendo proibida a tramitação de projetos de lei que busquem alterar este direito, conforme o comando insculpido no Art. 60, § 4º, Inciso IV da Carta Magna.

O próprio Código Civil de 2002, no seu artigo 2º, garante a proteção daquele que vai nascer desde o momento da concepção.

Ressalte-se, ainda, que a defesa da vida encontra-se arraigada na cultura da sociedade brasileira, bem como, prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que determina que o direito à vida deve ser protegido pela legislação em geral, desde a concepção e, nos seus artigos 1º e 3º, estampa que “toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica” e “pessoa é todo ser humano”. Eis o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, subscrita em 22 de novembro de 1969, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro em 26 de maio de 1992, através do Decreto Legislativo nº 27/92, sendo obrigatório o seu cumprimento integral no Brasil através do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992:

“Art. 1º, nº 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Art. 3º. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.

Art. 4º, nº 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. “Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”

O Pacto de São José da Costa Rica garante, assim, por força de lei, que toda “pessoa” tenha o direito de ter reconhecida a sua personalidade jurídica. Sendo certo que pessoa é todo ser humano, conforme expresso no artigo 1º.

Assim não existe dúvida de que o nascituro é um ser humano, logo todo nascituro tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.

Ademais, o artigo 1º, inciso III, da norma Constitucional, traz os fundamentos do Estado Democrático de Direito, consagrando o princípio da dignidade pessoa humana, que se baseia na natureza racional do ser humano, ou seja, a dignidade nasce com a pessoa, é inata, inerente à sua essência, sendo a condição humana o único requisito.

A defesa da vida, o direito de nascer, trata-se de um direito inato, adquirido no nascimento, portanto, intransmissível, irrenunciável e indisponível e a reforma deste Código corrói esta estrutura, flexibilizando valores que não podem ser alterados, pois inerente à própria razão de existir da vida humana. Evidente a falta de obediência ao postulado básico de que o Direito penal deve limitar e proteger o cidadão.

Urge salientar que o Pacto de São José da Costa Rica é reconhecido como norma Constitucional nos termos do art. 5º, §2º e §3º. Atualmente o entendimento majoritário da Suprema Corte brasileira é no sentido de que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos possuem status hierárquico de nível supralegal, isto é, estão abaixo da Constituição, mas acima de todas as leis ordinárias. Destarte, não há no ordenamento jurídico brasileiro lugar para o aborto.

Sobre os dados apresentados pelo CFM e as hipóteses de aborto defendidas

O Conselho Federal de Medicina ao demonstrar a sua posição institucional, através da Circular 46/2013, apresenta na sua justificativa “compromissos humanísticos e humanitários”, mas não fala em nenhum momento na defesa da vida dos bebês, tratando as crianças não nascidas como “coisa” de somenos, com uma postura notadamente discriminatória e atentatória ao direito à vida das crianças dentro do útero materno, ou seja, dos nascituros.

O CFM ao falar dos fundamentos jurídicos de sua decisão política e administrativa omite o Tratado Internacional de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica –, que garante, inexorável e peremptoriamente, o direito a vida desde a concepção, induzindo a comunidade médica e a sociedade a erro, deixando a impressão de que agem sob o manto da legalidade e com fulcro na mais novel legislação sobre a dignidade da pessoa humana.

Mais ainda: a circular do CFM, ao apresentar números sobre as internações devido a curetagens pós-abortamento, informa dados estatísticos antigos (desatualizados), do ano de 2001, com alegação de consecução de 243 mil curetagens, mesmo existindo números atuais menores no DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde). Também não diferencia o motivo do aborto, se espontâneo ou provocado. Evidentemente, tenta-se, com isso, induzir a comunidade médica a erro diante de tais assertivas.

Ao analisar os números oficiais do Governo, através do DATASUS, verificamos que os números divergem frontalmente do que a circular do CFM apresenta: 115, 152 e 156 são o número total de mortes maternas anuais em 2002, 2003 e 2004 por gestações que terminam em quaisquer tipos de aborto, incluindo aí os abortos espontâneos e os abortos não esclarecidos.

Salta aos nossos olhos as informações, no período de 1996 a 2009, os números do DATASUS por óbito materno na categoria CID-10 apontam uma média anual de 11 mortes oriundas de abortos espontâneos. Já os casos de morte materna por abortos ilegais, no mesmo período, o dado é de 151 mortes.

Resta evidente que o CFM apresenta dados estatísticos equivocados, o que por si só poderá induzir a comunidade médica a erro.

Merece repulsa também o texto previsto na reforma do Código Penal e apoiado pelo CFM, onde o inciso I do artigo 128 do texto original de 1940, seria modificado nos seguintes termos: muda-se de “se não há outro meio de salvar a vida da gestante” para “se houver risco à vida ou à saúde da gestante”.

Ora, o legislador não define o que seja “saúde da gestante“, deixando um vácuo, criando o que se chama no direito penal de tipo aberto, abstrato. Como irá aplicar o operador do direito esta norma penal? De qual saúde o legislador esta abordando? A saúde Física? A saúde Psicológica?

O que o legislador quis dizer sobre “risco à saúde”, qual o seu conceito? Qual a sua extensão? Vê-se assim a total incongruência deste texto e sua instabilidade jurídica.

Do mesmo modo, o inciso II da reforma insere uma nova excludente de ilicitude para os casos de aborto de bebês anencéfalos, nos mesmos termos da decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF 454, que a nosso ver foi equivocada. Vejamos: o que seria “vida independente”? De que “graves e incuráveis anomalias” o texto está falando? Aplica-se este texto também aos portadores da Síndrome de Down como em alguns países que já aprovaram o aborto?

Outro aspecto relevante e negativo, que aparentemente poderia passar despercebido na Circular é que o CFM, ao emitir este documento e distribuir aos demais Conselhos e a sociedade em geral, exclui do texto da reforma do inciso IV, do artigo 128, a necessidade de avaliação médica ou psicológica para constatação de que a mulher não apresenta as condições psicológicas para arcar com a maternidade. Ou seja, eles induzem que é lícito liberar o aborto até a 12ª semana apenas com o consentimento da mãe.

O fato é que, se texto original da Reforma já atentava contra os valores constitucionais e a defesa da vida humana desde a concepção, a Circular do CFM inova afrouxando e relativizando ainda mais o direito à vida dos nascituros.

Por todo o exposto, não há como se falar de autonomia da mulher e do médico em face ao direito inalienável e irrenunciável que se amalgama insitamente à vida do nascituro. O bebê no útero materno não é parte do corpo da mulher, mas uma vida absolutamente distinta e autônoma, sendo o aborto um ato de extrema gravidade e violência contra a consciência e a dignidade da pessoa humana.

 

Zenóbio Mendonça da Fonseca Junior

Diretor de Assuntos Estratégicos ANAJURE

Uziel Santana dos Santos

Presidente do Conselho Diretivo Nacional ANAJURE

 

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