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Carlos Bezerra: e os escravos de Cuba?

O deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB-SP) é autor de uma lei contra o trabalho escravo moderno que é comparada, pelas almas generosas, com a própria Lei Áurea.

Bezerra concebeu a celebrada Lei nº 14.946 que prevê a cassação do registro no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de toda empresa que se utilizar, ainda que indiretamente, mão de obra submetida a regimes que se assemelhem à escravidão.

A lei foi sancionada pelo governador Alckmin e representa um marco revolucionário na medida em que inviabiliza o funcionamento de empresas a exploram trabalhadores.

Evangélico, o deputado virou notícia internacional. Não é por acaso: colocou na berlinda grandes grupos empresariais como a Zara, que admitiu a ocorrência de trabalho escravo no processo de fabricação de seus artigos no ano de 2011.

Bezerra tem minha simpatia por sua corajosa iniciativa. Até mesmo porque sua lei beneficia principalmente gente como bolivianos ilegais que sequer têm título de eleitor. É raro ver um político evangélico que não se limita a agir como despachante de igreja.

O que me causa estranheza é o gritante silêncio do deputado em relação à situação dos médicos cubanos do famigerado programa Mais Médicos, cujos direitos trabalhistas foram ignorados em favor de uma parceria obscura entre o Brasil e uma ditadura.

O procurador do Ministério Público do Trabalho, Sebastião Caixeta, classificou a iniciativa federal de irregular, pois descumpre as leis trabalhistas brasileiras. Segundo ele, não estão previstos nos contratos dos cubanos o pagamento de férias remuneradas e de 13º salário.

“…há um desvirtuamento do que é uma autêntica relação de trabalho. Portanto, há descumprimento dos direitos de índole trabalhista previstos na Constituição. (…) O texto do projeto de lei do Mais Médicos diz que não há remuneração, mas um auxílio por meio de bolsa. Todo o programa é estruturado no sentido de afastar a relação de emprego, mas, na prática, essa relação de emprego existe”

O procurador deu tal declaração após participar de audiência com a médica cubana Ramona Rodriguez, que desertou – do programa e do País – em busca de seus direitos. Ramona denunciou que recebia apenas US$ 400 (cerca de R$ 968).

Outros US$ 600 (R$ 1.452) seriam depositados em Cuba e só poderiam ser sacados no seu retorno ao país. O restante — R$ 7.580 — vai direto para a ditadura dos irmãos Castro.

Em outras palavras, os médicos cubanos recebem apenas 20% do que o Brasil repassa a Cuba.

Carlos Bezerra se levantou contra gigantes empresariais que submetem imigrantes ilegais à lógica da exploração sem lei, mas nada disse sobre os médicos cubanos que têm seus direitos trabalhistas negados porque estão submetidos à lógica de exploração de uma ditadura.

Assim como os bolivianos ilegais, os profissionais de Cuba estão vivendo bem aqui, em território brasileiro, sob égide da Constituição Federal. É estranho que o deputado evangélico que lutou pelos direitos dos primeiros tenha se esquecido dos segundos.

O jurista Ives Gandra, uma  das maiores referências do campo jurídico do Brasil, não hesitou em classificar o regime de trabalho dos médicos cubanos de “neoscravagismo”:

“O governo federal oferece para todos os médicos estrangeiros “não cubanos” que aderiram ao programa Mais Médicos um pagamento mensal de R$ 10 mil. Em relação aos cubanos, todavia, os R$ 10 mil são pagos ao governo da ilha”

Além da exploração brutal, Ives Granda lembrou que o contrato do programa determina que os profissional cubano só poderá receber visitas de amigos ou familiares no Brasil, mediante “comunicação prévia à Direção da Brigada Médica Cubana” aqui sediada.

O contrato determina ainda “estrita confidencialidade” sobre qualquer informação que receba em Cuba ou no Brasil até “um ano depois do término” de suas atividades. Diante dos fatos, o jurista concluiu:

“O governo federal, que diz defender os trabalhadores –o partido no poder tem esse título–, não poderia aceitar a escravidão dos médicos cubanos contratados, que recebem no Brasil 10% do que recebem os demais médicos estrangeiros”

O artigo de Ives Gandra foi publicado na mesma Folha de S. Paulo na qual Carlos Bezerra havia publicado um texto primoroso, “O Brasil sob a chibata”,  falando da importância da luta contra a escravidão no mundo contemporâneo:

“A exploração do trabalho escravo é um crime tipificado de forma objetiva em leis conhecidas e largamente aceitas pelos tribunais brasileiros. A legislação leva em conta um conjunto de situações: servidão por dívidas, restrição da locomoção, trabalhos forçados, jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho”

Ora, o contrato ao qual estão submetidos os médicos cubanos estipula que eles não podem frequentar locais públicos sem prévia autorização. Eles não podem sair depois das 18 horas sem a permissão do seu chefe imediato. Para requerer tal “regalia” o profissional deve informar aonde irá, se irá com companheiros cubanos ou nativos.

Pergunto ao deputado Carlos Bezerra: isso não seria “restrição de locomoção”?

No documento citado por Ives Granda também é possível saber que até mesmo o casamento com um não cubano estará sujeito à legislação cubana, a não ser que haja “autorização prévia por escrito” da referida máxima direção cubana.

É bastante visível que os profissionais de Cuba que trabalham no Brasil realmente estão vivendo uma situação de “neoescravagismo”, como bem definiu Ives Granda.

Infelizmente o deputado brasileiro mais ligado a temática da escravidão moderna nada disse sobre isso. Só me resta especular os motivos:

1-      Porque é politicamente incorreto criticar Cuba

2-      Para não desagradar os irmãos progressistas

3-      Por falta de coragem mesmo

Mas são apenas especulações e espero, de todo o coração, estar totalmente enganado. Talvez o deputado Carlos Bezerra possa nos iluminar com um motivo nobre para o seu silêncio ou, melhor ainda, possa quebrar esse silêncio, de forma corajosa e humilde, legitimando a sua causa com a imparcialidade.

A médica cubana citada acima havia sido “denunciada” por ter cometido o “crime” de namorar e foi praticamente chamada de bêbada por um deputado petista. O caso teve repercussão internacional e pouca gente se colocou ao lado da trabalhadora cubana.

Assim como pastores progressistas que vivem falando em direitos humanos e acusando Alckmin de fascismo, Bezerra nada disse sobre o flagrante abuso da privacidade de Ramona e o tratamento desrespeitoso que a trabalhadora recebeu.

Até mesmo um autor de novelas da Rede Globo se compadeceu dos trabalhadores cubanos, mas os evangélicos prafrentex não conseguiram ir além da ideologia e fazer a coisa certa.

Certa feita, o deputado Carlos Bezerra disse que não se alinha a “bancadas evangélicas”, mas nessa questão particular está exatamente no mesmo patamar dos seus colegas.

De qualquer forma, enquanto os médicos cubanos permanecerem submetidos – em território brasileiro – a um regime de trabalho semelhante à escravidão, coagidos pela legislação absurda de uma ditadura estrangeira, continuarei denunciando o silêncio vergonhoso de Carlos Bezerra Jr e dos demais políticos evangélicos.

 

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