Sou daquelas pessoas que quando ouve o velho hino “quando Jesus estendeu sua mão, eu era cego, perdido, sem Deus, sem Jesus, quando estendeu sua mão para mim” sinto um arrepio. Sou profundamente grato pela misericórdia e graça divina que estão relacionadas a vida do Senhor.
Eu estava na sarjeta da vida, perdido, era um miserável espiritual, com a alma avariada pelo abuso das drogas e do álcool e não via esperança no futuro. Assim vivi a maior parte da minha adolescência, feliz por fora, numa loucura utópica e tão arrogante que era incapaz de admitir minhas mazelas, mas mesmo assim deprimido e sem esperança interior.
Foi quando, então, tive meu encontro com essa Luz original, que lançou seu feixe sobre minhas trevas e me fez enxergar além da minha desgraça pessoal. Assim foi o início de minha jornada evangélica!
De lá pra cá, foram-se dezoito anos e uma das coisas que sempre pautaram minha relação com a religião cristã foi uma personalidade curiosa. Nunca me conformei com o que me ensinaram sobre Jesus e o Cristianismo e sempre fui além do que via, lia e ouvia.
Agraciado pelo indulto, durante toda minha vida, até aqui, andei em busca de uma mensagem bíblica que fosse consistente, em abrangência e universalidade, com a graça e o amor de Cristo que sentia em meu coração. Como fruto dessa busca, acredito que na jornada terrenal esteja agregando pequenos tijolos a cada dia na construção de uma teologia que me convença.
Sobre diversos assuntos, sobretudo os que são tabus sociais, via em quase tudo o que lia, acerca das ‘letras’ humanas, chamadas presunçosamente de revelações de Deus, que as mesmas conduziam consciências à condenação e mentes fracas, em busca de respostas para questões existenciais das mais complexas, eram fadadas a mensagens de reprovação.
Gostaria de me manifestar acerca da homossexualidade, a qual, na letra e na lei, é reprovada pelo judaísmo (em seu código de conduta) e pelo cristianismo (nas orientações apostólicas).
É sobre esse assunto que venho pensando e gostaria de compartilhar o que hoje está em meu coração.
Acho intrigante a forma como lidamos, como igreja, com essa questão. Sobretudo pelo fato de simplesmente anular completamente o fator individualidade, condição inequivocamente peculiar à vida humana, ou seja, por simplesmente tratar da questão por si só, sem olhar para a pessoa envolvida, em cada uma de suas histórias, sentimentos, escolhas, influências e caminhos pelos quais cada um deses indivíduos andaram.
O pecado mata, mas a letra também
Quando penso no assunto, a primeira questão que me vem à mente é a do enquadramento bíblico. Sim, homossexualidade é pecado sob a ótica da Bíblia. E o salário do pecado é a morte, portanto, gays, inconversos, ou seja, que não mudaram sua gayzisse merecem a condenação, não é isto?
No entanto, na mesma Bíblia encontramos outra coisa que mata igual ao pecado, que é a letra. Letra, a antítese do Espírito que vivifica, segundo o texto a que me refiro.
Em minha opinião (que fique claro que tudo aqui é minha opinião e não tenho ambição de doutrinar ninguém), a letra é a leitura que se faz da Bíblia de forma obscurecida, sem a presença dos fatores Graça, Amor e Justiça, revelados na vida dos que foram iluminados em seus entendimentos pelo Espírito de Deus. Essa Letra é capaz de matar, pois ao invés de produzir bênção, maldiz. Ao invés de salvar, condena. Ao invés de reconciliar, afasta.
O enquadramento legal dos homossexuais são uma ótica da letra mortal, não do espírito que vivifica. São fruto do pensamento convencional, paupérrimo e preconceituoso de que Deus ama o pecador, mas odeia o pecado. Esta é uma frase digna de um carcereiro evangélico, que mantém na rédea curta seus irmãos.
Mas não quero aqui dizer que o homossexual não pecou. Pelo contrário, em meu entendimento bíblico, entendo que todos pecaram. Eu pequei e você também pecou e se o salário do pecado é a morte, sou digno de condenação tanto quanto qualquer outro ser humano sobre a face da terra, seja ele gay ou hétero. Todos merecemos a condenação!
Escala pecaminosa?
Na sociedade em que vivemos, criamos por hábito eleger pecados mais e menos aceitáveis, o que não é uma condição biblicamente lógica, mas uma invenção auto indulgente de um clero que promove uma doutrina de merecimento através da discriminação entre pecadores melhores e pecadores piores.
