Por @RubensTeixeira*
Depois do jornal O Globo publicar a matéria “Crime e preconceito: mães e filhos de santo são expulsos de favelas por traficantes evangélicos”, veiculada no site do jornal em 7 de setembro de 2013, dois dias depois, o jornal Extra, de mesmo proprietário publicou que “O MP, segundo Mothé (procurador Márcio Mothé, coordenador de Direitos Humanos do MP), pretende chamar as duas partes — líderes locais evangélicos e de religiões de matriz afrobrasileira — e propor Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), com pena de multa em caso de desobediência. Se houver descumprimento, ou seja, novas denúncias, a instituição religiosa será obrigada a pagar o valor combinado”.
Explicando: Termo de Ajustamento de Conduta, ou TACs, são documentos assinados por partes que se comprometem, perante procuradores (membros do MP), a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a resolver o problema que estão causando, ou mesmo a compensar danos e prejuízos já causados. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), também conhecido como Compromisso de Ajustamento de Conduta, tem sido útil na solução negociada de conflitos envolvendo direitos difusos, coletivos e individuais.
>>> Os “traficantes evangélicos” e os “traficantes da Globo”
As matérias de ambos os jornais, que têm posturas claras com relação aos evangélicos desde que foram fundados, e a proposta da importante instituição MP deixaram-me profundamente preocupado com os direitos fundamentais do grupo de risco composto por pessoas que têm mais chances de sofrer as maiores injustiças contra seus direitos individuais: pobres e negros. E é justamente este o grupo predominante nas localidades menos favorecidas no qual estão inseridos estes pastores que seriam convidados a assinar este TAC, podendo estar expostos a assumirem compromissos que não conseguirão cumprir e que também não são suas atribuições, mas do Estado. Evidencio que negros e pobres das comunidades carentes, sejam evangélicos, católicos e membros das demais religiões, ou sem religião, também são de origem afro e sofrem preconceito por conta da cor da sua pele e por conta da pobreza, infelizmente.
>>> “Traficantes evangélicos”. ABSURDO. Pastores podem ser convocados pelo MP
O Brasil tem cerca de 40% de seus presos sem sentença condenatória transitado em julgado. Em sua maioria, quase totalidade, estes encarcerados são negros e pobres. Isto nos obriga a ficarmos bem alertas, pois o sofrimento de muitas destas pessoas injustiçadas não provoca clamor popular, pois são desprezadas e tratadas com preconceito.
Em todas as partes do Brasil, pessoas de diversas religiões convivem harmonicamente. Claro que, do ponto de vista religioso, pensam diferente. Do contrário, não seriam de religiões diferentes. Se uma pessoa comete um crime, isto nada tem a ver com a sua religião, exceto se sua religião faz apologia ao crime. Isto posto, indaga-se: “como afirmar que os traficantes são evangélicos? O Globo tem, porventura, alguma prova cabal de que esses traficantes sejam membros de igrejas?”.
Como o Ministério Público vai comprovar que esses traficantes fariam parte de alguma igreja evangélica? Valerá a palavra do O Globo e do Extra? E se integrantes da igreja da comunidade dissessem que na verdade esses traficantes estariam ligados ao O Globo, o Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) seria com este jornal e os integrantes das religiões afros?
Se traficantes, ou qualquer pessoa, impedem a liberdade religiosa, um direito fundamental, como se realizar um TAC para tratar do tema? São crimes com violações de direitos humanos que estão sendo cometidos e isso não se resolve com TAC. O MP estaria partindo da premissa que os pastores comandam os traficantes, ou incentivam que pratiquem crimes? Ou seja, estes pastores seriam criminosos? O MP, como todas as instituições públicas, deve trabalhar para retirar o tráfico das comunidades já dominadas e, assim, garantir que sejam respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos lá residentes, sejam eles de religiões afro, religiões cristãs, ateus, ou qualquer outro. Qualquer pessoa que limite direitos individuais alheios deve ser punida na forma da lei.
Convocar pastores para assinar um TAC a esse respeito será uma solução inócua. Traficantes não respeitam a lei, nem o Estado e enfrentam armas. Jamais se renderiam a um TAC. Se o Estado que tem aviões de guerra, navios de guerra, carros de combate, canhões, metralhadoras, explosivos, munições, Ministério Público Federal e os MPs estaduais, Judiciário, Banco Central, Receita Federal, etc., e ainda detém o monopólio da violência, não consegue impor a lei aos traficantes, será um pastor, normalmente de baixa renda, que se arrisca diariamente tentando convencer criminosos a largar o crime que vai ter de responder pela fragilidade do poder estatal?
O sistema carcerário está falido no sentido de recuperar seus detentos e não é só no Brasil. Muitos delinquentes são reincidentes e ficam no crime até a morte. A igreja evangélica tem feito um grande trabalho na libertação de pessoas do mundo do crime. Por que não pesquisam a respeito e expõem os dados? Os evangélicos defendem comportamentos que confrontam interesses econômicos dos que vendem produtos desaconselhados pelos cristãos e exploram serviços e práticas não adotadas por evangélicos. Por isso, também, há esse esforço midiático de combate a esses cristãos que atrapalham tais interesses.
Com isso, conseguem pautar, inclusive, instituições públicas que, através dos seus agentes, alinham-se com o que se diz sem fazer uma reflexão mais profunda. Argumentos que atacam a lógica da lei e os fatos. As instituições brasileiras têm que estar vigilantes para que não sejam manipuladas em suas atribuições e ações. As mídias são pertencentes a grupos privados e têm seus interesses. É importante que sejam livres, mas não pode ser dada a elas a presunção de estar falando a verdade quando há alguma aberração como esta. Aproximar-se demais de uma delas e acreditar em argumentos superficiais, como os que pautaram estas matérias, deixa vulnerável toda uma sociedade que depende do Estado para defendê-la do poder econômico que domina as grandes mídias.
Se esse TAC fosse plausível, os pastores que deveriam ser chamados para discuti-lo e assiná-lo seriam os que detêm poder, como presidentes das denominações no Brasil e os que estiverem na mídia. Não vale chamar os que não detêm poder decisório abrangente e são desprovidos de recursos financeiros. Não pode colocar o peso, mais uma vez, na cabeça de pastores pobres e negros de comunidades carentes. O Estado que lhes cobra imposto, mas não lhes dá educação, saúde e serviços básicos minimamente funcionais, não pode retirar o que lhes resta: a dignidade.
Não é justo que evangélicos que não possuem armas de guerra, e nem robustas e numerosas prerrogativas constitucionais para fazer valer a lei, sejam responsabilizados pelas ações de traficantes que dominaram parte do território do armado e poderoso Estado. Querem que os que enfrentam os riscos da ausência do poder público, sem apoio estatal ou global, e retiram meliantes do crime tenham que ser também super-heróis e retirem, à força, às armas dos traficantes que não queiram deixar essa prática criminosa, pois preferem continuar abastecendo o mercado de drogas para que seus consumidores, dos quais 75% pertencem às classes A e B, não fiquem sem a droga, inclusive os que aparecem na telinha?