Pra mim, somos todos iguais e confio que pra Deus também!
Acho que devo partir para uma definição de pecado, que, como vejo, não é um ato em si, uma ação isolada, mas um estado humano irrevogável, ao menos nesta carne, neste tempo. Ou seja, não é que pecamos quando pensamos em algo ilícito, ou corrompemos a barreira imaginária do certo/errado, do pode/não pode, mas é no próprio fato de existir humanamente que consiste em estado de pecado.
Quanto a isto, não há saída! Nem pra mim, nem pra você, nem pro hétero, nem pro homo, nem pro assassino, nem pro que se diz inocente, porque, diante de Deus ninguém é inocente.
Até mesmo porque conceitos de inocência e culpa são estados variáveis que mudam de acordo com épocas, com interpretações e convenções. Muito daquilo que é aceito como bendito hoje, já foi maldito ontem, então, culpa é um lance no qual eu deixei de acreditar.
Digo isto porque culpas – a maioria esmagadora delas – são infringidas pela sociedade (em maior parte religiosa) e não por Deus.
Nos Estados Unidos da América houve tempos tão fundamentalistas nos quais era crime deixar de ir à igreja aos domingos. John Bunyan, autor do célebre ‘O Peregrino’, foi preso por coisas desse naipe.
Reformas
Para provar que certos e errados são variáveis, utilizo a Bíblia, que possui dentro de suas próprias linhas algumas reformas que foram indispensáveis para que a lei pudesse se adequar à humanidade de cada era. Sim, a Bíblia se adéqua à humanidade e a Nova Aliança só foi estabelecida porque a Velha, digamos, envelheceu.
Certa vez perguntaram a Jesus sobre o casamento e o divorcio. Parafraseando as palavras do Mestre, foi dito que esse lance de carta de divórcio não foi estabelecido no princípio por Deus, mas que por causa da dureza do coração dos homens, Moisés teve que conceder tal carta.
O que vocês veem aqui? Eu vejo mudança, reforma, eu vejo adaptação por causa do estado de pecado e vejo que sem essa alteração, não haveria forma daquelas pessoas subsistirem enquanto Judeus.
Abro um parêntese pra dizer que é óbvio que estamos tão irreversivelmente distantes do projeto original que toda Lei teve que ser fatalmente mudada para que houvesse salvação. A Lei teve que se tornar obrigatoriamente em Graça, visto que nenhum homem mostrou-se capaz de cumpri-la.
Deus é justo e certamente possui um padrão, no entanto, por ser amor acima de tudo decidiu sofrer em si mesmo as dores do sacrifício que nos traz a paz e a salvação.
É por Graça, não por merecimento e isto engloba a todos, até mesmo os que sob a ilusão da religião acreditam que fazem por merecer, apesar de viverem sob um estado de engano, pois ninguém faz por merecer, pois todos pecaram!
A hipocrisia religiosa se estabelece justamente no vício de se criar falsos santos, mitos e semideuses cristãos, pessoas que se tornam padrão de pureza, castidade etc. Tudo balela!
Assim como eu e você, todos são desesperadamente corruptos, até as mães são, os pais, os presidentes, os pastores, os apóstolos, todos são, pois é uma condição humana.
A gravidade na questão do tabu da sexualidade de nosso tempo consiste no falso conceito supremacista heterossexual, que gera a enganosa sensação de que não-gays são menos pecadores do que os ‘repulsivos’ gays.
Tudo isso porque na Bíblia, um livro cheio de indícios temporais que precisam ser avaliados e sondados sob óticas não fundamentalistas – sob risco da mesma se tornar letra mortal – existe esse precedente moral.
A chave é Jesus
Sempre que vejo uma situação de sinuca, um quadro no qual não consigo achar respostas, busco na atitude de Jesus uma saída. Aprendi isto com um professor do curso de teologia, anos atrás.
Talvez você não saiba mas Ele, o Mestre, Senhor e Bispo das nossas almas esteve com um homossexual em sua caminhada pela terra.
É um fato histórico, embora argumentações circunstanciais sejam levantadas para erguer contradições, o lance é que Jesus esteve com uma pessoa que pra mim se tornou o símbolo bíblico de como eu, como cristão, devo me portar perante homossexuais.
O texto está em Lucas 7 e diz: “E o servo de um certo centurião, a quem muito estimava, estava doente, e moribundo”.
Pra seguir adiante, preciso relembrar a todos que contextos históricos são chaves hermenêuticas indispensáveis para seja feita uma exegese correta dos textos bíblicos e o fato é que, embora condenada pela tradição judaico-cristã, a sociedade romana tolerava relações com conotações homossexuais, onde eram, aliás, comuns.
Quero afirmar que o texto deixa clara a existência de uma relação de carinho entre o Centurião e seu Servo e na versão Almeida Revista e Atualizada, no verso 7 daquele capítulo, utilizou-se o termo “meu rapaz”, ao invés de “servo”, como em outras versões. Tudo isto em virtude das ambiguidades contidas nos termos gregos utilizados nas versões originais do Evangelho de Lucas.
O que quero dizer com isto é que o Centurião amava seu servo e que esse tipo de situação/relação era algo comum naquele momento, naquela sociedade e que os romanos concebiam esse tipo de relação sem as discriminações dos dias atuais.
No entanto, o que fica pra mim é a atitude de Jesus com relação aquele centurião, pois o mesmo não foi passível de repreensão e, pelo contrário, teve seu ‘rapaz’ (amante?) curado e ainda foi louvado por sua fé, pelo Senhor (sugiro que leia todo o texto).
Pra mim isto é a manifestação da Graça, através daquele que veio estabelecê-la e o Evangelho não é nada sem isto. Sem essa Graça receptiva, o Evangelho é só uma religião dotada de um clero hipócrita que cobra do povo que eles sejam o que nenhum de seus líderes é, nem nunca será.
As igrejas estão erradas em acusar o pecado da homossexualidade, pois ao fazê-lo, querem simplesmente se excursar de seu próprio pecado, o que consiste em hipocrisia deslavada.
Com a atitude de Jesus entendo que não devo dizer quem é ou não o pecador, porque, em suma, diante dEle, todos somos (então, pare de se achar melhor do que os outros só porque é hétero).
A única coisa que posso dizer agora, baseado na atitude do Senhor perante o Centurião é que Ele não veio aqui pra tratar desses assuntos de ordem humanamente moralista.
Deus é moral ou Deus é amor?
Moral não é coisa de Deus, é coisa de homem! Deus não tem moral, Deus é o que é!
Poucos entendem o Deus histórico que mandava matar no Antigo Testamento, mas o fato é que questionar Deus em suas atitudes ‘moralmente violentas’ é o mesmo que a formiga questionar o elefante por pisar no formigueiro.
Ele faz, desfaz, cria e se quiser descria. Ele é Deus!
Moralidade, moralismo é coisa da sociedade que passa por reformas de tempo em tempo e a própria Bíblia mostrou isso.
Deus, por uma convulsão de sentimentos, decide amar a esta classe perdida e desgastada chamada humanidade e isto sim é algo intenso, profundo e inexplicável.
Crentes vingadores
Eu, ser humano, dizendo quem é o certo e o errado, isto sim é um absurdo e a igreja vive seu absurdo legalista e hipócrita quando se coloca como a palmatória do mundo, com seus métodos de catequese inadequados para se posicionar perante a sociedade de seu tempo, este tempo.
A falta de amor na vida da cristandade é latente e escandalosa e os que se dizem filhos de Deus provam que nem mesmo o conhecem, pois sendo Deus amor e a igreja o mais descarado ódio, ambos estão separados por um abismo profundo de ignorância.
A prova disto é que enquanto o amor de Deus abraça a humanidade em Cristo, a igreja acusa e aponta seu dedo, repelindo.
A pregação do Evangelho é a reconciliação de todos com o Pai e um cristianismo que não reconcilia, é uma religião morta, anticristã, um lixo.
Oração
Clamo a Deus para que esse tempo de tragédias familiares, onde pais – muitos deles cristãos – por sua “obsessão hétero moral” expulsam filhos de casa, corrompendo todo o sentido de família, que é o amor, a proteção e o zelo mútuo.
Choro pelos homossexuais que sofreram até aqui e pelos que ainda sofrerão, mas choro também pela ignorância da eclesia atual, que diz ter nascido de Deus, mas não conhece o amor, que diz paz do Senhor, mas agride e pisoteia almas tão sofridas e amarguradas pelos muitos abusos vividos entre bullyings e perseguições.
Peço a Deus que aprendamos a amar e a receber, sem essa lorota imbecil de que odiamos o pecado e amamos o pecador.